Ghost bike de Antonio Bertolucci. Foto: Willian Cruz / Vá de Bike

Por que não foi acidente

Muitos têm criticado a postura de dizer que não foi acidente. Então vamos explicar por que o que aconteceu no dia 13 de junho com Antonio Bertolucci não pode ser considerado um simples acidente.

Muitos têm criticado a postura de dizer que não foi acidente. Então vamos explicar por que o que aconteceu no dia 13 de junho com Antonio Bertolucci não pode ser considerado um simples acidente.

O ciclista “caiu”

Comenta-se que o ciclista “desequilibrou e caiu”, por isso o ônibus o atropelou. Um ciclista experiente como Antonio Bertolucci dificilmente cairia dessa forma, sobretudo em um local sem desníveis ou buracos na pista, como mostram as fotos do local e como foi possível apurar durante a manifestação.

Mas supondo que ele realmente tenha caído antes de ser atropelado, se o motorista do ônibus estivesse ultrapassando a uma distância adequada a roda não teria passado por cima do ciclista e de sua bicicleta. O metro e meio não é à toa.

Vimos no local um pedaço do seat stay caído na rua (que liga o eixo traseiro ao suporte do selim). A bicicleta foi destruída. Se o motorista do ônibus tivesse passado por cima de Antonio porque ele caiu sozinho, passaria apenas por cima de seu corpo, não da traseira da bicicleta.

Em algum momento, o ciclista realmente caiu, nem que tenha sido depois de ser atingido pelo ônibus. Li em algum lugar que uma testemunha viu o ciclista cair antes da roda do ônibus passar por cima dele. Considerando essa hipótese, o que me parece mais provável é que o ônibus tenha tocado o guidão de Bertolucci, o que lhe fez cair.

Quando outro veículo em movimento toca o guidão de uma bicicleta, a ponta tocada avança rapidamente, virando o conjunto para a direita e desequilibrando totalmente o ciclista. Este então cai para a esquerda, justamente onde está o veículo agressor. E então não há tempo para mais nada. Supomos inclusive que tenha sido o que aconteceu com Márcia Prado, na Av. Paulista, em 2009.

Se o motorista do ônibus tivesse esperado três segundos, Antonio teria saído de sua frente e ainda compraria seus pãezinhos todas as manhãs.

O motorista não viu o ciclista

O motorista que dirigia o ônibus se defende dizendo que não viu o ciclista, como se isso fosse aceitável. Mas uma pessoa que dirige um ônibus desse tamanho e não consegue ver os outros usuários da via simplesmente não pode dirigir.

Ok, existem pontos cegos num ônibus, mas um motorista experiente sabe conviver com eles. E o ciclista não apareceu do nada em um dos pontos cegos. E considerando que o motorista o atingiu com a roda da frente do ônibus e que isso destruiu a traseira da bicicleta, é possível entender que o motorista se aproximou ˆ dele. A não ser que o ciclista estivesse dando a ré! Não tê-lo visto é igualmente indesculpável.

As marcas de sangue no asfalto estavam a dois metros da faixa de pedestres. Houvesse um pedestre terminando a travessia, o motorista também não o veria. Também o mataria.

Cerca de 20 ou 30 metros antes, há outra faixa de pedestres. Elas costumam indicar o ponto onde há pessoas cruzando a rua, certo? O motorista do ônibus deveria estar atento desde ali.

Que motorista é esse que dirige um ônibus com esse tamanho e esse peso e simplesmente não vê as pessoas na rua?

Se esse motorista tivesse matado um pedestre atravessando na faixa, não haveria essa discussão contraproducente de que “bicicleta é suicídio”. Ou diriam que andar na rua é perigoso?

Dirigir é que é perigoso. Nem todos deveriam ter o direito de fazê-lo.

A bicicleta deveria estar na ciclovia

Essa argumentação é tão lamentável, de um egoísmo e uma falta de civilidade tão grandes, que nem deveria ser comentada. Mas vamos lá.

Não há ciclovia ali e nunca vai haver: é uma via de acesso. Não há espaço para ciclofaixa ou ciclovia. O que há é um espaço viário que deve ser compartilhado.

Nunca haverá ciclovias em todas as ruas da cidade. E por mais ciclovias que tenhamos, em algum momento o ciclista terá que sair delas para chegar onde precisa. Nesse momento, precisará de respeito à sua utilização da via.

