Muitas das avenidas paulistanas não possuem alternativa adequada. Foto: Willian Cruz/VdB

CET quer ciclistas fora das avenidas de São Paulo

Para o órgão, ciclistas não devem circular em avenidas. Elas não serão sinalizadas, mesmo onde a faixa direita for exclusiva aos ônibus.

Muitas das avenidas paulistanas não possuem alternativa adequada. Foto: Willian Cruz/VdB
Muitas das avenidas paulistanas não possuem alternativa adequada. Foto: Willian Cruz/VdB
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A Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo não quer que ciclistas utilizem as avenidas da cidade que não possuem ciclovia. E, por essa razão, não pretende tomar medidas para protegê-los dos carros e ônibus nessas vias. Também não pretende implantar sinalização referente às bicicletas nessas avenidas, seja para indicar seu direito de circular ali ou para informar aos ciclistas qual a faixa mais segura para sua utilização.

É o que se entende da resposta que recebemos do órgão recentemente, quando perguntamos que medidas seriam tomadas para garantir a segurança viária dos ciclistas nas avenidas onde seriam implantadas as novas faixas exclusivas, como parte da Operação Dá Licença Para o Ônibus.

Nosso questionamento surgiu a partir de uma matéria publicada no Estadão, em 11 de junho, afirmando que as marginais do Tietê e do Pinheiros ganhariam faixas exclusivas de ônibus até julho a Avenida Paulista até o final de 2013. Por sabermos que nessas três vias há grande circulação de ciclistas e que essa utilização se dá na faixa direita, justamente a que abrigará a faixa exclusiva, resolvemos esclarecer junto à Companhia qual seria a conduta esperada do ciclista nessa avenida e como essa situação seria esclarecida aos motoristas.

"Omissão mata" e tinta vermelha para lembrar que o Poder Público tabém é responsável pelas mortes no trânsito. Foto: Rachel Schein
“Omissão mata” e tinta vermelha em protesto na Av. Paulista, em março de 2013. Para lembrar que o poder público também é responsável pelas mortes no trânsito. Foto: Rachel Schein

Em que faixa?

Ao afirmar ostensivamente pela sinalização que a faixa da direita passa a ser exclusiva dos ônibus, agrava-se a dificuldade que os ciclistas já enfrentam hoje. Parte dos motoristas dos coletivos já acha, mesmo com a atual faixa apenas “preferencial”, que os ciclistas não deveriam utilizá-la, chegando a ameaçar quem está de bicicleta com o tamanho e a velocidade do ônibus e levando a situações como as que vitimaram Márcia Prado e Juliana Dias, na própria Avenida Paulista. Com a oficialização da exclusividade da faixa, tanto esses como todos os outros motoristas de ônibus passariam a ter certeza de que ciclistas estão errados em estar ali. As ameaças às vidas de quem pedala claramente aumentarão.

A saída para o ciclista seria utilizar a segunda faixa, mas se ela não está sinalizada para tal, os maus motoristas nos carros se sentem no direito de ameaçar um ciclista, ao vê-lo no que consideram “o meio da rua”. Isso já acontece hoje e com frequência preocupante: quando a faixa da direita está com carros estacionados e o ciclista ocupa a segunda faixa, fugindo da perigosa zona de abertura de portas, é alta a incidência de finas, buzinadas, fechadas e ameaças verbais. Todo ciclista que precisa pedalar em avenidas em São Paulo já passou por isso.

Com essas preocupações em mente, fizemos à CET três perguntas:

  • Os ciclistas devem usar a faixa exclusiva ou devem ocupar a segunda faixa?
  • Haverá sinalização indicando aos ciclistas que faixa utilizar?
  • Os motoristas dos carros ou dos ônibus serão informados pela sinalização de que os ciclistas na faixa recomendada estão usufruindo de seu direito de circulação naquelas vias?

