A economia virtual nos novos games online

Esses dias eu vi uma notícia inusitada: um cara tinha comprado uma estação espacial em um jogo virtual com dinheiro de verdade, gastando meros 100 mil dólares. E ele era o ganhador de um leilão, ou seja, não era o único maluco!

Fui tentar entender como isso poderia ser verdade. Descobri que nesse jogo, um MMORPG chamado Project Entropia, você pode comprar itens para seu personagem (roupas, ferramentas, armas, etc.) usando dinheiro de verdade, que você transfere para dentro do jogo. E dizem ser possível transferir dinheiro do jogo para o mundo real. Assim, você teoricamente pode ganhar dinheiro com o jogo, trazendo para o mundo real em forma de dólares o que ganhou lá dentro.

Ganhar dinheiro jogando parece uma coisa absurda, mas não era um conceito tão novo para mim. Quando joguei o jogo online Eixo do Mal, eu cheguei a ganhar um Palm Zire, que acabei vendendo e transformando em dinheiro real. Era um game de estratégia de guerra, mas manter nosso time no topo do ranking foi um trabalho muito mais diplomático do que pancadaria pura e simples. E nos últimos momentos, canibalizei consensualmente vários amigos do clan para que meu império estivesse no topo do ranking e ganhasse o prêmio daquele round, uma prática relativamente comum no jogo àquela época (ou seja, não foi por mérito apenas meu).

Mas voltando ao assunto original, ontem eu resolvi instalar o tal game pra ver como funcionava. Só por curiosidade, sabe como é, hehe… A idéia principal dessa economia virtual é que o jogo é gratuito, mas você pode usar dinheiro real para dar uma agilizada ou tornar o jogo mais legal. Isso é fortemente incentivado, e até dá para sobreviver sem fazer isso, só que demora bem mais para progredir. A idéia é que você não paga pelo jogo e também não paga nenhuma mensalidade, mas gasta seu dinheiro real nele na medida que achar necessário, conveniente e justo. É uma idéia bem interessante, relativamente recente e não é exclusiva desse jogo.

Creio que o retorno desse dinheiro para o mundo real seja mesmo possível, mas não acho que um gamer que conseguiu juntar uma boa grana lá dentro vá querer transformar isso em dinheiro aqui de fora, já que terá uma situação confortável lá dentro. O cara que consegue fazer isso gosta do game e não vai desistir dele tão fácil. Pode até trazer para cá um pouco do que tem lá, mas nada que vá mudar a vida dele aqui fora.

O leilão que o Neverdie ganhou foi dentro do jogo. No Entropia é possível vender e comprar itens em leilões, que são realizados lá dentro mesmo. Você estabelece, entre outras coisas, o preço máximo, que é como o preço de venda. Assim, se expirar o prazo do leilão quem ofereceu mais grana ganha, como em um leilão normal, mas se a qualquer momento alguém oferecer o preço limite, ele compra a mercadoria na hora e encerra o leilão. Foi isso que o Neverdie fez.

Ninguém me tira da cabeça que essa compra não passa de uma jogada de marketing muito bem pensada. Pesquisando por aí, todas as referências ao Neverdie o citam como um jogador muito conhecido e antigo no jogo – o game já rola há 10 anos e vem evoluindo constantemente. Ele deve ter mesmo aparecido como jogador compulsivo, mas tem colaborado bastante com os autores nos últimos anos, chegando a participar ativamente da elaboração de um extenso e detalhado guia para os iniciantes. Cheguei até a ver seu nome listado junto com o staff em algum lugar, o que fortalece minha tese de que ele tem colaboração estreita com a MindArk, empresa que administra o jogo.

Pra mim, aconteceu uma dessas duas coisas:

1) O Neverdie tinha feito muita grana dentro do jogo, explorando, fazendo comércio e leilões, construindo coisas para vender lá dentro, etc. Transferindo dinheiro de verdade para lá também, mas não tanto assim, no máximo alguns milhares de dólares através dos anos. Quando levaram a estação espacial a leilão, ele pegou essa grana virtual e comprou a estação.

