Como foi a audiência sobre a morte de Márcia Prado

Saiba como foi a audiência com o atropelador de Márcia Prado e a reforma do memorial na Av. Paulista.

Aconteceu ontem, 28 de novembro, a esperada audiência com o atropelador de Márcia Prado, ciclista morta em janeiro de 2009 por um motorista de ônibus que não soube esperar. Conheci Márcia pessoalmente e, à época do crime, escrevi um artigo aqui no Vá de Bike falando sobre ela, sobre o acontecido e sobre os comentários que surgiram na imprensa. Há vários textos sobre Márcia no Vá de Bike. Neste texto, conto como foi receber a notícia de sua morte e a primeira homenagem, no dia seguinte ao ocorrido; neste outro, é possível conhecer um pouco da visão que Márcia tinha sobre os problemas que o ciclista enfrenta na cidade.

Ontem, nada na imprensa sobre a ocorrência da audiência. À noite, um repórter da rádio CBN me ligou para perguntar o nome do atropelador, provavelmente para buscar informações. Mas só. Morte, vende; justiça, nem sempre; participação popular, menos ainda.

A Sabrina Duran havia feito uma convocação no blog Na Bike, para que ciclistas e outros cidadãos preocupados com a violência no trânsito participassem de um ato no memorial em homenagem a Márcia, para em seguida irmos ao Fórum acompanhar essa audiência. Repliquei ontem por aqui essa convocatória (um pouco em cima da hora, admito). Sabrina também convidou políticos, empresários, representantes de órgãos públicos e da sociedade civil ligados ao trânsito e à bicicleta na cidade de São Paulo, documentando a ação em vídeo, mas ninguém compareceu.

Ghost Bike de Márcia Prado, após a reforma. Pintura e flores a tornaram mais bonita.

A reforma do Memorial

O memorial Márcia Prado, na Av. Paulista (veja a localização), é uma ghost bike, uma bicicleta branca instalada em frente ao local do acidente. Sua maior importância é tentar impedir que uma agressão como a que ocorreu com Márcia seja vista como algo normal, que simplesmente “acontece” e que deve ser aceito bovinamente como o preço por andar de bicicleta nas ruas de uma grande cidade. Nos recusamos a aceitar que a cidade seja assim e vamos continuar nos esforçando para que isso mude.

É preciso lembrar o absurdo do ocorrido e mostrar a todos – motoristas, imprensa, poder público e até mesmo os outros ciclistas – que esse tipo de agressão é intolerável, não será digerido nunca e não pode ocorrer novamente. Não podemos deixar que tamanho desrespeito à vida de alguém se repita por aí. Em lugar nenhum.

Nesse sentido, nos aproximamos muito de movimentos como Viva Vitão e o recente Não Foi Acidente (termo, aliás, que os ciclistas vêm utilizando desde o atropelamento em Porto Alegre, no início de 2011). Todos queremos uma cidade melhor para viver, onde nossos amigos, filhos e amores possam andar nas calçadas e pedalar nas vias sem que um assassino irresponsável acabe com suas vidas. Não por acaso, uma representante do Viva Vitão, a Ana Maria, esteve presente durante a reforma e lamentou não poder ir conosco ao Fórum, devido ao horário.

Alguns ciclistas puderam comparecer ao ato na Paulista, realizado a partir do meio-dia, como Claudio Kerber, Philip Steffen, Silvia Oliveira e Evelyn Araripe. A tia e a prima de Márcia, Fernanda e Cris, estiveram por lá com muitas flores. Nos deram algumas camisetas (aquela com a silhueta da Márcia) e dinheiro para levarmos flores ao Fórum. O pessoal do Coletivo CRU botou a mão na massa, pintando a ghost bike e fazendo um belo trabalho de jardinagem ao seu redor.

Ataques e depredação

Cartaz conta quem era Márcia e o motivo da bicicleta branca

Pendurei na bicicleta branca um cartaz para que as pessoas que passam por ali entendam o que ocorreu e quem foi Márcia Prado. É a terceira vez que coloco esse cartaz, ele costuma durar no máximo uns 15 dias até ser arrancado. Aliás, o memorial vem sofrendo repetidas tentativas de depredação e retirada, além de “ataques morais”. No último, há cerca de um mês, cobriram a bicicleta de lixo e cacos de vidro. Em outros momentos, colocaram placas na bicicleta chamando-a de entulho, lixo, ou pedindo sua retirada por “infringir a lei cidade limpa” (que regulamenta publicidade). Já chegaram a acorrentar um grosso pedaço de madeira à bicicleta, chamando-a de entulho e pedindo que fosse levada.

Há em média um ataque por mês e não sabemos se quem faz isso é um morador, um comerciante ou alguém com outros interesses. Pessoas que trabalham na obra em frente já disseram à Silvia que não deixariam vandalizarem a bicicleta, caso vissem algo acontecendo, mas as ações parecem ser feitas durante a noite. Precisamos continuar mantendo a bicicleta ali, sempre bonita e conservada. A quem interessa retirá-la daquele local? A quem ela incomoda?

