Terceira Ponte, o “muro de Berlim” dos ciclistas capixabas

Proibida para ciclistas e pedestres, a ponte que liga Vitória a Vila Velha, no Espírito Santo, tem sido um entrave para a mobilidade na região.

Policiais ameaçam ciclistas que tentaram cruzar a ponte coletivamente, em agosto de 2013. Imagem: Rafael Darrouy/Reprodução
Policiais ameaçam ciclistas que tentaram cruzar a ponte coletivamente, em agosto de 2013. Imagem:Rafael Darrouy/Reprodução

Uma ponte, estrutura que poderia representar a ligação mais rápida entre dois pontos, está representando um longo caminho para os ciclistas e pedestres que querem ir e vir entre Vitória e Vila Velha, duas das principais cidades do Espírito Santo. Contando com um intenso tráfego diário de trabalhadores e estudantes, a chamada Terceira Ponte, principal via que liga os dois municípios, representa uma distância de 3,9km para quem está de carro e paga o pedágio de R$ 0,80, mas é proibida a ciclistas e pedestres. A única alternativa para realizar de bicicleta ou a pé a travessia entre os dois municípios se dá por outra ponte, no centro de Vitória. Para ir ao mesmo ponto de chegada dos motoristas, o desvio a ser feito é de longos 18km.

O que o governo do Estado, responsável legal da ponte, alega para a proibição? Segundo o cicloativista Rafael Darrouy, autor do blog O Ciclista Capixaba, a administração estadual diz que a Terceira Ponte é uma “via de trânsito rápido”. De acordo com o Código Brasileiro de Trânsito, uma via de trânsito rápido é “caracterizada por acessos especiais com trânsito livre, sem interseções em nível, sem acessibilidade direta aos lotes lindeiros e sem travessia de pedestres em nível”, sendo vedado o acesso a pedestres e ciclistas. “Nesse caso, qualquer ponte seria considerada uma via rápida. Por que é somente na Terceira Ponte que não podemos trafegar?”, questiona.

Sem acostamento e sem esperanças quanto à construção de uma ciclovia ou ciclofaixa – nesse caso o governo do Estado justifica que “o acesso à ponte é muito íngreme” -, ciclistas de Vila Velha e Vitória realizaram, no mês de agosto, um protesto contra a situação, tentando atravessar a Terceira Ponte até Vila Velha. Foram recebidos no caminho por Policiais Militares, munidos de fuzis e ameaçando de prisão tão logo completassem o caminho (veja o vídeo abaixo). Naquela noite, o protesto terminou na frente da casa do governador Renato Casagrande.

Os ônibus do Bike GV, que transportam os ciclistas através da ponte. Foto: Thiago Guimarães/Divulgação
Os ônibus do Bike GV, que transportam os ciclistas através da ponte. Foto: Thiago Guimarães/Divulgação

Solução para o problema (só que não)

A repercussão gerada e pressão popular fizeram o governo adotar uma medida a fim de garantir a travessia das bicicletas pela Terceira Ponte, que no entanto está tendo um efeito que limita, e muito, o direito de ir e vir dos usuários de bicicleta. Foi disponibilizada uma linha de ônibus, chamada Bike GV, que custa R$ 1,25, exclusivamente para levar os ciclistas e suas magrelas até o outro lado da ponte.

“É como se pagássemos um preço para ter autorização para passar”, afirma Darrouy. O agravante a essa situação é que, em horário de pico, as bicicletas ficam literalmente presas dentro do ônibus, em meio ao engarrafamento. Para atravessar de carro, os motoristas, ocupando muito mais espaço, pagam somente R$ 0,80 pelo pedágio.

Em vez de estimular a adoção de um meio de transporte mais eficiente, de modo a combater a poluição e a imobilidade geradas pelo excesso de uso do automóvel, o poder público acaba provocando o efeito contrário, indo na contramão, inclusive, da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que determina a priorização dos transportes não motorizados.

Veja a opinião do editor do Vá de Bike, Willian Cruz, em sua coluna no site Bike é Legal.