A resposta nos surpreendeu muito e por dois motivos. O primeiro foi por ela ter chegado (e ainda por cima no mesmo dia), pois muitas de nossas solicitações anteriores acabaram sem resposta (ponto positivo!). O segundo foi por termos recebido nessa resposta três afirmações que nos desapontaram bastante. No quadro abaixo, o trecho da resposta da CET que se refere à circulação de bicicletas, seguido dos motivos para nosso profundo desapontamento. Quebramos o parágrafo original em três, para facilitar o entendimento dos três pontos em separado.

abre aspasCom relação à circulação de bicicletas na pista local da Marginal Tietê, temos a informar que o próprio Código de Trânsito Brasileiro (CTB) proíbe o trânsito de bicicletas em vias de trânsito rápido ou rodovias, salvo onde houver acostamento ou faixas de rolamento próprias.

Independentemente dessa proibição, a CET também mantém a recomendação, disposta no Plano Diretor da cidade de São Paulo, de que os ciclistas devem utilizar apenas os caminhos e rotas onde a velocidade máxima permitida para carros não ultrapasse 50  km/h. Portanto, a passagem de bicicletas por quaisquer uma das faixas da Marginal Tietê e da Avenida Paulista não são recomendadas.

fecha aspasA circulação das bicicletas na Avenida Paulista é regulamentada por sinalização (placas e solo) apenas aos domingos e feriados nacionais, quando são ativadas as Ciclofaixas de Lazer, que funcionam das 7h às 16h.

A suposta proibição

A resposta da CET começa afirmando que o Código de Trânsito proíbe a circulação de bicicletas na Marginal Tietê. Bem, vamos analisar essa afirmação à luz da legislação.

De fato, o CTB diz que bicicletas não podem “transitar em vias de trânsito rápido ou rodovias, salvo onde houver acostamento ou faixas de rolamento próprias”, exatamente com este texto. Isso está no art. 244, § 1º, item b (consulte aqui). Mas é preciso entender o que realmente a Lei quer dizer com isso.

Os termos utilizados no CTB não são baseados necessariamente em linguagem corrente. “Via de trânsito rápido”, por exemplo, é um termo técnico, esclarecido no Anexo I, no que constitui uma espécie de glossário:

“VIA DE TRÂNSITO RÁPIDO – aquela caracterizada por acessos especiais com trânsito livre, sem interseções em nível, sem acessibilidade direta aos lotes lindeiros e sem travessia de pedestres em nível.”

Ou seja, para que a via seja considerada “de trânsito rápido” para a Lei de trânsito, ela deve atender aos seguintes requisitos:

  • “trânsito livre”, que significa não haver semáforos ou outros impedimentos;
  • “sem interseções em nível”, ou seja, não deve haver cruzamentos;
  • “sem travessia de pedestres em nível”, portanto não haver faixas de pedestres ou outra forma de travessia que não sejam pontes e passarelas;
  • e, finalmente, “sem acessibilidade direta aos lotes lindeiros”, o que significa que não haver acesso direto a terrenos, prédios, casas, sítios, garagens, etc., sendo esses feitos apenas através de pistas de aceleração/desaceleração.

A pista central das Marginais encaixa-se perfeitamente nessas quatro características, que precisam ser todas atendidas para que a via seja considerada “de trânsito rápido”.  Mas o tráfego de ônibus se dá na pista local. Será que ela também atende aos quatro requisitos? Sem semáforos? Ok. Sem cruzamentos? Ok. Sem faixas de pedestre? Ok. Mas e a acessibilidade direta aos lotes lindeiros?

A primeira coisa que pensamos é sim, as grandes lojas, shoppings, postos de gasolina e churrascarias que estão ali todas tem entrada e saída com curtas pistas de aceleração e desaceleração, como nas rodovias. Mas fazendo uma rápida navegação no Google Maps, percebemos pelas fotografias das ruas (Street View) que há, sim, “acessibilidade direta aos lotes lindeiros”. Há muitas entradas de garagens e estacionamentos sem as tais pistas de desaceleração. Selecionamos seis delas, apenas para exemplificar, mas existem muitas outras. E olhamos apenas no trecho onde está sendo implementada essa primeira faixa exclusiva de ônibus: entre a Ponte das Bandeiras e a Aricanduva. Veja aqui: um, dois, três, quatro, cinco, seis.

