André Trigueiro, na CBN: ‘São Paulo não pode abrir mão da bicicleta’

O jornalista comenta a reação de comerciantes às ciclovias, comparando com o que ocorreu em NY e falando de incentivos ao automóvel e IPI para bicicletas.

Em seu programa na Rádio CBN, André Trigueiro comentou sobre a reação que está ocorrendo à implantação das ciclovias em São Paulo, com uma análise sobre o momento que estamos vivendo. O jornalista compara as reclamações de comerciantes paulistanos com o que já aconteceu em Nova York e toca em pontos como o incentivo ao uso do automóvel em detrimento de outros modais e o IPI para bicicletas.

Ouça o conteúdo completo na área ao lado ou nesta página. Abaixo, alguns trechos que separamos por merecem muito destaque, com grifos nossos nas frases mais relevantes.

[Na Times Square de Nova York, fechada para os automóveis e aberta para as pessoas,] os primeiros a chiar foram os comerciantes. “Poxa, mas sem movimento aqui eu vou perder faturamento, vai reduzir meu lucro.” Sabe o que aconteceu? Aumentou exponencialmente o lucro dos comerciantes situados na Times Square quando se bloqueou o acesso de motoristas. Porque você vai ter a circulação que faz dinheiro, que é a circulação das pessoas a pé ou de bicicleta. De carro você não consegue descer pra comprar o que você quer com tranquilidade, nos termos da lei.

(…)

Nós estamos vivendo um império, e eu vou aqui parafrasear um pensador que eternizou essa expressão de forma muito interessante, o Ricardo Abramovay, da USP: o império do carrocentrismo. As cidades estão sendo planejadas não para as pessoas, mas pros carros. Isso é ruim pra quem? Pra todo mundo.

Em primeiro lugar, pra maioria que não tem carro – e paga o preço, paga o imposto, pra financiar o conforto dos motoristas. Mais de uma pesquisa, que teve por escopo mapear os recursos públicos auferidos a partir da cobrança de impostos e direcionados para o setor de transportes, detectaram que infelizmente no Brasil a maior parte do dinheiro destinado ao setor de transportes privilegia o transporte individual [motorizado] e não o transporte público. Então é uma injustiça fiscal, não se beneficia a maioria, mas uma minoria.

Segundo: quando você começa a abrir caminho pro carro em detrimento de outros modais de transporte ou da bicicleta, você começa a ter o que a gente já viu se replicar como metástase em todas as capitais do brasileiras – eu disse todas, inclusive as cidades planejadas como Brasília ou Curitiba – é um megaengarrafamento, que cresce em progressão geométrica! E quanto mais devagar segue o veículo automotor mais poluentes ele emite.

Em São Paulo o pneumologista da USP, Paulo Saldiva, já mapeou exaustivamente os impactos sobre a saúde de uma cidade que tem a maior concentração de automóvel por habitante do Brasil e que tem uma relação direta entre óbitos ou complicações, morbidades, causadas ou agravadas pela péssima qualidade do ar. A tendência é isso se agravar, se você não abrir espaço, por exemplo, para a bicicleta. Então São Paulo tem que investir em Metrô e está investindo, tem que investir em trem e espero que esteja investindo. São Paulo não pode abrir mão da bicicleta!

Por mais absurdo que o paulistano hoje em dia diga: “Imagina se uma cidade desse tamanho, do jeito que tá, um dia vai oferecer conforto, segurança pro ciclista? Duvido!” Bom, é a parte do copo vazia. Todo mundo tem o direito se quiser de ser pessimista, de ser cético. Agora, Bogotá, eu não to falando de Europa, tô falando de Bogotá, aqui pertinho, tô falando de Cidade do México, do lado de cá, nossos irmãos latinos, mexicanos, e a cidade do México é uma cidade que lembra muito São Paulo, em certos aspectos, tomaram a decisão, assumiram e custearam políticas públicas para abrir espaço para a bicicleta e não se arrependeram. Não se arrependeram.

(…)

Quando a gente começa a promover a educação, a ética, nas leis do trânsito, e assegura ao ciclista o direito dele andar de bicicleta mesmo numa cidade como São Paulo, esse é o caminho para uma cidade mais justa, mais sustentável, mais humana, mais saudável, porque sedentarismo é um problema também do Brasil urbano. As pessoas não fazem exercício. E quem anda de bicicleta – eu tenho vários amigos, já fiz programa em São Paulo com gente que trocou o carro pela bicicleta e não se arrependeu – essas pessoas têm saúde, têm vitalidade e amam São Paulo porque aprenderam a reconhecer belezas, lugares interessantes, lugares curiosos de São Paulo, que não era possível na eletrostática dessa carroceria blindada de um carro. A bicicleta coloca a gente em contato com o mundo e com a gente mesmo.