Sem esse respeito, sem essa conscientização de que a bicicleta tem direito de compartilhar as ruas com os carros, não adianta encher a cidade de ciclovias. Ao sair delas por um momento, o ciclista correrá risco. Respeito é a base sobre a qual deve ser construída a infraestrutura cicloviária da cidade. Sem ele, a mobilidade por bicicleta continuará clandestina, restrita a pequenos trechos pintados de vermelho ou sinalizados com cones.

E não adianta argumentar que o ciclista deve andar só na ciclovia. Quem usa a bicicleta como meio de transporte a utiliza para chegar a algum lugar. Eu não saio de casa com a bicicleta para ir até a ciclovia, eu saio para ir até o trabalho. A ciclovia pode estar no meu caminho ou não. Simples assim.

O Código de Trânsito protege a vida

A lei que rege o fluxo de veículos nas vias não tem como objeto os veículos e sim as pessoas. Examine o CTB com atenção e você perceberá que a principal preocupação é, sempre, com a segurança das pessoas, tendo o fluxo uma importância secundária. Primeiro a vida, depois fluir. É essa a lógica que a cidade deve seguir.

Há diversos artigos que garantem a segurança do ciclista (alguns citados no texto anterior, outros tantos disponíveis aqui). Mas as autoescolas, hoje chamadas de Centros de Formação de Condutores, costumam ensinar a passar no exame, não a dirigir com respeito à vida.

É mais importante saber quantos pontos na carteira o motorista ganha ao passar um sinal fechado do que o que pode acontecer com ele e com os outros ao fazer isso. Que diferença faz se é uma infração média ou grave? O risco de furar um sinal deve ser medido por essa pontuação ou pelas possíveis consequências?

Acidente é algo que acontece inesperadamente, impossível de ser evitado. Mas uma morte como essa poderia ser evitada, com o simples cumprimento da lei.

Quem infringe uma lei e comete um ato que pode colocar vidas em risco, tem (ou deveria ter) consciência do que pode acontecer. Portanto, deve aceitar a responsabilidade pela morte que causou.

Não, definitivamente não foi acidente.

Falta punição

O motorista saiu de lá dirigindo. Não se sabe ainda se ele fez de propósito, se tem condições para continuar dirigindo ou se foi tudo uma grande, estranha e misteriosa coincidência. Não se sabe se ele estava abalado e sem condições de dirigir. Mas saiu de lá dirigindo. É seguro ter essa pessoa ainda dirigindo? Quantos mais ele pode “não ver” pelo caminho?

Como disse um motorista de ônibus para a ciclista Laura Sobenes na Avenida Paulista: “você que vai morrer, eu só vou assinar o B.O.”. Com a certeza de que tudo vai ser apenas um B.O., motoristas covardes, irresponsáveis e criminosos colocam em risco a vida de ciclistas todos os dias.

Enquanto esses criminosos souberem que não serão presos por causa de uma “bobagem” dessas, pessoas como o Sr. Antonio continuarão morrendo e motoristas como esse, que absurdamente teve seu nome preservado até agora, continuarão matando anonimamente.

66 comentários em “Por que não foi acidente

  1. Sei que esse é um blog voltado para ciclistas, mas gostaria de fazer uma manifestação pró pedestres! Se os ciclistas são desrespeitados e estão morrendo, acreditem, a situação tá pior ainda para os pedestres. Por várias vezes quase já fui atropelado por carros na calçada! Isso mesmo! Os carros saem da garagem sem nem se preocupar se está vindo gente ou não na calçada, e pior, muitas vezes os motoristas veem o pedestre na calçada e mesmo assim avançam o carro, fazendo com que o pedestre tenha que esperar pra andar na calçada! Isso sem contar a faixa de pedestres, porque se na calçada eles já não respeitam os pedestres, a faixa é como se não existisse.

    É um absurdo! Eu aonde bastante de carro, mas devo admitir que os motoristas estão passando completamente do limite. O que tá valendo é a lei do mais forte, ninguém respeita ninguém no trânsito! É gente se matando no trânsito todo dia e ninguém faz nada!

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    1. Luiz,

      concordo com o que você falou, e devo admitir que acho engraçado isso: na teoria, TODO MUNDO é pedestre. Ciclista também é pedestre, motorista também é pedestre. Mas parece que as pessoas se esquecem disso e boa parte do motivo pelo qual elas se esquecem, é pelo fato de que, NA PRÁTICA, nem todo mundo é pedestre!