Portanto, a proibição para bicicletas citada pela CET nas pistas locais das Marginais simplesmente NÃO EXISTE. A lei garante a circulação de bicicletas ali. E também obriga o órgão de trânsito com circunscrição sobre a via, por um acaso a própria CET, a “promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas” (art. 24, inciso II). Obrigação à qual a CET está se furtando ao declarar que bicicletas não devem circular nessa via e ao se omitir de sinalizá-la para que os ciclistas venham a ter segurança com a nova exclusividade de circulação para os ônibus na faixa da direita.

A recomendação e seu significado

Depois de proibir a bicicleta onde ela não é proibida, a resposta da CET afirma haver uma recomendação de que os ciclistas “devem utilizar apenas os caminhos e rotas onde a velocidade máxima permitida para carros não ultrapasse 50 km/h”.

Em primeiro lugar, essa seria uma recomendação do Plano Diretor, ou seja, uma recomendação de como a cidade deve ser planejada, mas não uma recomendação de conduta de seus cidadãos. Em segundo lugar, claro que é recomendável que ciclistas evitem as avenidas, isso até o Vá de Bike recomenda. Mas daí a se omitir de protegê-los quando fazem esse uso, é um pouco demais. É deixar que as pessoas tenham sua vida colocada em risco para provar um ponto de vista.

Além disso, a Companhia, mais uma vez, ignora o fato de que os ciclistas continuarão utilizando as grandes avenidas, por representarem, em São Paulo, os caminhos mais curtos e planos, já que são construídas quase sempre em fundos de vale, acompanhando o caminho de antigos rios e córregos, ou sobre espigões igualmente planos, como é o caso da Avenida Paulista.

A CET ignora ainda as estatísticas, tanto as de mortes de ciclistas, que demonstram que os locais onde eles mais correm risco hoje são justamente as avenidas, quanto as de utilização, que mostram claramente que as bicicletas circulam em profusão por esses lugares. É o que mostra, por exemplo, a contagem fotográfica realizada pela Ciclocidade em 2010. Naquela ocasião, foram fotografados 733 ciclistas na Av. Paulista em um espaço de 16 horas. A média de 52 ciclistas por hora equivale a praticamente uma bicicleta por minuto.

Veja nossa explicação sobre por que os ciclistas utilizam as grandes avenidas, especialmente a justificativa para o uso da Avenida Paulista, que mais uma vez a CET tenta nos negar.

Novamente: a legislação de trânsito garante o uso da Avenida Paulista pelos ciclistas e a CET está se furtando à obrigação de garantir a segurança dos ciclistas naquela via. Omitir-se quanto À faixa que os ciclistas devem ocupar é fechar os olhos para o problema que hoje eles já enfrentam e que será agravado com a faixa exclusiva: na direita, são mal recebidos pelos motoristas de ônibus, que acreditam que não deveriam estar ali; na segunda faixa, são agredidos pelos motoristas dos automóveis, que se sentem nesse direito ao ver um ciclista “no meio da rua”.

Oficializar a exclusividade da faixa de ônibus sem esclarecer aos motoristas e ciclistas onde as bicicletas devem circular é estimular situações de conflito, que podem resultar em condutas agressivas de quem dirige, com sequelas, mutilações e mortes de quem está fora do carro. Omitir-se também é se responsabilizar.

Além disso, o órgão de trânsito mostra certa bipolaridade ao recomendar que ciclistas não utilizem avenidas, já que sinalizou uma “bike box” na Av. Rebouças, incentivando o uso da bicicleta nessa via. Vale lembrar que a Rebouças é justamente uma avenida que os ciclistas evitam, pela impaciência e pressa dos motoristas que circulam por ali, preferindo utilizar vias paralelas como a R. dos Pinheiros.

Ciclofaixa de Lazer na Zona Sul da capital Paulista. Foto: Carlos Aranha
Ciclofaixa de Lazer é boa solução para os finais de semana. Mas e os outros dias? Foto: Carlos Aranha

Bicicleta é só para o domingo

Afirmar que a sinalização da estrutura de lazer presente na Avenida Paulista constitui-se na regulamentação do uso de bicicletas nessa via é afirmar que ciclistas só são aceitos por ali naquele dia e horário específicos. É endossar o que a sinalização, que cita apenas os domingos e feriados, já deixava nas entrelinhas: bicicleta, por aqui, só para passear. Só no domingo. Durante a semana, o ciclista aqui é um clandestino, um obstáculo ao fluxo que não deveria estar aqui.

