Foto: Willian Cruz

Conquistando mais ciclistas – uma visão publicitária sobre o assunto

Para levarmos mais gente a experimentar o uso da bicicleta, precisamos substituir o tom de acusação por um discurso sedutor. Veja nesse artigo de Kiko Morente.

Em vez de apontar o dedo, estenda a mão.

Colaboração do leitor Kiko Morente, com considerações importantes sobre a forma como o uso da bicicleta deve ser divulgado: de forma conciliadora, sedutora, conquistando em vez de confrontar. Uma visão publicitária sobre o assunto, muito bem vinda e em linha com o que acreditamos aqui no Vá de Bike.

Como fazer um motorista pular a cerca?

Não me considero um ativista no sentido mais restrito da palavra, mas sei que minha escolha pela bike tem um impacto grande nas pessoas a minha volta e até nas que ficam pra trás quando o transito está parado (tipo sempre em São Paulo). Apesar disso, gosto de pensar em como melhorar minha cidade, que apesar de tudo amo, e talvez pela minha formação, a publicidade, penso muito em como convencer as pessoas a usarem e respeitarem mais a bike ou até mesmo no que (e como) falar com um motorista quando levo uma fechada, ou com um ciclista que esta fazendo m… coisas erradas.

Por isso, gostaria de deixar uma reflexão sobre a forma e os termos que temos usado para nos fazer ouvir. Acredito que hoje tenhamos atingido uma “massa critica” de bikers em São Paulo, em que, pelo simples número de bicicletas pelas ruas, já não é mais possível nos ignorar. Isso foi fruto do trabalho de muitos que, bem antes de mim, gritaram, tiraram a roupa e desafiaram um trânsito muito mais perigoso do que eu desafio hoje. Mas acho que agora que, graças a eles conseguimos conquistar esse pequeno, mas valioso espaço, temos a responsabilidade de dar o próximo passo. E junto com esse passo vem uma nova meta, e novos discursos.

E pra mim, esse discurso deve se focar menos no carro, e mais na bike. Carro não é o inverso de bicicleta e também não é coisa de gente sem consciência. Muitos dos que usam carro o fazem por não ver na bicicleta um meio de transporte viável, e é isso que temos que mudar. Falar isso pode parecer “chover no molhado”, mas é exatamente isso que o bordão “mais amor, menos motor” quer dizer. Será que quem usa carro ama menos a cidade? E mesmo que o alvo dessa frase seja a poder publico, será que ela não passa essa impressão pro cidadão comum?

Quando criticamos o carro estamos na verdade criticando a pessoa que está dentro dele, pois o carro é uma escolha dela. É diferente de criticar o trânsito, que não é uma escolha (ninguém deseja pegar trânsito) e que, além disso, é uma frustração compartilhada por bikers e motoristas. Por isso o famoso “você não está no transito, você é o transito” causa menos impacto negativo e mais simpatia (sym = junto, mesmo; pathos = sentimento, sofrimento).

Gene Sharp, um teórico da luta pela Democracia, diz que em passeatas devemos colocar os idosos, mulheres e crianças na frente, pois assim mostramos que não oferecemos perigo ao policial que está ali na “contenção” e ainda o lembramos de que ele tem mãe, mulher e filhos, e que, no fundo, também estamos lutando por ele. Que estamos do mesmo lado. E é isso que temos que mostrar. E palavras como “carrocracia” (tipo, aristocratas snobes do carro), motorizados, etc… nos separam dos motoristas. Nos colocam em outra tribo.

Campanhas públicas focadas no problema (AIDS mata) tendem a ser menos efetivas do que as que apresentam a solução (Use Camisinha) e acho que isso é valido pra gente também. Por isso, deixe de lado o “largue o carro” e fique só com o “Vá de Bike”.

Temos que conquistar a mente e coração do motorista. Temos que cortejá-lo. Seduzi-lo. Fazer com que ele traia o carro. Fazer com que ele pule a cerca e pra isso não precisamos xingar a “esposa/marido” dele. Falar mal da rotina? Talvez, mas acho que a bike tem benefícios demais pra que a gente faça uma campanha focada nos problemas do concorrente.

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Kiko Morente é formado em Publicidade, mora em São Paulo e, apesar de ter carro, tem cada vez mais dado preferência para outros modais, principalmente a bicicleta. Obrigado, Kiko!

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50 comentários em “Conquistando mais ciclistas – uma visão publicitária sobre o assunto

  1. Sem contar a sedução direta que é desaparecermos lá na frente, enquanto os carros ficam presos no trânsito. Isso por si só com certeza faz o motorista pensar a respeito.