2) A empresa que fez o jogo deu uma grana virtual boa pro cara, para que ele comprasse pelo lance máximo. Isso para ela não custaria nada, talvez inflacionasse a economia interna do game, mas duvido que eles se preocupem a esse ponto com a economia desse universo virtual. Assim, a notícia ficaria pomposa, inusitada, bizarra, fora da realidade para muita gente e atrairia curiosos do mundo inteiro. Muita gente iria lá descobrir wtf is this, como eu fui, e ficaria conhecendo o jogo que até então era restrito a um nicho de mercado. E o jogo impressiona.

Acho mais provável ter sido a segunda opção. Mesmo que o dinheiro virtual que a empresa possa ter colocado precisasse de lastro real equivalente aqui fora, o que eu duvido, teria sido um ótimo investimento. Há anos as empresas de diversos setores colocam a imprensa para trabalhar divulgando seus produtos, o que pode ter mais retorno do que as ações de marketing pouco agressivas que você conseguiria com um investimento tão baixo. Uma boa assessoria de imprensa, trabalhando em conjunto com a área interna de marketing, faz maravilhas.

Para se ter uma idéia, a matéria fala em cerca de 260 mil usuários do jogo. Na sexta-feira 28/10 havia cerca de 290 mil. Quatro dias depois, já eram quase 310 mil. A base vem crescendo dia a dia depois dessa notícia. Ainda mais com o efeito Slashdot

Existe ainda a possibilidade de que o Neverdie comprou a tal estação espacial acreditando que os usuários do jogo vão gastar seus créditos lá, dando retorno financeiro “realizável” aqui fora. Afinal, as transações que forem feitas na estação renderão um certo tipo de imposto para ele. Mas isso seria confiar MUITO no sucesso do jogo. Seria investir no Project Entropia de uma forma que só a empresa que o criou investiria, pois o retorno se daria mais de forma indireta do que direta. Sendo um simples jogador e não sócio da empresa, o Project Entropia teria que fazer sucesso não só como jogo, mas como um mundo paralelo onde as pessoas passariam a viver a maior parte de seu tempo.

Não que isso seja impossível… eu diria até que é previsível: um dia os jogos virtuais terão um nível de detalhe e de experiência sensorial tão grande, que as pessoas que precisam de uma fuga da realidade começarão a exercê-la através de mundos como esse, onde elas podem ser quem e o quê elas quiserem. Como se jogassem sua vida anterior numa recycle bin e começassem uma nova. Uma dimensão paralela realista o suficiente tem um potencial enorme para se tornar a realidade principal de milhões de pessoas com baixa auto-estima, facilidade de adquirir vícios, tendências compulsivas, depressão ou mesmo quem simplesmente deteste sua vida real ou esteja passando por um período muito difícil na vida. Não que os jogadores sérios tenham sempre algum desses problemas, mas pessoas que os têm são mais suscetíveis a fugas da realidade – nesse caso, literais!

Mas como a pessoa faria para garantir seu sustento, se em vez de trabalhar ela joga? A resposta para essa questão seria a possibilidade de ganhar dinheiro trabalhando dentro do jogo, sendo por exemplo um fabricante de equipamentos. Pelo que entendi, isso deve ser possível no próprio Project Entropia: a pessoa compra matéria prima de outros usuários, constrói uma arma, uma ferramenta ou uma roupa e a revende ou leiloa dentro do jogo. Ou trabalha como intermediário, comprando itens baratos e revendendo por um preço mais alto.

A pessoa pode não ter condições de ganhar dinheiro aqui fora, mas conseguir um trabalho mais ou menos rentável lá dentro. Não ficaria milionário, mas conseguiria ganhar alguma coisinha. Se, por exemplo, colocar gente para trabalhar para ele e administrar uma empresa virtual, ganhando uma porcentagem no que cada “funcionário” produz, o avatar pode virar um empresário de sucesso.

