Ainda que eu tivesse chegado fantasiado assim, mereceria respeito da mesma forma.

No coração de São Paulo, ciclista ainda é mal recebido

Que o atendimento no Conjunto Nacional vem piorando, todos sabemos. Mas não esperava ser chamado de “palhaço” e ameaçado de agressão.

A jaula para bicicletas no Conjunto Nacional. O estacionamento para automóveis funciona ininterruptamente, mas às 22h o cadeado do bicicletário vai dormir e você só pode retirar sua bicicleta no dia seguinte.

Na segunda-feira, 15 de outubro, fui ao Conjunto Nacional, um importante centro comercial na avenida mais emblemática da cidade, a Paulista, por onde passam cerca de mil ciclistas por dia. O condomínio também está a apenas duas quadras da Praça do Ciclista, onde os ciclistas se reúnem mensalmente, às centenas, para a Bicicletada, além de servir de ponto de encontro regular.

Numa região onde ciclistas de todos os estilos e classes sociais circulam com frequência cada vez maior, era de se esperar que fossem bem recebidos. Mas, infelizmente, isso nem sempre é verdade.

>> Preconceito contra ciclistas ainda é forte no Brasil <<

Não reclame, palhaço!

Ainda que eu estivesse fantasiado assim, mereceria respeito da mesma forma.

Depois de estacionar e trancar minha bicicleta, enquanto o encarregado do estacionamento trancava a jaula que chamam de bicicletário, notei a placa que falava sobre o horário de funcionamento. Eu só poderia retirar minha bicicleta dali até as 22h.

Se eu decidisse assistir a uma sessão de cinema que terminasse depois desse horário, teria que deixá-la por lá até o dia seguinte. Se fosse funcionário de uma das lojas, que fecham apenas às 22h, também não conseguiria chegar a tempo e teria problemas.

Um completo absurdo, considerando que o estacionamento de automóveis ao redor do bicicletário funciona 24 horas. Sim, eles retêm seu bem mesmo tendo a possibilidade de devolvê-lo, o que pode servir de base para acionar a polícia.

Pensando nisso, questionei o rapaz:

– O estacionamento de carros também fecha nesse horário?

– Não, só o bicicletário.

– Então tá errado isso aí, hein? – e fui saindo. Não ia ficar discutindo a política da empresa com ele, só queria manifestar meu desagrado.

Após alguns passos, ele me diz de lá de trás:

– Você vem parar bicicleta aqui e ainda quer reclamar?

Parei, virei e disse:

– Vocês são obrigados por lei a receber bicicletas aqui.

– Que lei o quê! – e mais alguma coisa incompreensível, dita em tom de resmungo e acompanhada da mesma cara feia.

– É lei, sim! Se você não conhece a lei, vai estudar, rapaz!

E comecei a andar novamente. Ele voltou a resmungar alguma coisa em tom baixo, para que eu não compreendesse, e terminou gritando: – Palhaço!

Parei, respirei fundo, voltei dois passos.

– Você tá me chamando de palhaço?

Nisso ele tinha acabado de trancar a jaula que chamam de bicicletário e caminhava rápido na minha direção.

– É, chamei sim! – e parou com o rosto a centímetros do meu, numa clara tentativa de me intimidar, uma ameaça clara de agressão.

Não me intimidei. Olhei nos olhos dele, diminuindo ainda mais a distância e mostrando que eu não o temia. Sem desviar o olhar, disparei: “se fosse lá na rua a gente resolveria de outro jeito”, deixando claro que ele não conseguiria me deixar com medo.

Percebendo que a intimidação física não adiantaria, ele parou de me encarar e começou a andar, dando as costas e dizendo:

– Isso aí você tem que reclamar lá na empresa.

– Então por que você tá me chamando de palhaço? Tô com a cara pintada? Tô com um nariz vermelho?

– Não, mas parece.

Resolvi parar de discutir, pois o sangue já tinha fervido e ele claramente não queria argumentar. Andei mais um pouco e perguntei em voz alta para o rapaz que trabalhava no caixa:

– Quem é o superior desse ignorante? – O rapaz, constrangido, apontou para o outro que discutia comigo.