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    1. Só reforçar a história, tem uma cena no filme “Larry Crowne”, onde Tom Hanks, está abastecendo o seu SUV depois de ter sido despedido, e olha uma pessoa de scooter, pára enche o tanque rapidamente, com alguns dólares, e sai, enquanto que ele continua a encher o tanque com o valor a pagar beirando a 3 dígito … Dinheiro e saúde são ótimos motivadores de mudança … :-).

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  2. Parabéns pelo post.

    Esse é o caminho, mas o carro não é o vilão da história, por de traz dessa imensa montanha cancerigena do nosso pais (GOVERNO), estamos percebendo que esta aumentando e muito pessoa que utiliza bicicleta para trabalho, laser, esporte, etc.. A longo prazo o poder estará nas nossas mãos, a partir dai receberemos mais atenção.

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  3. Caros amigos…

    Acredito ser importante, toda e qualquer abordagem, de forma inovadora e democrática. Mas vamos pensar um pouquinho… com a economia tendo reaquecido e , tambem, o credito facilitado e o surgimento para o consumo de outras classes sociais (C, D …) e isto proporcionando o acesso ao sonhado automóvel, o que fazer para sensibilizar estes, novos motoristas a deixarem seus carros, recém adquiridos, para enfrentarem uma pedalada, que seja de 5 Km.
    Eu acredito que é uma tarefa imensa e eles, tem, também suas razões. Afinal esperaram 10,20 anos, para poder ter o status de proprietário de um automóvel. O que fazer para que eles deixem seus objetos de poder, em casa.Estes e os outros, que, inconscientemente se sentem mais “Gente”, que os outros, (pedestres e cicilistas).
    Portanto, acredito, que se faça necessária outras formas de abordagem do tema, mas no momento não vejo o final do tunel não.

    Abraço

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    1. Um bom começo é convencer estes novos proprietários de que a bicicleta faz parte do trânsito, por lei inclusive, e divulgar o respeito ao ciclista e ao pedestre, a convivência pacífica, cujos resultados são positivo para todos os envolvidos. Afinal, somos todos pedestres.
      Ninguém é obrigado a pedalar, mas o respeito às pessoas, estejam de bicicleta, a pé, de ônibus ou metrô, é obrigatório.
      E, pra finalizar, propagandas como a do sujeito que vai sumindo porque só existe em função do carro que possui é tão ridícula que deveria ser alvo de regulamentação do CONAR (Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária).

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  4. olá, moro ao lado da ciclovia da radial leste e trabalho na vila olimpia, gasto todos os dias +- 3:40h no transito e isso ja se estende ha mais de 4 anos (qto tempo perdido) gostaria de saber se há projeto para estender a ciclovia ate o centro e tbm na av. 23 de maio. abraço.. adoro esse site acompanho todos os dias !

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  5. Uma maneiraarrogante e engraçada que pensei uma vez seria o seguinte diálogo:

    Não_ciclista: e nos dias de chuva, como você faz?
    Ciclista: se a chuva for leve, uma capa de chuva de 3 reais resolve
    Nao_ciclista: mas nunca aconteceu de estar chovendo um bocado e voce ter que ir a uma reuniao em cliente logo de manha?
    Ciclista: bom, ja aconteceu. Neste dia fui de carro.
    Nao_ciclista: ahaaa! De carro?
    Ciclista: Sim. Eu tambem uso carro. A diferença é que ele é sempre seu plano A, enquanto que para mim é plano B ou C (onibus/metro). Isto me dá um poder chamado opção, e faz com que eu não reclame tanto do transito. Voltar para casa de bicicleta é sempre uma alegria (exceto quando tentam te matar).

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  6. O texto é muito bom mas na verdade não dá pra deixar de lado o argumento negativo em relação ao carro. Quando vc diz – mais amor, menos motor – vc está fazendo uma crítica ao uso do carro. Quando vc diz para as pessoas que elas são o trânsito, novamente é o carro que está em pauta. As pessoas em geral sabem disso, sempre intervenho quando o assunto no escritório é o trânsito e ouço o quanto todos estão cansados dele. Um dia estava explicando pra eles de que temos que nos dar conta de que não é a velocidade e sim o espaço que um veículo ocupa que lhe dá vantagem no tráfego urbano. A vantagem da bicicleta é ocupar pouco espaço. Enfim, talvez seja a maneira de falar. Sem arrogância, sem presunção, mas dizendo a realidade.