      Foi lindo ontem o movimento, embora o que esteja por trás tenha sido essa simples notícia, mas fico pensando se a cada vez que um pedestre morresse atropelado, TODOS fizessem o mesmo barulho, e colocassem, sei lá, ghost shoes, no lugar, pra todo mundo perceber como isso pode acontecer com qualquer pessoa – ciclista ou não. E para que todos percebessem que, em essência, também são pedestres. – Isso fica também pra quem estava quase lá e resolveu “dar pra trás” em tentar adotar a bicicleta como meio de transporte: não são só ciclistas que sofrem esse tipo de ameaça, pedestres também.

      Bom, sei lá. Falta tolerância.

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  2. Motoristas que assassinam ciclista devem ser processados criminalmente. Ouvir de um motorista “É vc que vai morrer eu só vou assinar o Boletim de Ocorrência” essa pessoa desprepadarada não pode dirigir uma arma como um ônibus. Faz muito tempo que o CTB é rasgado por motoristas vestidos com suas armaduras automotivas, já passou da hora disso mudar. Respeito a vida sempre.

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  3. a real no transito é essa: de moto vc nao é respeitado, de bicicleta vc é ignorado.
    O respeito no transito é inversamente proporcional ao tamanho do veiculo: na pratica, quem passa na frente é o caminhao, o onibus, depois o carro, e assim vai, e se vcs querem saber, nem pedestre respeita o ciclista, pois quando vc vem pela rua e o pedestre te ve, ele atravessa e nao te respeita.
    Entao…nao foi acidente. Foi uma falta de bom senso geral, falta de educaçao no transito, falta de respeito pela vida, falta de noçao que alguem pode morrer como morreu por simples descaso pelo proximo.
    Quando é que o ser humano vai ser humano?

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  4. realmente, isso acontece, pq as leis ainda são brandas quando se mata alguem, nao estou falando de rebeldia, e tudo mais que acontece, aki em Niteroi-Rj, a unica ciclovia que existe e no calcadão da praia de Icarai, sao francisco e charitas, por isso sempre que posso, dou o minimo de prejuizo aos motoristas que por ventura podem me machucar, um retrovisor aki outro ali, algumas laterais riscadas, não é o que eu deveria fazer, isso é logico, mas quero demostrar que aos poucos os danos podem ser permanente, para mim, como para eles.

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  5. Revoltante é saber que iso não vai dar em nada, e vai continuar tudo do mesmo jeito, isso só apareceu na mídia pq se trata de um executivo.

    A verdade é que enquanto não fazerem valer a lei (sim, ela já existe!) outros casos como este tornarão a se repetir, porém a prefeitura de nossa cidade juntamente com a CET só tem como objetivo mul…tar, e criar cada vez mais pontos de zona azul… pra isso sim eles são bons em fazer sinalizações e mostrar que “estão em cima”.

    Enquanto isso milhares de motoristas alimentados pela ignorância e presos em seus casulos automotores promovem este banho de sangue pelas ruas de São Paulo, pedalar aqui virou uma batalha diária pela sobrevivência, e infelizmente as baixas estão cada vez mais frequentes…

    É uma questão social e principalmente politica, pois aqueles que deveriam zelar pelo bem de todos estão mais preoculpados com as arrecadações, e quando “dizem” que fazem algo a respeito, é simplesmente marketing…

    Não precisamos de ombudsman´s na CET, precisamos de administradores competentes que tratem com igualdade e respeito todas as formas de transporte, quer elas sejam motorizadas ou não!

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  6. Pingback: Pedalinas
  7. Reafirmando e apoiando o comentário da Srta JU, valores e respeito ao próximo são compartilhados pela familia e pelas pessoas que temos como exemplo, senão todos teriamos de cursar uma Faculdade de Direito para aprendermos a respeitar o próximo em todos os aspectos de nossa vida.
    Muito mais que a LEI vale o tão conhecido e tão pouco utlizado e velho BOM SENSO.

    Ps.: tenho ido trabalhar de bike aki em SJCampos – SP, e sem dúvida cada dia é uma “aventura” nesse trânsito de irresponsáveis. Ciclovia ????? onde ??? quando tem, liga nada a lugar algum.

    Abraços

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  8. Obrigado a efetuar relatos de assunto todos os dias, diante de tal cheguei a conclusão que: “todo e qualquer cidadão ser obrigado a andar fazandar de bicicleta pelo menos 4 anos para tirar CNH”.
    Tudo tem de ter uma gestão, seria uma boa parte da solução, respeito!