Fórum

Fórum Criminal da Barra Funda: sem bicicletário.

Fomos ao Fórum em nove ciclistas, fazendo uma mini-bicicletada pelas ruas. Incrível como pedalar em grupo permite utilizar as ruas sem que os motoristas reclamem. À exceção de uma senhora, que queria passar em meio aos ciclistas para entrar em uma rua à direita, em vez de esperar atrás do grupo. Parada na segunda faixa buzinando, ela poderia ter esperado três segundos, tempo que levamos para terminar de passar por aquele ponto, mas preferiu sair xingando e acelerando já que não evaporamos imediatamente para que ela passasse. Enquanto ela nos xingava pelo retrovisor, sorri e mandei um beijo. Pela diferença de idade, poderíamos ser seus filhos e netos, compartilhando a rua com outro alguém igualmente intolerante.

Chegando no Fórum, logo percebemos o espaço destinado às bicicletas: uma grade, de qualquer jeito, perto da entrada. Pelo menos fica ao lado da guarita, o que é importante, mas ali naquele exato local há espaço para paraciclos. A administração do Fórum Criminal da Barra Funda deveria se envergonhar de não cumprir a Lei Municipal 14.266, que em seu artigo 8º obriga edifícios públicos e locais com grande afluxo de pessoas a terem bicicletário. Mas ao menos não nos proibiram de entrar.

Como chegamos em muitas bicicletas e vários dos ciclistas estavam vestindo a mesma camiseta, um dos seguranças se aproximou ressabiado enquanto prendíamos a bicicleta para perguntar se iríamos fazer algum protesto. Sorri e respondi que não, só tínhamos vindo assistir a uma audiência. Aliviado, voltou para a guarita.

A audiência

Não pudemos entrar na audiência. Fomos informados de que não é possível assistir audiências em que não há júri, como é o caso desse julgamento. Como o caso está sendo tratado como homicídio culposo (sim, aquele em que não há intenção de matar), não há júri.

Enquanto tentávamos negociar nossa entrada, passou por nós a testemunha principal, um motoboy que estava caminhando pela calçada naquele momento e viu tudo acontecer, bem na sua frente. Contou a nós quem era e entrou rapidamente. Também conversamos um pouco com o advogado da família.

A audiência deveria começar às 14h30, mas ainda havia duas outras antes dela. Ficamos por ali, na esperança de pelo menos um de nós conseguir entrar, para relatar aos demais como foi. Almoçamos, conversamos, esperamos. Várias pessoas vinham nos perguntar por que estávamos com aquelas camisetas e, assim que começávamos a contar, as pessoas logo sabiam do que se tratava. A morte de Márcia marcou mesmo quem não usa a bicicleta. O comentário mais comum era “mas ainda tá rolando isso?”. Pois é. E vai continuar rolando.

A Sabrina Duran, do blog Na Bike, fez um texto muito bom sobre a audiência, leia aqui. Reproduzo abaixo, com sua autorização, o trecho que conta o que aconteceu lá dentro:

Segundo relato de um dos participantes da audiência, o motorista Márcio José de Oliveira optou por ficar calado durante todo o tempo. Já o motoboy que presenciou de perto o que aconteceu no dia 14 de janeiro de 2009, disse ao juiz que fazia questão de prestar depoimento em pé, olhando para o motorista e “que não tinha medo de contar nada”. E foi assim que aconteceu. Com riqueza de detalhes – alguns até bastante trágicos –, a testemunha repetiu a mesma versão que apresentara à polícia no dia da morte de Márcia, acrescentando que a vítima poderia ter sido ele e que alguns motoristas “não respeitam ninguém”.

O cobrador que trabalhava na linha naquele dia disse que não viu nada do que aconteceu porque estava de costas para Márcia – também repetindo o depoimento que dera na delegacia há quase três anos. Já o policial que se encontrava do outro lado da rua na hora do atropelamento, afirmou que ouviu o estrondo da batida mas que, ao chegar ao local, já não havia mais nada o que fazer, e que o motorista parecia bastante tranquilo na ocasião – o motorista, aliás, continua trabalhando como tal na mesma empresa, a Oak Tree. A fonte não soube informar se permanece na mesma linha 874 C (Vila Mariana – Parque Continental) que operava quando atropelou a ciclista. A ausência de uma das testemunhas arroladas no processo obrigou o juiz a adiar a continuação da audiência para o dia 10 de abril de 2012.

Do blog Na Bike, da Época SP

Ou seja: não decidiram nada ainda e a próxima audiência é só daqui cinco meses. Seguiremos acompanhando.

A empresa

Uma informação em particular me chamou atenção quando li a matéria da Sabrina. O motorista continua trabalhando na empresa? E continua dirigindo profissionalmente? Para tentar entender melhor isso, o Vá de Bike procurou a empresa Oak Tree com cinco perguntas simples:

1) A Oak Tree realiza algum treinamento com os motoristas visando a proteção de pedestres e ciclistas durante a condução dos veículos?