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  7. Bom texto. Como motorista e ciclista, apenas acho que essa abordagem sobre o tema deveria ser estendida às ações e manifestações que, por vezes, param o trânsito e pioram os já corriqueiramente enormes congestionamentos.

    Sempre achei que esse tipo de ação, muito mais próxima de uma visão fundamentalista radical do que de uma contribuição útil para difundir o lobby do bem que é o uso de um meio de transporte reconhecidamente sustentável e saudável, ao contrário de seduzir, aumenta a aversão que os motoristas sentem pelos ciclistas e por tudo aquilo que atrapalha o já caótico trânsito.

    Para ficar no campo da publicidade (mote do presente texto, fazendo uma comparação esdrúxula, é como se um anunciante tentasse enfiar goela abaixo seu produto comprando todos os horários da maior rede de televisão do país, impedindo que outros anúncios, programas e filmes passassem na grade de programação. É claro que isso não poderia dar certo.

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  8. Muito bom! Penso assim também e vou por este caminho para seduzir os motoristas. Tenho tido sucesso, até mesmo porque eu também tenho carro, mas opto pela bike sempre. Os amigos e conhecidos sabem disso e enxergam como um bom exemplo (apesar de me acharem louco), o que os motivam a fazer o mesmo.

    Sempre digo para eles que ter carro não é o problema, mas sim viver para o carro, ser escravo dele… e paro por aí, pois ao invés de criticá-lo faço o mesmo que o Kiko, ressalto as qualidades da bike, que são inúmeras!

    “Todo radicalismo é burro!”

    Abraços ciclísticos

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  9. Willian, gostaria de saber um email pra contato.
    Acho interessante o site denunciar os abusos dos motoqueiros nas ciclovias!
    Hj tirei foto de pelo menos 3 (em menos de 2 minutos) andando na ciclofaixa/ciclovia de moema, que é EXCLUSIVA para ciclista.
    Aliás, nem sei para quem denunciar, afinal, só tenho fotos!

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  10. Gostei bastante da abordagem, só discordo da parte em que deveríamos colocar crianças, mulheres e idosos na linha de frente. A polícia não vai respeitar isso não, essa é a triste realidade.
    Uma vez um conhecido meu que é professor estava numa manifestação por melhores salários em frente ao Palácio Guanabara. Os que estavam na “linha de frente” entrelaçaram os braços como forma de resistir as forças policiais, que chegaram segurando o cassetete pelas extremidades na horizontal e empurrando os manifestantes na altura do peito. Eis que se dá o seguinte diálogo:

    Manifestante:
    -Cara, nós somos professores do Estado! Temos o mesmo patrão Governador FDP! Estamos reivindicando melhores salários que são ruins iguais os de vocês! (cassetete no peito) Nós estamos do mesmo lado!!!
    Policial:
    -Eu sei (empurrando os manifestantes), É UMA MERDA! (continuando a empurrar violentamente os manifestantes)

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    1. Creio que a situação é bem diferente da descrita por Gene Sharp. Se a manifestação é pacífica, com certeza demonstrar com idosos, crianças é sinal de que eles vem antes, e cria legitimidade ao movimento. Se a polícia vem com agressão, é por que foram mandados, e o problema não é a polícia, é o mandante. Então o certo é recuar, reavaliar o movimento, e usar outros meios de
      Esta atitude é comum entre os sindicalistas de impor … e esperar por agressão. O que aos olhos do público, aparentemente legitima o movimento e ganha simpatia. Anos de sindicalismo, e da atitude de guerrilheiro, criaram a má idéia de movimento.
      Será que nós temos maturidade de fazer movimento pacífico ?

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  11. A propósito, já quero registrar meu muito obrigado ao blog. Tomei conhecimento daqui por um amigo que usa bike e lendo todos os posts me fizeram criar um estímulo ainda maior a utilizar a bike como um meio de transporte. Hoje já não me vejo sem a bike.

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  12. Quando alguém critica o trânsito de São Paulo e eu sei que essa pessoa usa carro, eu costumo dizer: “Já parou pra pensar que você, ao sair do carro, você contribui com o trânsito de SP? Então pare e pense: Ao criticar o trânsito, você está criticando a si mesmo.”

    Infelizmente, essa abordagem não funciona sempre. Mas já é um começo… =D

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  13. Excelente abordagem.

    O radicalismo dificilmente alcança seus objetivos.
    Mais amor vale também para nós ciclistas, na hora de conviver com os carros.

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