Falta de entendimento

De acordo com Darrouy, o governo do Estado não é o único a quem falta entendimento quanto à adoção e facilitação ao uso de outros modais de transporte. A própria prefeitura de Vitória tem engrossado os riscos aos usuários da bicicleta, por meio de políticas equivocadas e a construção de infraestrutura cicloviária em desacordo com normas técnicas, com a existência de ciclofaixas bidirecionais que chegam, em alguns pontos, a ter inacreditáveis 30cm de largura.

Uma das campanhas educativas veiculadas na mídia recomenda que os ciclistas andem junto ao meio-fio (saiba por que isso é perigoso), e que os motoristas reduzam a velocidade na ultrapassagem “se precisar” (não reduzir a velocidade na ultrapassagem é infração grave, de acordo com o artigo 220 do Código Brasileiro de Trânsito), estimulando indiretamente ultrapassagens perigosas por parte de motoristas infratores que se sentem legitimados pelo discurso oficial.

Quantos outros protestos e apitaços serão necessários para que os ciclistas e pedestres capixabas deixem de ser tratados como cidadãos de segunda classe?

8 comentários em “Terceira Ponte, o “muro de Berlim” dos ciclistas capixabas

  1. Cadu, não é então que seja inviável pedalar na Terceira Ponte. Inviável, portanto, é manter as altas velocidades liberadas lá. Deve-se pensar na integração dos ciclistas e pedestres e facilitar seus deslocamentos com prioridade sobre os veículos motorizados, como coloca o CTB e a PNMU. Pensemos na prioridade antes de projetar (que não existia claramente na época da construção, mas não há razão para rever os conceitos e adaptá-los para que melhor sejam inseridos os modais preferenciais no contexto urbano saudável e equilibrado).

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  2. Sou morador de Vitoria e ciclista. Pedalo quase todos os dias, por esporte ou para ir ao trabalho. Acreditem: não é viável liberar o fluxo de ciclistas na 3a ponte. Ela é uma via de trânsito rápido sim, estreita e perigosa para nós mesmos. Seria necessária uma estrutura independente para bicicletas e pedestres para a liberação, assim como existe na Golden Gate ou Brooklin Bridge. O problema é que custaria uma fortuna, e nem sei se é possível construir uma.
    Vamos focar no que é possível, com razoabilidade e sem incitar a prática de “desobediência”, como o colega acima. Isso só nos faz cada vez mais odiados pelos demais.

    Polêmico. O que acha? Thumb up 4 Thumb down 4

  3. Muito bom o texto! Parabéns pela iniciativa!

    Sobre essa coisa toda. As políticas anti bike se justificam por um motivo:

    Não precisa fazer financiamento para comprar uma bike!

    Vender carros é mais lucro para toda uma cadeia produtiva, e gera mais impostos (mesmo com os incentivos de redução de IPI etc…), já vender bikes não é atrativo.

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  4. [Comentário oculto devido a baixa votação. Clique para ler.]

    Esse comentário não tem feito muito sucesso. Thumb up 2 Thumb down 24

  5. Ciclistas e pedestres continuam sem puder atravessar a ponte! No momento que desmontam da bicicleta são pedestres e no momento que entram no BikeGV são usuários de ônibus. Não há ainda nenhuma solução. Há espaço suficiente para todos atravessarem com a redução da velocidade dos automóveis e a colocação de um espaço segregado para os modais não motorizados. É só querer! Imagina se esse povo era preso por atravessar a ponte? Seriam os primeiros presos por não respeitarem o Código de Trânsito e estarem sóbrios! (a propósito, já foi preso alguém ébrio com essa nova lei seca?). Ciclistas das duas cidades, continuem a luta! =)

    Comentário bem votado! Thumb up 10 Thumb down 2

  6. Só no Brasil mesmo pra um ciclista não poder atravessar uma ponte pedalando, ter que pagar mais caro que um motorista pra atravessar a mesma ponte e ainda de quebra ficar preso no trânsito junto com os motoristas!

    Vergonha dessa Prefeitura de Vitória, que além de fazer campanhas erradas de educação no trânsito, está a anos luz ultrapassada de qualquer cidade do mundo que investe na mobilidade por bicicleta.

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