– É, sou eu mesmo – gritou ele atrás de mim. Ele é o superior dele mesmo? É o dono da empresa? Não entendi.

Ignorei-o e voltei ao rapaz do caixa:

– Então me dá o telefone da empresa, por favor.

Ele apontou para um cartaz na parede. Olhei e não consegui ver número de telefone, tão irritado eu estava.

Nisso, o encarregado do estacionamento voltou a levantar a voz atrás de mim, bastante agressivo:

– O telefone é 3046-3566, pode ligar lá! Tá aqui meu nome, é Wellington! – gritava, exibindo um crachá que eu não conseguia ler. E desafiava: – Vai, liga lá!

Não falei mais nada. Apenas tirei uma foto da minha bicicleta enquanto saía, para comprovação caso ele tentasse retaliar de alguma forma. Da maneira como fui tratado, tinha a certeza que ela estaria danificada quando eu voltasse. Felizmente, nada havia acontecido e, na hora de retirar, quem me atendeu foi outro rapaz, por sinal muito educado.

Se eu tivesse chegado em um carro caro e reclamado de um chiclete no chão, DUVIDO que teria sido tratado dessa forma. É um claro caso de preconceito com o ciclista, como já comentamos aqui no Vá de Bike.

>> Site colaborativo permite avaliar como estabelecimentos recebem ciclistas <<

Respostas das empresas

O Vá de Bike entrou em contato tanto com a administração do condomínio quanto com a Estapar, empresa responsável pelo estacionamento. Relatamos o ocorrido e questionamos se clientes que chegam de carro recebem o mesmo tratamento ao fazer uma reclamação.

Foto: Fernando Stankuns, via Flickr

Conjunto Nacional

A administração do Conjunto Nacional limitou-se a passar o contato do proprietário do estacionamento, lavando suas mãos sobre o assunto. Respondemos afirmando que o condomínio tem responsabilidade solidária pelo estacionamento e pelo atendimento dispensado aos clientes do complexo, mas não obtivemos mais nenhuma resposta.

Claramente, a administração do condomínio não se importa como seus clientes são recebidos no estacionamento, sem se preocupar que uma recepção dessas pode afastá-los dali para sempre. Parece que clientes que chegam em uma bicicleta não valem tanto assim. Nosso dinheiro deve valer menos.

Estapar

A Estapar se preocupou em nos dar um retorno e até pediu para seguramos um pouco a publicação dessa matéria, pois estavam apurando o ocorrido. Por fim, nos enviaram a seguinte resposta, que publicamos na íntegra:

A Estapar lamenta o aborrecimento alegado. Informa que faz parte da política da empresa o aperfeiçoamento continuo dos processos de treinamento.  A empresa esclarece que considera o bicicletário um serviço essencial por atender uma significativa demanda dos usuários. Por isso, tem funcionários exclusivos destinados a esse atendimento. O funcionamento é até as 23h em decorrência da demanda que acontece principalmente até esse horário.

A Estapar informa que a sua atuação prioriza e orienta constantemente seus funcionários a atender os clientes com qualidade. O Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) é 0800 10 55 60, segunda a sexta-feira das 7h30 às 18h30.

Apesar de afirmar que o bicicletário funciona até as 23h, a placa diz que fecha às 22. E não é verdade que há funcionário exclusivo para esse atendimento: nas duas vezes tive que sair procurando alguém que me atendesse, porque os funcionários estavam envolvidos em outras atividades. E, se houvesse mesmo um funcionário exclusivo para isso, não haveria necessidade de grades e cadeado, certo?

A empresa poderia inovar em receber ciclistas com qualidade e bom atendimento em TODAS suas unidades. Mas perde a oportunidade simples, barata e com bom potencial de ganho de imagem de se destacar frente à concorrência.

Histórico

Em janeiro de 2008, a Estapar publicava notícia informando que passava a oferecer bicicletários em seis estacionamentos da rede, na região da Avenida Paulista, em conjunto com a seguradora Porto Seguro. Em 2011, chegou a receber uma avaliação positiva em matéria veiculada aqui no Vá de Bike (leia aqui).