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  9. Praticamente todos os dias eu ligo para a CET aqui de São Paulo (1188) fazendo a mesma pergunta “Preciso andar de bicicleta na Avenida Paulista para ir ao trabalho. Como devo fazer?”.

    A resposta sempre me surpreende. Já me disseram para ir andar no parque do ibirapuera, que eu não poderia andar pela Av Paulista pois lá não tem ciclovia e por ai vai.

    E impressionante como que o orgão que deveria controlar o trânsito da cidade não sabe orientar as pessoas. Um verdadeiro absurdo.

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  10. Enquanto “autorizarmos” automotores a transitar em velocidades absurdas em nossas ruas, não teremos segurança. Infelizmente estamos vivenciando uma “carrocracia” onde os carros podem tudo. Sou motorista também e não tenho problemas com ciclistas e pedestres, apenas devemos reduzir nossas velocidades quando no “comando” de um automotor, ultrapassar pelo Ciclista e outros com calma, parar na faixa de pedestres, não estacionar sobre os passeios ou seja simplesmente respeitar o CTB e a preferência: 1ºPEDESTRES, 2ºCICLISTAS, 3ºTransporte Coletivo e por último os carros.
    Todos saem ganhando.
    A RUA É DE TODOS !!!
    Só quero ter PAZ nas Ruas e QUALIDADE DE VIDA ao transitar pela cidade, principalmente a pé e de Bicicleta!

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  11. [Comentário oculto devido a baixa votação. Clique para ler.]

    Esse comentário não tem feito muito sucesso. Thumb up 4 Thumb down 9

  12. A grande questão é que o Código de Trânsito determina que os veículos automotivos devem dar uma distância de um metro e meio da bicicleta, e isso obviamente não aconteceu nesse acidente. Outro ponto, é que os veículos automotivos não esperam a vez da bicicleta, é de praxe levar fechadas.

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  13. Antes de mais nada, desculpa pelo tamanho do comentário! Talvez eu tenha exagerado, mas é necessário falar.

    Que as pessoas tiram habilitação sem receberem uma preparação decente, isso é fato!

    Tirei minha carteira de motorista há 4 anos atrás. Na auto-escola, me ensinaram a furar o sinal vermelho sem levar multa. Bicicletas? Nem menção. Como fazer uma ultrapassagem segura? Também não! Não é o máximo? Essa lei do 1,5 m praticamente não existe, porque não convém a ninguém motorizado conhecê-la.

    Mas isso não é desculpa!
    Posso ser sincera? Só fui tomar conhecimento dessa lei por que o atropelamento do Massa Crítica em Porto Alegre aconteceu. Lamento muito, precisei que vocês gritassem a plenos pulmões. Mas então parei para pensar, nunca PRECISEI saber dessa lei para começo de conversa. E porque nunca precisei? Porque sempre tive medo de atropelar alguém, então eu sempre mantive distancia de ciclistas e motos na hora da ultrapassagem de qualquer jeito. Nunca precisei que a lei me dissesse isso, sei pensar por conta própria para saber o que é seguro ou não.

    Vejam, não estou dizendo que não preciso saber das leis. Estou dizendo que não dependo das leis para ter noções de segurança.

    Quero dizer, p****, senso de segurança é algo que deveria ser intrínseco. Não DEVERIA PRECISAR ser ensinado na auto-escola, na sociedade ou nas leis. É algo que deveria vir de cada um. Infelizmente não vem, então no fim dependemos mesmo das leis e das auto-escolas. Mas não deveria ser assim. Precisamos mesmo de uma lei que estabeleça “não atropele” para saber que não se deve atropelar?