Mas atenção: não estou incentivando ninguém a fazer isso! Em primeiro lugar, porque eu nem sei dá para trabalhar nesse nível nesse game. Estou extrapolando as possibilidades e imaginando um possível amanhã. Em segundo lugar, uma economia virtual baseada em dinheiro “fabricável” não tem condições de sustentar uma economia real. Por exemplo: se alguém conseguir ficar milionário dentro do jogo e resolver da noite para o dia transformar tudo em dinheiro real, ele quebra a empresa que administra o jogo e todo mundo que tinha colocado dinheiro lá dentro perde tudo!

Dá pra pensar bastante nesse assunto e escrever um belo romance de ficção científica. Ou um game revolucionário, que mude nossos hábitos, nossa economia e, por que não, nossa sociedade…

Para saber mais

Virtual worlds wind up in real world”s courts: Artigo discutindo questões legais dos mundos virtuais, entre elas o dinheiro.

Virtual gaming”s elusive exchange rates: Artigo falando sobre dinheiro virtual, economia nos jogos online, inflação virtual e comentando que uma hora alguém vai encrencar porque ganhar dinheiro nos games não paga imposto (certifique-se de ler as duas páginas, o texto mais interssante é o da segunda)

Virtual cash exchange goes live – Matéria comentando a compra e venda de dinheiro virtual e a possibilidade de especulação com as cotações.

Games Study on Virtual Economies: não tive tempo para ler porque é bem grandinho. Tem até fórmulas no meio e o autor é um professor de economia da universidade do estado da California. Parece um estudo sério.

GameUSD – Game currency price research: site com cotações de dinheiro virtual de diversos jogos online

IGE: site especializado em compra e venda de dinheiro virtual de vários games. Funciona como um “doleiro”: compra barato de um e vende mais caro para outro.

SwagVault: outro site de compra e venda de dinheiro virtual para vários MMORPGs.

MMO Supplies: Esse site coloca um jogador “profissional” para aumentar a experiência do seu personagem, além de vender dinheiro virtual e mais algumas coisas.

Station Exchange: Site da Sony Online Entertainment que leiloa dinheiro virtual, itens e personagens de seu jogo online, Everquest II.

(agradeço à Renata Honorato do Arena iG pelos links)

Se eu ainda estou jogando?

Somando tudo, devo ter jogado durante umas 10 horas, mas cheguei em um ponto em que tive que parar por limitação de hardware.

Minha placa de video onboard não é lá tão ruim e estava me permitindo jogar sem muitos problemas, até que eu cheguei em um lugar onde tinha uma nave espacial pousada, supostamente a nave que leva à estação espacial que o Neverdie comprou.

Toda vez que eu olho para o lado da nave, até consigo vê-la, mas o jogo praticamente trava. Leva vários segundos para atualizar um simples frame. Bem na hora em que eu estava começando a pegar o jeito da coisa e conseguindo juntar um pouquinho mais de dinheiro virtual…

Mas tudo bem, deixa pra lá. Vou jogar o Freelancer, que meu irmão me deu esse fim de semana. Assim eu não me arrisco a cair na tentação de gastar dinheiro em um mundo online… 😀

3 comentários em “

  1. Artigo falando sobre dinheiro virtual, economia nos jogos online, inflação virtual e comentando que uma hora alguém vai encrencar porque ganhar dinheiro nos games não paga imposto (certifique-se de ler as duas páginas, o texto mais interssante é o da segunda)

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  2. Willian sempre completo em seus comentarios, textos, posts…

    Show de bola, hein? nao deixa gato na tuba nem fio solto…

    é isso ai. Ah..quase esqueço: o seu blog é muito legal, visite o meu. Hahahahaha

    []s e t+
    Wlad

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