Entretanto, algum tempo depois a Porto Seguro se retirou da parceria e a qualidade do atendimento começou a cair rapidamente. Em 2012, ocorreu um um furto de bicicleta, provavelmente por consequência da ausência de um funcionário dedicado a cuidar do local.

Nesse momento, decidiram arbitrariamente retirar o bicicletário, contrariando a Lei Municipal 14.266, que obriga o condomínio a tê-lo. Com o questionamento de ciclistas e de sites como o Vá de Bike e o Na Bike, o bicicletário foi recolocado no mesmo dia (leia aqui e aqui).

Aparentemente, o bicicletário é um estorvo para a Estapar e irrelevante para o Conjunto Nacional, sendo visto como uma mera obrigatoriedade perante a lei, cumprida como dá. E os ciclistas que estacionam ali não são clientes, não são bem vindos. São um incômodo.

Uma pena, pois muitos lojistas no local atendem bem quem chega de bicicleta, chegando até a oferecer descontos. Nem todos sofrem dessa miopia.

45 comentários em “No coração de São Paulo, ciclista ainda é mal recebido

  1. Sheylli, em relação ao (mau) atendimento no Distrito Policial, não deixe de registrar o que se passou, em detalhes, à Ouvidoria da Polícia Civil, através de e-mail. Afirmo-te, por experiência própria, que alguma atitude será tomada. Abraço.
    Mauro

    Thumb up 1 Thumb down 0

  2. CICLISTAS!!! Roubaram minha bike antes de ontem dia 04/04/2014 no estacionamento da Estapar/Porto Seguro dentro do espaço especial pra bikes no Shopping Center 3 em Sampa. Quando cheguei e ñ vi a bike, eles mandaram eu me virar – não anotaram nem o meu nome, uma ocorrência, nada. Não ligaram ou informaram ninguém e quando perguntei o que deveria fazer o responsável teve a pachorra de dizer que “ali na frente ficam uns seguranças” se referindo a saída do shopping – sem olhar na minha cara e atendendo as pessoas como se nada estivesse acontecendo. Liguei pro 0800 da ‪#‎estapar‬ e ninguém atendeu.
    Claro que eu perguntei ao atendente (do outro turno) se era seguro, se podia deixar, estava na corrente mas NÃO SE ENGANEM os caras fingem serem amigos do ciclista e fazem um espaço todo arrumadinho mas na hora que precisei me trataram da pior maneira! Procurei a administração do shopping que foi mais razoável e fiz uma ocorrência por escrito. Fiz BO online e a polícia não aceitou, me ligaram dizendo pra ir a um delegacia, sugeriram a Roosevelt e adivinha – sem sistema. Daí o sistema voltou, ditei meia hora de dados e relato da ocorrência pro Soldado Silva e adivinha – a internet falhou e não registrou meu boletim – “Nossa internet é péssima, isso acontece toda hora”. Seguimos para outra. “Porque vc não fez online?” porque me disseram pra vir aqui. “Nada a ver! Isso é preguiça” disse a atendente daqui. Vai levar um tempão, vc pode fazer amanha. (Estou há 4h nessa e ela sugere voltar pra casa…)
    Opa! Vão me atender – a moça agora se recusa a colocar no BO os itens roubados junto com a bike como pedal, relógio, retrovisor… E são quase 2h da madruga.
    PS: Também liguei pra minha seguradora “Estar Seguro” da Marítima, indicada pela specialized do metrô Vila Madalena, e adivinha o que eu ouvi: nós só asseguramos a bike quando está em sua posse, e esse não é o caso… e durma com essa!
    #estapar ‪#‎shoppingcenter3‬ ‪#‎portoseguro‬‬ ‪#‎bike‬ ‪#‎bikesampa‬ ‪#‎ciclismo‬

    Thumb up 0 Thumb down 0

  3. Acabo de utilizar o serviço de bicicletário do Conjunto Nacional, e fui muito bem recebido. Informei meu nome, RG e modelo da bike, o funcionário da ESTAPAR abriu a porta do bicicletário que fica sempre fechado, e eu prendi minha bike tranquilamente.
    Na volta, bastou informar novamente nome e RG para que fosse autorizada a retirada da bike.

    Não recebi nenhum tipo de tratamento ruim, pelo contrário.
    Recomendo o bicicletário à todos.