Esse posicionamento serve de endosso para o comportamento agressivo de muitos motoristas, que vêem a bicicleta apenas como um equipamento esportivo e de lazer, recusando-se a reconhecê-la – e a aceitá-la – como o veículo que a lei de trânsito garante ser. Além de compactuar com os maus motoristas que cometem atitudes criminosas contra quem utiliza a bicicleta naquela via, o órgão fecha os olhos e lava as mãos para o que acontece ali, omitindo-se de sua obrigação de proteger TODOS os cidadãos que trafegam em suas vias, conforme definido na Lei Federal que regulamenta o trânsito, o CTB.

CET precisa se posicionar

Thiago Benicchio, diretor geral da Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade), afirma que o órgão deve se posicionar oficialmente quanto ao uso das avenidas da cidade pelos ciclistas. “Precisa haver uma definição das autoridades de onde a bicicleta deve circular na paulista, mas não podem ficar sem se posicionar claramente sobre o uso de avenidas e também sobre qual faixa deve ser usada pelos ciclistas quando há faixa de ônibus à direita”, declara. “Apenas ‘recomendar’ que não usem é se isentar da sua responsabilidade de organizar o trânsito e de garantir a segurança de todos os usuários”.

Para Benicchio, uma ótima novidade seria “uma ação para estimular de verdade o compartilhamento da faixa de ônibus com o ciclista na Paulista”. E esclarece: “a faixa exclusiva é boa para o transporte público, mas dificulta a circulação do ciclista e reforça a ideia do motorista de ônibus de que a faixa é só dele”.

Ainda em estudo

A CET esclarece que, por enquanto, “não existem projetos concluídos para implantação de faixas exclusivas na Marginal Pinheiros e Avenida Paulista”. E afirma que ainda serão feitos estudos de viabilidade, “que levam em consideração a quantidade de ônibus que circulam pelo local, para verificar a possibilidade de ampliação das faixas e corredores exclusivos para outros locais”. Informações mais detalhadas sobre os novos projetos serão divulgadas apenas após uma análise criteriosa da operação na Marginal Tietê.

Portanto, apesar de estarem negando oficialmente o direito de circulação na pista local da Marginal Tietê ao implementar a faixa exclusiva por ali, ainda terão tempo para pensar melhor no que estão querendo impor aos ciclistas da cidade.

Aumentar a eficiência do transporte público é importante, claro. Mas não ao custo de aumentar o risco de morte para os demais usuários da via.

35 comentários em “CET quer ciclistas fora das avenidas de São Paulo

  1. Acho que tentativas de conversa com CET sempre foram frustradas, não dá resultado… assim como os políticos, fazem pouco caso dos ciclistas. Solução: protesto / manifestação.
    Sugiro manifestação lá em frente a cet na Avenida Nacoes Unidas, 7203 – Alto de Pinheiros o mais rápido possível.
    Sugiram data e horário.

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  2. Vias de até 50? Aquelas ruas de 30 que passam a 70 pq ñ tem fiscalização?
    Que rua de “até 50” eu pego pra ir do centro pra ZN? E da ZL pra ZS sem ficar dando volta em círculos? Nada como empurrar o problema pra debaixo do tapete e lavar as mãos.

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  3. Arrá! 3 youtubes do Seminário da Fecomercio sobre mobilidade urbana, linkados no sítio do Ciclocidade: http://www.ciclocidade.org.br/noticias/na-midia/448-seminario-da-fecomercio-sobre-mobilidade-urbana

    Num deles, o primeiro da lista, falas do Thiago, do Ciclocidade, e de Ana Odila de Paiva Souza, diretora da Secretaria de Transportes de Sampa. Ela se diz uma pessoa otimista, prevendo que em, cito: “cinco anos podemos podemos considerar que vai ter gente andando de bicicleta [grifo] em todo o sistema viário [/grifo].”

    Bão, que dá uma baita vontade de, dia sim dia não durante esses 5 anos, cobrar da SMT e da CET as condições objetivas pra tanto otimismo, dá, não dá?

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