2) O motorista Márcio José de Oliveira, envolvido no atropelamento, continua trabalhando na empresa?

3) Quais foram as medidas tomadas pela empresa após o ocorrido?

4) A Oak Tree considera o motorista em questão apto para continuar conduzindo os veículos da empresa?

5) O motorista Márcio Oliveira continua trabalhando na mesma linha em que ocorreu o atropelamento?

Através de sua assessoria de imprensa, a empresa afirmou que não irá se pronunciar sobre as questões enviadas, “em virtude do processo estar em tramitação na esfera judicial”. Vale lembrar que há uma ação indenizatória contra a empresa, que contesta a ação da família alegando, entre outras coisas, que Márcia foi a única responsável pelo acidente, pois “trafegava em uma via destinada exclusivamente ao tráfego de coletivos, não havendo naquele local ciclofaixa” (veja aqui). Ou seja, não deveria estar na rua e é culpada por ter morrido.

Uma pena a empresa desperdiçar as diversas chances que a imprensa lhe dá para melhorar sua imagem. Notem que a primeira das perguntas sequer faz referência ao ocorrido e poderia ter sido respondida. A Oak Tree perdeu uma ótima oportunidade de demonstrar ser uma empresa que preza pela vida e pela qualificação de seus profissionais.

Processos

Os processos contra o motorista e contra a empresa de ônibus são públicos e podem ser consultados por qualquer cidadão. A audiência de ontem foi contra o motorista. Por decisão da justiça, o processo contra a empresa só vai andar quando esse terminar.

Contra o motorista Márcio José de Oliveira
Fórum Central Criminal da Barra Funda
Número do processo: 050.09.013030-8

Contra a empresa Oak Tree
Fórum Central Cível João Mendes Júnior
Número de controle do processo: 583.00.2009.181459-4

Não deixemos esse caso cair no esquecimento!

27 comentários em “Como foi a audiência sobre a morte de Márcia Prado

  1. MArcia é um exemplo que nossa sociedade desvaloriza o cidadão consciente, e mais uma vez o caso se repete. Dia 02 de março de 2012 masi uma jovem ciclista morre na av. Paulista. Quando isso realmente vai acabar?????????

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  2. Caros amigos,

    Que mundo pequeno este. Faço o mesmo caminho de bike, duas vezes por semana, sendo que passo pelo mesmo local do assassinato da Márcia. Sempre presto meio que uma continência.para ela e ainda faço uma oração. Utilizo a mesma linha para ir e vir, pois trabalho na Avenida Jaguaré..

    Vou perguntar para os motoristas, na surdina, se o cara ainda está nesta linha ou em outra.

    Se precisarem de ajuda, meu fone é 011-37677247-9688-0606.

    E vamos acompanhando o desenrolar deste caso.

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  3. Isso porque agora existe aquela palhaçada de “dê preferência a vida” … Sabemos que os motoristas de ônibus não são capazes nem de seguir o que o letreiro do PRÓPRIO ônibus diz … É o fim, um país, como o Brasil, ainda ter esse tipo de problema … E sim, VIVA A MÁRCIA PRADO !!

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  4. Infelizmente casos como esse ainda acontecem em nosso país.E volto a repetir infelizmente não será o primeiro nem o último.
    Nós ciclistas não somos respeitados no trânsito e ainda falta muita politica dos nossos governates para que isso possa melhorar.

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  5. sou fissurado em bike, pela limpeza das linhas, silêncio ao andar, poluição zero, gastos irrisórios, ando prá tudo, lazer exercicios,trabalho, trocaria ela em definitivo pelo carro, apesar de ter familia, sogra,pai, filhos, uso mais o carro em auxilio deles,mas por icrivel que pareça, uso mais a bike (700 km/mes em media) mas ultimamente tenho ficado com medo do trânsito, anda violento e sem respeito, e olha que em 1989 fiz uma viagem de moto (outro veiculo que gosto mas não tenho mais) até manaus am totalizando 10.000km ida e volta, mas não podemos desanimar, em vez de se esconder, vamos obrigar os carros a se esconder []s sergio

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  6. Absurdo a empresa alegar que ali não é lugar de bicicleta e por isso não ter culpa de nada. Precisamos mudar a mentalidade da sociedade com relação aos meios de transporte !

    Parabéns pelo texto

    Comentário bem votado! Thumb up 4 Thumb down 0

    1. São tantos absurdos que não sei onde vamos parar. Veja o que aconteceu comigo e com a OAK TREE.
      Quando meu marido(motorista) se envolveu num caso de adultério com uma cobradora vivia no mundo da lua. Logo começou a se envolver em acidentes (que eu só soube depois). Liguei na empresa, pois achei um absurdo tudo aquilo. Fui informada que nada poderiam fazer, pois isso não interferia na ADM da empresa. Diante disso, penso: quem morre é quem perde a vida. Se não afetar a ADM da empresa nada eles irão fazer. Interessante não é?
      Infelizmente vivemos na era em que o dinheiro ainda é tudo. Quem tem dinheiro manda, quem não tem….cai no esquecimento e tudo parece tão natural.

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