(…)

E ainda reduzem o IPI [dos carros]. Tem que reduzir o IPI de bicicleta! O Brasil pensa errado cobrança de imposto e depois não entende porque tem tanto stress, tanta violência, tanto atropelamento, tanta morte, tanta doença a partir do caos no trânsito. Não há mais espaço para o automóvel, senhoras e senhores! Ou a gente repensa o planejamento urbano pensando no coletivo, ou que cada um se sinta confortável no seu carro blindado, com ar condicionado, som e TV, com direito a frigobar, se quiser, achando que o mundo tem jeito dessa forma. Eu não penso assim.

André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, onde leciona a disciplina “Geopolítica Ambiental”, criador e professor e do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ e autor de livros sobre sustentabilidade e ecologia. Foi âncora e repórter do Jornal das Dez da Globo News por 16 anos e, desde abril de 2012, vem atuando como repórter do Jornal Nacional e colunista do Jornal da Globo, com o quadro “Sustentável”, criado especialmente para ele na Rede Globo. É editor-chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News, comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro (fonte).

André Trigueiro fala à Rádio CBN aos sábados e domingos, às 13h50. Os áudios ficam disponíveis nesta página.

Veja 18 razões para apoiar a implantação de ciclovias

11 comentários em “André Trigueiro, na CBN: ‘São Paulo não pode abrir mão da bicicleta’

  1. Parafraseando:
    “Ou a gente repensa o planejamento urbano pensando no coletivo, ou que cada um se sinta confortável no seu carro blindado, com ar condicionado, som e TV, com direito a frigobar, se quiser, achando que o mundo tem jeito dessa forma” Eu PENSO assim (no meu carro), e defendo meus interesses. Sou contra as ciclofaixas, ter esta posição não é crime.

    Essa cidade foi projetada para TRABALHO. Se todo mundo “amasse” essa cidade, não haveria essa loucura que há todo feriado e fim de ano em rodovias, portos e rodoviárias para se livrar deste inferno chamado “São Paulo”. Lugares curiosos? Eu só preciso conhecer onde fica minha casa, o escritório, o hospital, o banco, a farmácia e o supermercado. O carro coloca a gente em contato consigo mesmo e isso basta, dane-se o mundo e seus problemas. A cidade, as pessoas, a poluição… isso não é problema meu, e não sou político nem a Madre Teresa para me preocupar com o alheio.

    Os carros arrecadam mais impostos, isso ninguém fala. Se fosse o contrário, não haveria subsídio. É natural que a maior parte dos investimentos vão para eles. Quer comparar uma bicicleta de R$ 500 para um carro de 25 mil reais? Para que, PARA QUÊ, vou sair do conforto do meu carro? Faço exercício o suficiente dentro de casa, saio de casa só para o necessário, tenho uma alimentação saudável, não fico suado, não me canso.

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  2. Flavio, eu venho insistindo nessa “tecla”. Tem que frear de algum modo o incentivo ao consumo e uso do carro. A população é “carrodependente”. A cidade foi feita para os motorizados. Mudar esta lógica leva anos, mas os primeiros passos estão sendo dados. A resistência é natural. Grandes cidades no exterior passaram por isso – polêmica, erros, etc.

    Mas para mim o principal é como redirecionar a economia em torno da indústria automobilística para outro eixo? Mas isso aconteceu com os fabricantes de cigarro (vide “Souza Cruz”) e a onda passou…

    Abçs.

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  3. Por quê as fábricas de bicicletas não entram nesta questão do uso de bicicletas como meio de transporte, se elas são uma das interessadas nisso ? A Caloi está sozinha ? Ainda existem a Monark e a Sounwdow ? Quantas fábricas de bicicletas existem hoje no Brasil ?

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  4. Enquanto o governo der subsídios para industria automobilística, esta briga não terminará.
    Esse ano de eleição, o governo alegando economia fraca, deu as montadoras 6 bilhões de reais e alguns centavos para mobilidade, no caso das bicicletas.
    As ações estão sendo tomadas e aos poucos todos vão tomando consciência da importância de ter bicicleta como meio de transporte alternativo.
    Será um longo caminho, mas chegaremos lá,….espero!!!

    Comentário bem votado! Thumb up 6 Thumb down 0

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