Sinalização de ciclorrotas na R. Honduras. Imagem: Google Street View / Reprodução

Sobre o “ciclista não presta” e a ciclovia da R. Honduras, em São Paulo

Informações e mapa da ciclovia que será implantada no local e nossa opinião sobre as afirmações de que “quem anda de bicicleta não presta”.

Imagem: Google Street View / Reprodução
Marcação de ciclorrota na R. Honduras, no Jardim Paulista. Imagem: Google Street View / Reprodução

“Quem anda de bicicleta não presta, hoje nós sabemos disso. São pessoas não qualificadas.”
“Se eu fizer um jantar e quiser receber meus amigos, onde eles vão parar?”

Frases como essas e a alegação de “medo de assaltos”, vindas de moradores da R. Honduras, no Jardim Paulista, bairro “nobre” de São Paulo, deixaram ciclistas inconformados nesse fim de semana. O post em nossa fanpage comentando o assunto já teve, até o fechamento desta matéria, mais de 260 compartilhamentos e quase 400 comentários.

Manifestação “Bicicletada e Churrascão dos Imprestáveis” foi marcada para o sábado 13 de dezembro – veja aqui

Preconceito

Por trás dessas afirmações, percebe-se um preconceito com ciclistas muito grande, algo que já foi tema de um ótimo artigo aqui no Vá de Bike. As frases se assemelham à de um comerciante no centro da cidade, que afirmou que ciclovias são “uma agressão a quem trabalha”, dando a entender que quem usa a bicicleta não passa de um desocupado. Alguns ciclistas se ofenderam a ponto de propor processar o aposentado que afirmou que “quem anda de bicicleta não presta”.

Esse posicionamento também mostra outras facetas dos nobres moradores do bairro nobre. Além de demonstrar um preconceito social muito grande (o pensamento de que quem não tem dinheiro é necessariamente bandido e que se passar na minha porta vai assaltar por aqui), há um entendimento extremamente equivocado e antidemocrático de direito à cidade, em dois aspectos: o de que a rua não é pública, mas de quem mora nela; e o de que quem paga “10 mil reais de IPTU” tem mais direito do que os demais.

Veja as demais declarações na matéria do Estadão, que em seu título classifica as ciclovias como “de Haddad”. Não da cidade, não dos cidadãos, não para proteger a parcela da população que utiliza a bicicleta, mas um provável “delírio autoritário”. Certamente o título foi escolhido pelo editor do jornal, que frequentemente se posiciona contrário a ciclovias e ao uso de bicicletas nas ruas no editorial do jornal, de forma aberta e com argumentos pouco consistentes. O mesmo jornal chegou a publicar a opinião de um “especialista” para endossar a visão do editor apenas com achismos, sem qualquer número ou estatística que construísse um mínimo de embasamento, sustentando a argumentação apenas com seu cartão de visitas (veja aqui).

Ciclovia foi anunciada em setembro

“Simplesmente chegaram e colocaram a faixa”, afirma a moradora que se preocupa com os convidados do jantar. Na realidade, a ciclovia nessa rua foi divulgada em 9 de setembro pelo secretário Transportes, Jilmar Tatto, ao anunciar detalhes do projeto da ciclovia na Avenida Paulista (veja aqui). Além da ciclovia principal na avenida, foram divulgadas várias outras a serem construídas no entorno “nos próximos meses”, antes mesmo do início da ciclovia da Paulista.

A ciclovia da Rua Honduras terá ligação com a Paulista por duas rotas: pela ciclovia a ser construída nas ruas Abílio Soares e Sampaio Viana, além da via para ciclistas que será implantada na R. Pamplona. Também terá ligação com o Parque do Ibirapuera, descendo pela Pamplona e entrando na R. Antonio Brito, paralela à Honduras. A rua dessas pessoas também servirá de ligação com o Parque por outro caminho, mais curto, porém sem ciclovia em uma quadra: Av. Srg. Mário Kozel Filho (atrás da Assembleia Legislativa) e R. Abílio Soares, saindo em um cruzamento da Av. Pedro Álvares Cabral com acesso ao Parque bem em frente.

Com base no mapa fornecido pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) no documento do projeto, o Vá de Bike estimou o traçado dessas novas ciclovias. O resultado você pode ver no mapa abaixo.

Carros parados no congestionamento da R. Honduras, no meio da tarde, antes de cruzar a Av. 9 de Julho. Foto: Willian Cruz
Carros parados no congestionamento da R. Honduras, no meio da tarde. Foto: Willian Cruz

Rota conhecida de ciclistas

As ligações citadas acima, por si só, já mostram o potencial de uso dessa ciclovia. Creio que os moradores vão se espantar com – ou continuar ignorando – o fluxo de bicicletas em frente às suas residências. Digo continuar ignorando porque a R. Honduras já é uma rota conhecida de ciclistas. Muitos que vêm do outro lado da Av. Nove de Julho, muitas vezes descendo da região da Paulista, utilizam essa rua por ser plana e reta. “É rota natural de quem vai dos jardins pra atravessar a brigadeiro sem pegar avenidas”, lembrou a colega Rachel Schein em nossa fan page.