    Thumb up 1 Thumb down 0

    1. Que bom, Lucas. Fico feliz em saber que melhoraram o atendimento. 🙂

      Mas os funcionários ainda se recusam a permitir a retirada de bicicletas de dentro do bicicletário após as 22h?

      Comentário bem votado! Thumb up 4 Thumb down 0

  4. É um descaso total Willian como muitos aquí comentaram em relação ao ciclista.Some-se a isso o despreparo de muitos funcionários destes condomínios que só entraram na modinha dos bicicletários por conta da lei ou da tendência mundial.

    Thumb up 1 Thumb down 0

  5. POXA CARA É UM ABSURDO MESMO, PEDALO CONSTANTEMENTE E ACREDITO QUE UM DIA AS BIKE DOMINARAM O MUNDO! SOMOS VITIMAS CONSTANTEMENTE DAS PESSOAS, DO TRANSITO. A IMPRESSÃO É QUE CICLISTA NÃO TEM VALOR E SÓ ATRAPALHA… AS PESSOAS FICAM INDIFERENTES A NÓS! FICA NA PAZ….

    Thumb up 1 Thumb down 0

  6. Não devemos baixar a bola. Infelizmente a cultura brasileira está relacionada à “aparência”. Uma pessoa é considerada importante ao chegar num carro mais caro usando roupas da moda, do que de bicicleta.
    Isso interfere totalmente no modo de tratamento em relação aos ciclistas , que são tratados como “pobres coitados” que não possuem dinheiro para andar de carro, visto que pedalar é de graça.

    Mas até a educação brasileira evoluir para o nível de países desenvolvidos, vai demorar algumas décadas. Até esse dia chegar, ainda vamos ouvir muitas ofensas por aí.

    Thumb up 0 Thumb down 0

  7. Sou consumidor na livraria cultura e sempre admirei o atendimento deles. Mas como forma de protesto enviei-lhes um email dizendo que deixaria de comprar até a livraria se posicionar a favor dos ciclistas, pois acredito que tenham uma voz mais ativa que nós junto à administração do conjunto nacional.
    Abaixo segue a resposta da livraria, na íntegra:
    “Boa tarde, Rodrigo

    Tentei contato com você hoje pelo celular, mas não consegui.
    agradecemos muito a sua contribuição em sinalizar as dificuldades encontradas para utilizar o bicicletário. Ocorre que esse espaço bem como a administração dele não é de responsabilidade da Livraria Cultura e sim do conjunto Nacional. Mas de toda forma a sua reclamação é pertinente e será devidamente registrada junto a nossa gerência para que seja pensada uma alternativa apropriada para resolver a questão.

    Nos colocamos a disposição para quaisquer esclarecimento.
    Atenciosamente.”

    Comentário bem votado! Thumb up 7 Thumb down 0

  8. Já tive problemas tambem em estacionar minha bicicleta no Conjunto Nacional, qdo o estacionamento de bikes tinha convenio com a Porto Seguro. Não podemos parar as bikes na calçada em frente ao conjunto nacional. Pq não colocam bicicletarios na frente, no térreo mesmo? tão simples! Como nestava com a bike dobrável e ia comprar livros na Livraria Cultura, eles deixaram eu entrar com ela dobrada e guardar lá dentro na livraria, embaixo da escada.
    Que difícil, hein?

    Comentário bem votado! Thumb up 5 Thumb down 0

    1. Não é proibido prender no poste. Se alguém te ameaça de alguma coisa quando você o faz, pode chamar a polícia.

      Comentário bem votado! Thumb up 5 Thumb down 0

    2. Maria Ines, a calçada não é do Conjunto Nacional, é pública. Não se intimide. Se um segurança vier reclamar, diga que vai parar ali, que você tem direito, a calçada é pública e que se acontecer alguma coisa você já saberá quem foi. Se possível, filme o segurança dizendo que não pode parar ali.

      Comentário bem votado! Thumb up 5 Thumb down 0

  9. primeiro, gostaria de parabenizar o site vá de bike por publicar esta matéria.
    fiquei revoltado enquanto lia o texto. é chato, mas é bom andar com uma folha com a lei impressa.

    Thumb up 3 Thumb down 0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *