Pesquisa que traça perfil dos ciclistas derruba mitos em São Paulo

Dados da pesquisa feita com 1.804 ciclistas contradizem o senso comum sobre uso da bicicleta. 40% dos entrevistados começaram a pedalar depois das ciclovias.

Daniel Guth, diretor da Ciclocidade, durante apresentação da pesquisa. Foto: Fabio Miyata
Daniel Guth, diretor da Ciclocidade, durante apresentação da pesquisa. Foto: Fabio Miyata

Um estudo feito em parceria entre a Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo), a ONG Transporte Ativo, Observatório das Metrópoles, e com apoio do banco Itaú, intitulado “Perfil de quem usa bicicleta na cidade de São Paulo”, além de traçar um panorama das pessoas que usam a bicicleta como meio de locomoção, derrubou mitos.

A pesquisa foi apresentada pela Ciclocidade na segunda-feira, 21, véspera do Dia Mundial Sem Carro, e teve como referência 1.804 questionários aplicados in loco entre ciclistas – incluindo usuários de bikes compartilhadas -, entre 10 e 28 de agosto de 2015, em todas as regiões da cidade.

Estiveram na apresentação Daniel Guth, diretor da Ciclocidade, Zé Lobo, da ONG Transporte Ativo, o secretários municipal de Transporte, Jilmar Tatto, e o secretário municipal de Cultura, Nabil Bonduki, além de cicloativistas conhecidos como a repórter Renata Falzoni, do site Bike é Legal, e Willian Cruz, criador do Vá de Bike.

Secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, participou do evento. Foto: Fabio Miyata
Secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto (esq.), ao lado de Zé Lobo, da Transporte Ativo. Foto: Fabio Miyata

Novos ciclistas

Um dos pontos que chamaram atenção foi a adesão de novos ciclistas impulsionados pela ampliação da malha cicloviária. Na área central e intermediária (leia-se centro expandido) 40% dos ciclistas começaram a pedalar há menos de um ano; 29% dos entrevistados pedalam há mais de 5 anos, e 19% há menos de 6 meses.

40% dos ciclistas
começaram a pedalar
depois das ciclovias

Mais de 70% usa bicicleta
cinco vezes ou mais por semana

63% das viagens
levam até meia hora

62% realizam trajetos
com mais de 5km

71% fazem o trajeto completo
de bicicleta, sem integrar
com outro modal

Frequência e deslocamentos

A bicicleta é apropriada para deslocamentos curtos, mas esta afirmação não se aplica em sua totalidade entre as pessoas que pedalam na maior capital brasileira. De acordo com os dados, 62% dos paulistanos pedalam mais de 5 km em seu deslocamento feito por bicicleta no dia. Analisando apenas a periferia, esse índice sobre para 68%.

Dos que usam a bike no dia a dia, mais de 70% fazem seus trajetos por meio do transporte ativo cinco vezes na semana. Em relação ao tempo de deslocamento, 54,2% gastam em média de 10 a 30 minutos entre origem e destino; 9,1% levam 10 minutos ou menos para cumprir o trajeto.

Outro ponto muito levantando na sugestão do uso da bicicleta nos deslocamentos é a intermodalidade, quando o munícipe poderia usar mais de um meio de transporte para se locomover, como por exemplo pedalar de casa a uma estação de trem/metrô e completar seu trajeto pelos trilhos. Mas em São Paulo, a maioria dos entrevistados usa a bike integralmente nas viagens, cerca de 71,4%.

58% têm renda de
até 3 salários mínimos

39% dos ciclistas têm
entre 25 e 34 anos

82% não tiveram acidentes
nos últimos 3 anos

32% usam a calçada
às vezes, por segurança

45% dos entrevistados
usam a calçada raramente ou nunca

50,6% dos entrevistados
pedem mais ciclovias

Renda e escolaridade

Outro ponto bastante discutido em relação ao ciclista é a sensação de que o grupo faria parte de uma classe social de maior poder aquisitivo. Os dados, por outro lado, revelam uma distribuição diferente de renda entre os que pedalam.

Quase 40% dos ciclistas da capital paulista ganham entre zero (sem renda) e 2 salários mínimos (R$ 1.576). E 18,9% possuem renda entre 2 e 3 salários mínimos. O estudo aponta ainda que na área central a renda apresenta um maior equilíbrio.

Em relação à escolaridade, o número de pessoas que pedalam e que têm pós-graduação é maior do que os que não possuem instrução, em torno de 5%.

Faixa etária e gênero

Sobre a faixa etária, quase 40% dos ciclistas têm entre 25 e 34 anos. Ciclistas entre 35 a 44 anos compõem a segunda faixa etária mais presente, com cerca de 27%.

Em relação às mulheres, os dados apontam uma realidade já tratada nas contagens feitas pela Ciclocidade: apenas 14% dos entrevistados eram do sexo feminino. Especialistas apontam que a segurança viária é o principal impedimento para as mulheres aderirem ao ciclismo. Mas, ainda assim, o perfil de utilização é bastante semelhante ao dos homens, como mostram os gráficos abaixo.

Foto: Rachel Schein
Foto: Rachel Schein

Comportamento do ciclista

Sobre a forma como o ciclista se locomove na cidade, 82% disseram que não se envolveram em acidentes nos últimos 3 anos. O estudo mostra que mesmo com a expansão da malha cicloviária, predomina ainda uma atmosfera de insegurança: 68% dos entrevistados não recomendaria seu trajeto a idosos ou crianças.

Outro ponto levantado é o uso da calçada. Ana Carolina Nunes, coordenadora executiva da pesquisa, relatou que os entrevistados se sentiam constrangidos em relatar que usavam a calçada em seu deslocamento, mas que assim o faziam por conta da falta de segurança. 32% usam a via dos pedestres em algum momento de suas viagens. Cerca de 45% dos entrevistados relataram que usam apenas a rua para se deslocar.

Na avenida Marechal Tito [extremo leste da cidade], quando eu perguntava onde costumavam pedalar mais, todos justificavam que pedalavam na calçada porque era mais seguro.

– Wesley Alves, pesquisador que participou do levantamento

Treinamento com motoristas de ônibus em Recife. Imagem: Roberta Soares/Reprodução
Treinamento com motoristas de ônibus em Recife. Imagem: Roberta Soares/Reprodução

Treinamento de motoristas

Um dos presentes questionou o secretário Jilmar Tatto em relação ao treinamento de motoristas de ônibus, em comparação com outras localidades que promovem os cursos a fim de minimizar o conflito entre os trabalhadores do transporte e os ciclistas. Entre as cidades que vêm realizando esse tipo de treinamento, destacam-se Rio de Janeiro/RJVitória/ESManaus/AMSalvador/BARecife/PEPorto Alegre/RS e Florianópolis/SC.

Tatto respondeu que o novo edital de licitação, que deve ser lançado este mês, conterá exigências para reciclar os prestadores de serviço. O secretário disse ainda que a prioridade da gestão municipal neste final de mandato é priorizar as conexões das vias para ciclistas e a implantação da malha na periferia.

Gráficos

Os gráficos e informações abaixo fazem parte do documento produzido pela Ciclocidade, que pode ser baixado aqui. Além dos resultados que apresentamos a seguir, o documento original tem informações importantes sobre metodologia, entidades participantes, área de abrangência, imagens dos questionários aplicados, impressões dos pesquisadores e as considerações da Ciclocidade sobre as informações obtidas.

16 comentários em “Pesquisa que traça perfil dos ciclistas derruba mitos em São Paulo

  1. Usar a bicicleta se você mora perto do trabalho ou escola, é uma situação vivenciada por aqueles que, como eu já disse, moram e trabalham em bairros com perfil sócio econômico privilegiado.

    Voltando à realidade dura e crua daqueles que perdem diariamente entre 3 a 4 horas dentro de um trem, metrô ou ônibus lotado, não é preciso fazer muita pesquisa para saber que tais cidadãos irão adquirir transporte motorizado tão logo melhorem financeiramente…é justamente o que a pesquisa demonstra, quanto maior a renda, menor o uso da bicicleta.

    Não se trata de apologia ou não ao uso da bicicleta, mas sim, da implacável realidade. Tomo como exemplo a região onde resido; no bairro, há apenas UMA linha de ônibus que serve a região, que dista cerca de 22 km do centro de SP. Não há trem e nem metrô nas proximidades, há somente na região de Pinheiros/Jardim Paulistano (ironicamente, uma região de classe média-alta, que é menos necessitada de transporte público…) que dista cerca de 15 km. de onde moro.

    Sejamos honestos: se um morador desse bairro tiver oportunidade, vocês acham que ele não irá comprar um carro ou moto, e mandar o transporte público para a PQP? O sujeito perde 2 horas por dia só pra chegar ao trabalho, e já chega cansado. Vai falar em bicicleta pra um sujeito desses…

    Obviamente, transporte coletivo de qualidade poderia reverter essa tendência.

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  2. OBVIAMENTE quanto menos o cidadão ganha, maior a tendência de usar a bicicleta, pois trata-se de um veículo mais barato…aumentou a renda, a bicicleta vai sendo abandonada em favor do transporte motorizado. É a tendência natural do ser humano.
    OBVIAMENTE também se a maioria absoluta das viagens leva até 30 minutos, isto significa que a bicicleta é utilizada majoritariamente para percursos curtos, perfil que não é o da maioria da população de SP, que mora na periferia e trabalha a pelo menos 15 km do local de trabalho. Seria mais tendente a ser o perfil daqueles que moram na Vila Madalena/ Pinheiros/ Jardins e trabalham no Itaim/Campo Belo/Paulista, portanto, uma faixa da população de melhor poder aquisitivo.

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    1. Além disso, o deslocamento por carro é o que mais leva tempo. Trabalho em uma empresa que faz entregas e sempre volto por alguma linha de metrô ou trem diferente durante a semana. E na maioria das vezez, eu chego bem antes que o carro da empresa ao centro. E como eu moro no centro, consigo fazer um comparativo.

      No desafio intermodal, o carro sempre perde para o metrô, trem, bicicleta e moto. Alias, é um dos ultimos a chegarem ao destino.

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  3. 7% para uma cidade que tem quase 12 milhões de habitantes, dá algo em torno de 840 mil pessoas, espalhadas por toda a cidade.

    Maior do que a demanda da linha 4 – amarela que carrega 700 mil por dia util….E também da linha 11 – Coral que transporta 750 mil por dia.

    Imagina toda essa demanda no saturado metrô ou em 840 mil novos carros nas ruas (considerando que a maioria dos carros só leva 1 pessoa só)? Vide qdo há greve do metrô/ CPTM ou onibus.

    Polêmico. O que acha? Thumb up 6 Thumb down 4

    1. Os radicalismos e os argumentos fantasiosos que você divulga por aqui servem apenas para ridicularizar a real causa da humanização dos espaços públicos. Aquela que é apartidária e está relacionada ao conforto e ao bem-estar da população como um todo. E não apenas de quem não é “coxinha do mal”.

      A discussão racional sobre o futuro da mobilidade se torna uma disputa irritante entre torcidas e nessa ruidosa disputa, infelizmente, o cidadão que está incomodado com alguns autoritarismos e trapalhadas cometidos na cidade de São Paulo tem mais razão, por estar comunicando insatisfações reais e que devem sempre pertencer ao escopo de uma discussão democrática, do que um militante que dissemina a esmo enredos fictícios e fantasiosos, sem a legitimidade da opinião popular, para defender uma causa.

      Se você realmente acha que a demanda é de 840 mil pessoas, o caso é grave. Ultrapassa todos os limites de cinismo ou de falta de compreensão da ordem de grandeza das coisas.

      Na própria Av. Paulista estaríamos vendo filas de bicicletas, com direito a trânsito quando o farol ficasse fechado. E não comemorando que o uso aumentou 100% a partir de um número inicialmente baixo, não conseguindo atingir sequer um dígito percentual na quantidade de km ou viagens efetuadas na avenida.

      Polêmico. O que acha? Thumb up 4 Thumb down 6

      1. Você falou, falou, falou e não disse nada. Mas vamos lá:

        Demanda não brota do nada. Leva anos para se consolidar. Logo, se você achou que é só entregar uma ciclovia para ver centenas de milhares de ciclistas na Paulista, então você precisa se informar mais, estudar mobilidade e ver como foram as experiencias em cidades como Bogotá, Santiago, Buenos aires, Nova Iorque e outras antes de falar o que não sabe.

        840mil por dia em uma cidade gigante como SP é pequena. E essa demanda fica muito concentrada em um ponto e ausente em outra. Além disso, a cidade está vivendo uma mudança de habitos.

        E mudar habitos e cultura de uma cidade rodoviarista não ocorre da noite para o dia. Nova Iorque e Bogotá levaram anos para ter movimento em suas ciclovias.

        Não seria diferente aqui. E inclusive, os esforços que a atual gestão vem promovendo nessa cidade que sempre foi extremamente hostil com pedestres e ciclistas, vem tendo noticiada positivamente até por grandes veículos, como a recente publicação do The New York times. Es o link

        http://www.nytimes.com/2015/10/05/world/americas/mayor-fernando-haddad-of-sao-paolo-strives-to-ease-gridlock.html?hp&action=click&pgtype=Homepage&module=second-column-region&region=top-news&WT.nav=top-news&_r=2

        Você só vai ver transito e congestionamentos de bicicletas (como ocorre nos finais de semana), daqui a alguns anos após a conclusão da malha cicloviaria + sua infraestrutura estiver completa. É só o começo. E assim como foi em outras cidades, não será diferente aqui.

        Pelo teor de seu post, deu para perceber que tem apenas um viés partidario.

        Se você tem problema em aceitar mudanças, em algo que é bom para a cidade, para as pessoas e principalmente, para o meio ambiente (já que bicicleta não polui), o problema é seu e eu não posso fazer nada.

        Aceite que dói menos.

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        1. 840 mil pessoas, Renato! Acorda!

          O que você fala não faz sentido algum. Você não sabe interpretar dados básicos.

          A população total da cidade contabiliza de bebês a idosos. Segundo a sua lógica, uma fatia de todas essas faixas etárias faz parte da “demanda”. O erro é tão primário que me causa vergonha alheia.

          Uma dica: estude a pirâmide etária do nosso país. E um pouco de estatística. Assim conseguirá combinar as faixas apresentadas no estudo acima e chegar a um número que faça sentido. Sem que soe como um militante chato, repetitivo e amador.

          https://fernandonogueiracosta.files.wordpress.com/2010/12/pirc3a2mides-etc3a1rias-absolutas.png?w=869

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        2. Dica: na pirâmide etária do Brasil, que é menos envelhecida que a da cidade de São Paulo, as faixas etárias citadas majoradas por participações não somam 10% da pirâmide. Ou seja: seu erro é de no mínimo 1.000%.

          Só que na realidade é maior ainda. Para saber o motivo, sugiro que estude um pouco antes de agir como analista de políticas públicas por aí.

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  4. O objetivo das pesquisas em ciências sociais é levantar informações e formalizar dados para que possam ser usados na formulação de políticas públicas, daí a relevância das pesquisas.
    Muito boa a reportagem.

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  5. Quanto à questão da renda e o uso da bicicleta, creio que a pesquisa chegou à uma conclusão óbvia…9 em cada 10 pessoas sabem isso só de observar.
    Se 63% das viagens levam até 30 minutos, bem, mais uma conclusão que a maioria também já sabe.
    Não me parece que essa pesquisa acrescentou alguma novidade.

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    1. Pelo que acompanhei da Ciclocidade a pesquisa não mostrou novidades. Mas, como para os “burocratas que decidem” os gráficos são mais relevantes que o fato em si, “bora” fazer contas!

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      1. Pois é, por aí Zensho. Que aí vêm um Ministério Público e uma grande imprensa que não se curvam ao óbvio ululante, mas pra encher o saco sempre vêm bem dispostos, e aí você tem que esfregar na cara deles uma pesquisa abalizada como essa, né?

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  6. Pesquisa muito interessante, principalmente quanto aos acidentes. Venho percebendo que de uns 4 anos prá cá, a cidade vem ficando mais segura pra se pedalar. O grande problema agorá é que de cada 10 motoristas educados, sempre tem um estressado achando que as ruas de SP são pistas de corrida. Por isso ainda sou muito cauteloso ao incentivar alguém a vir trabalhar de bike, pois mesmo que o pedal seja tranquilo, basta 1 motorista pra acabar com seu dia.

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