Tanto é conhecida de ciclistas que a rua faz parte de um dos roteiros da Bike Party, festa mensal sobre duas rodas que percorre ruas da cidade com som, fantasias e animação. A rua é citada como “uma das opções mais óbvias” na região, em matéria da Folha com sugestões de trajeto para pedalar fora das Ciclofaixas de Lazer, em janeiro de 2013. Embora o mapa das ciclovias da cidade não a indique como ciclorrota sinalizada, a foto que abre esta matéria mostra sinalização de ciclorrota nessa rua, o que deve ter ocorrido em conjunto com a implantação de bicicletas compartilhadas no bairro.

Eu mesmo já utilizei essa rua diversas vezes. A foto ao lado, que ilustra também este post, de 2012, foi tirada na R. Honduras, antes de cruzar a 9 de julho. Já acompanhei pessoalmente um secretário da gestão anterior indo de bicicleta ao trabalho (Alexandre Schneider/PSD, então responsável pela pasta da Educação) e o levei por essa rua, junto com outros ciclistas, apresentando-lhe nesse dia um caminho que ele ainda não havia utilizado para chegar pedalando ao seu local de trabalho, em um trajeto de cerca de 10 km. Sim, ele fazia isso com certa frequência. Talvez, se visto pelos moradores desse bairro fazendo isso, fosse considerado um bandido.

Mas “ninguém anda de bicicletas e não existe essa demanda”, frisa uma moradora, que acredita que as ciclovias vão causar risco para os ciclistas em vez de protegê-los, já que naquela rua “o movimento de carros é muito grande”. Talvez ela devesse passar menos tempo na frente da televisão e olhar eventualmente para fora de suas prisões particulares, para descobrir que existe vida ao ar livre.

Parada de ônibus na Al. dos Guatás, logo após a esquina com a Av. Piassanguaba. Compartilhamento do espaço já ocorria antes, porém agora há sinalização ostensiva sobre a presença de bicicletas e orientações a ciclistas e motoristas. Foto: Willian Cruz
Parada de ônibus na Al. dos Guatás, logo após a esquina com a Av. Piassanguaba. Compartilhamento do espaço já ocorria antes, porém agora há sinalização ostensiva sobre a presença de bicicletas e orientações a ciclistas e motoristas. Foto: Willian Cruz

Outras incoerências

A matéria veicula pelo menos outras duas incoerências, que devem ser evidenciadas. O texto afirma que moradores do Alto da Boa Vista, na zona sul, reclamam “principalmente do fim das vagas de estacionamento”, mas também que o local costuma alagar durante as chuvas de verão, por isso não poderia ter ciclovia. À parte o fato de que bicicleta não é trem, que só anda onde há ferrovia, e portanto pode desviar por outro caminho quando eventualmente ali estiver cheio de água, não é possível que essas pessoas acreditem ser melhor deixar carros estacionados em um ponto onde costuma haver alagamento. Faz algum sentido?

Uma moradora desse bairro, assim com outra da Rua Honduras, diz estar preocupada com “o risco que essa ciclovia oferece aos usuários”. Para essas senhoras, pedalar junto aos carros, em local de grande fluxo, seria muito mais seguro que pedalar numa ciclovia. Faz algum sentido?

Outro ponto citado é que na Al. dos Guatás, no Planalto Paulista, “a ciclovia, do nada, termina e vira uma faixa de ônibus e quem está na bicicleta nem percebe isso”. Quem faz essa afirmação, segundo o jornal, seria um rapaz que utiliza a via de ciclistas. Ele só pode estar enganado, ou a edição da matéria alterou um pouco sua declaração: publicamos aqui recentemente uma fotorreportagem que mostra toda a extensão da ciclovia da Guatás e em nenhum momento ela se torna faixa de ônibus. Há um local com um ponto de ônibus, mas isso é muito bem sinalizado, impossível o ciclista não perceber. Veja aqui as fotos e tire suas conclusões.

A certas pessoas, só o tempo mostrará. Continuemos pedalando.

Veja 18 razões para apoiar a implantação de ciclovias

30 comentários em “Sobre o “ciclista não presta” e a ciclovia da R. Honduras, em São Paulo

  1. Só gostaria de saber quando começarão as multas pelo estaciobamento dos carros,já que as faixas ainda nao estão pintadas, embora ja tenham placas?

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    1. Luciana, se você se refere a Ciclovia da Rua Honduras, tema desse artigo, ela já foi entregue, está toda sinalizada e consta no mapa da malha cicloviaria da capital.

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