    Antes eu prezava apenas pela segurança envolvendo eu e o ciclista. Depois do que aconteceu no Massa Crítica, aprendi a dirigir pelos ciclistas e pelos outros, não só pela segurança deles quando eu passo, mas também pela segurança deles quando qualquer carro passa. Uma pena que eu precisasse disso para evoluir, mas que bom que pelo menos algo de bom aconteceu!
    Percebi que o transito é uma coisa dinamica, ele flui, ele tem um ritmo, ele depende de toda uma sincronia para ser seguro. O que isso significa? Significa, por exemplo, que não é porque eu estou na pista do meio e a bicicleta na pista da direita, que eu não vou me preocupar com ela. Preciso ficar atenta, porque se vem um carro pela pista da direita com intenção de ultrapassá-la, cabe a mim diminuir a velocidade e dar passagem ao carro para que ele entre na minha pista, na minha frente. Assim ele ultrapassa a bicicleta com uma distância segura, sem tirar fino. Isso é sincronia, estar atento a todos em todas as pistas e saber tomar a decisão certa no momento certo. Outro exemplo, se a bicicleta está na minha frente, em uma avenida furiosa, e eu não estou com pressa e nem necessidade de ultrapassá-la, custa nada eu ficar atrás dela e segurar o trânsito para que outros carros não tirem fino. Ou seja, não só cuido para não causar um acidente, aprendi a cuidar para que outros também não causem.
    Ajudei também meus pais a dirigir respeitando as bicicletas e tento divulgar ao máximo entre colegas.

    Eu estava contando ontem isso ao Phil, e achei importante contar a vocês para que saibam que o movimento de vocês tem sim um efeito positivo sobre os motoristas. Muitos ainda são avessos às bikes, isso é algo que vai ser difícil vencer, mas pouco a pouco as pessoas estão se conscientizando. Começou conscientizando a mim, hoje meu pai, minha mãe e até a minha irmã, que em breve deve tirar a carta, aprenderam com vocês.

    Queria trocar o carro pela bike, porém tão cedo acho que não farei isso, infelizmente. Fiquei de te mandar um e-mail com dúvidas, mas acabei adiando a ideia temporariamente, confesso. Tenho medo, mas não porque andar de bike é perigoso. Tenho medo porque sei do que motoristas são capazes e sei das barbaridades que eu vejo eles cometendo quando estou dirigindo minha “armadura de lata”. Se o carro é uma arma, infelizmente não estou pronta para sair de casa desarmada. Meu carro é o meu porto seguro depois de um dia estressante, é um conceito difícil de largar. Faço meu possível, e sou a favor de termos mais bicicletas nas ruas e menos carros. Vou lutar por um trânsito mais humano junto com vocês.

    Ontem eu twitei falando que, depois de encarar um engarrafamento pesado, ouvindo a Kiss FM, tocou a música “I Want to Ride My Bicycle”, e brinquei falando que isso era um sinal. Conversei com meu amigo Phil sobre bicicletas e logo depois li o tweet anunciando a fatalidade. Pois bem, coincidencia ou não, depois lendo as matérias, me dei conta de que essa música tocou próximo ao momento em que o ciclista Antonio Bertolucci foi declarado morto. Se isso não é um sinal, eu não sei o que é.

    Ver a foto da ghost bike ontem me deixou com um vazio enorme. Me deixou extremamente emocionada, e achei lindo o que vocês fizeram. Voces fazem algo que nem motorista, nem motoqueiro, nem mesmo os pedestres fazem, que é se unir por uma causa tão nobre. Para os outros, o trânsito é cada um por si e Deus por todos. Não pode ser assim.

    Só isso, um desabafo.

    Peço desculpas por escrever tanto. Ontem eu te mandei um tweet falando sobre como o movimento de vocês estava mexendo com o coração dos motoristas, porém 140 caracteres não foram suficientes para expressar o que eu senti, por isso eu vim aqui hoje. Ainda tinha tudo isso entalado na garganta para dizer.

    Não quero vir aqui para cantar glórias. O Phil me disse que mais pessoas deveriam pensar como eu e, sinceramente, não quero ouvir isso de novo. Não sou a melhor motorista do mundo e estou longe de ser.

    Só postei tudo isso porque vocês parecem exaustos de lutar por algo que dia a dia parece cada vez mais ignorado. Cada atropelamento parece uma causa perdida. Só quero dizer que não desistam. Pouco a pouco vamos estabelecer uma cultura de bom convívio, e se não viverei para ver esse dia chegar, farei então pelas próximas gerações.

    Quero que saibam que o movimento de vocês mobiliza os motoristas, não desistam dessa causa, nunca! Motoristas anônimos estão sempre aderindo. Obrigada por combaterem os males do transito com amor, e obrigada por me ensinarem a fazer o mesmo. =)

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    1. Oi JU

      Que admirável comentário o seu. Identifico-me imediatamente com você nisso, nessa questão de não precisar que nenhuma lei te diga o extremo cuidado que deve ter com a vida alheia, inclusive. Porém, sabemos que esse entendimento, coisa que tange a um coração cheio de humanidade, não virá numa auto-escola. Infelizmente terei que recorrer ao chavão e dizer que esse sentimento de valorização à vida, quem tem, o recebeu em casa, nos pequenos exemplos de pai e mãe e avós. Antes de ser um ótimo motorista nesse aspecto, há que ser uma ótima pessoa, um ótimo ser humano. E concordamos que a educação atual não vê méritos mais nisso, as “competências” trabalhadas hoje são outras, aquelas que justamente empedram fácil os corações.

      Não te conheço, Ju, mas veio uma alegria enorme te ler, saber que seus filhos, se os têm ou terá, serão iguais a você, porque hoje é só assim que são transmitidos esses valores. Nas escolas se ensinam outras coisas.

      E as leis, a palavra e o rigor das leis, deveriam ser para as exceções.

      Abraço

      Márcio Campos (ciclista todo-dia)

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    2. Parabéns Ju.

      Assim fica demonstradoque motoristas, podem e devem respeitar os outro meios de transporte (o pé a a bike).
      Também fica a esperança de uma provável ciclista.

      Parabéns.

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    3. Ju, teu comentário foi a manifestação mais legal que já li por parte de um motorista. Dá força à causa e mostra que sim, ser correto e solidário é algo que existe no trânsito e é algo que pode se multiplicar.
      Obrigada pelas tuas palavras.

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    4. O movimento é nosso! Seu, meu, das pessoas. Das cidades. Da vida. Movimento por uma cidade mais humana. Por uma cidade para todas as pessoas. Amorosamente, em harmonia.

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    5. é impressão minha ou tem um voto negativo no coment da ju???
      (um assassino passou por aqui! \o/)
      eu gostei muito do comment, é bom saber que a luta pelos nossos direitos tem feito algum efeito, coisa que a mídia sensacionalista sabe, esconde e reprime, fiquei indignado ao ligar a televisão e ver o “defensor” do povo, o Datena, no brasil urgente falando que se você gosta de bicicleta vá andar na China! ele deixou bem claro que é contra o ciclismo, contra uma sociedade civilizada, contra o direito a vida!
      sem mais comentários!

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    6. ju e galera, me desculpem, acabo de marcar SEM QUERER o segundo “não gostei”
      achei que seria possível ver a justificativa ou algo similar do responsável pelo 1º antes do voto ser confirmado.
      particularmente, todo dia que saio com minhas bike vou preparado para o susto e ja conheço os piores pontos de algumas de nossas vias, é hábito pensar assim decorrente de “experiências”. sempre que saio de casa com a magrelinha tambem me pergunto, É HOJE QUE VIRO MAIS UM MARTIR?…é F….da. vamos criar um post com os piores locais e onde devemos tomar cuidado e indicar as vias alternativas para aquele ponto, exemplo: av. ibirapuera x av. indianópolis em frente ao chico hamburguer…
      alternativa: qualquer paralela por dentro do bairro que é bem mais tranquilo.
      sou novo no blog e ainda não conferi se ja há algo similar.
      ALIAS, MOEMA É UM DOS PIORES BAIRROS PARA SE LOCOMOVER DE BIKE. MUITO “PLAYBA” e madame ARMADOS com carros bacanas experimentando o “torque” abraços a todos.

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  14. Hoje vim trabalhar de bike – costumo fazer isso quase todos os dias – e um sujeito com uma caminhonete, logo que me ultrapassou entrou numa vaga para estacionar. Isso acontece todo o tempo, porque motoristas simplesmente acham que as bikes estão paradas nas ruas? Toquei minha buzina e ele com olhar de desdém disse: “você precisa tomar cuidado”… no que respondo sempre: “Se não tomasse cuidado, você teria me atropelado, já que aos 55 anos, ainda não aprendi a voar”. Essa postura, esse conceito do monstrorista tupiniquim é o grande problema. Eles não acham que pedestres e bicicletas tem que partilhar a rua. As ruas ~sao para os carros! Onde foi que o valor da Vida foi superado pela pressa? Infelizmente outros Antonio’s e Márcia’s precisarão perecer para que tenhamos um mínimo de respeito ao ser humano? Não digo nem ciclistas, mas a todos?
    Todas as vezes que acontecem fatos como esse sou questionado, “alertado” pelos conhecidos, respondo sempre: “prefiro ainda morrer atropelado e servir como um bom exemplo a de morrer de infarto, sedentário e sem estar fazendo um mínimo pelos meus semelhantes”

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