O atropelador de ciclistas assiste ao depoimento de uma de suas vítimas. Foto: Lívia Araújo

Atropelador de ciclistas de Porto Alegre é condenado a quase 13 anos de prisão

Saiba como foi o julgamento do homem que avançou com o carro sobre uma multidão com centenas de ciclistas em 2011, atingindo 17 deles.

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Após um julgamento dividido em dois dias e que chegou a mais de 20 horas de duração, o bancário Ricardo José Neis, de 52 anos, foi condenado a 12 anos e 9 meses de prisão em regime fechado, por 11 tentativas de homicídio triplamente qualificadas e 5 lesões corporais dolosas. O crime ocorreu em Porto Alegre em 25 de fevereiro de 2011, quando Neis deliberadamente jogou seu carro contra 150 ciclistas que participavam da massa crítica, pedalada mensal que ocorre toda última sexta-feira do mês em centenas de cidades ao redor do mundo.

Apesar da condenação, o réu tem o direito de apelar da sentença decidida pelo júri em liberdade, já que também aguardou o julgamento em liberdade nos quase seis anos esperados com ansiedade pela sociedade gaúcha. Segue mantida a suspensão do direito de dirigir.

As imagens do crime chocaram o mundo. A cada depoimento dado pelas 10 testemunhas de acusação, todas vítimas do atropelamento, o flagrante em vídeo era reiteradamente exibido, para que se reconhecessem nas imagens. Algumas das vítimas, ao rever o vídeo, choraram ao relembrar o trauma.


Estratégias claras

Durante a audiência, as estratégias de cada uma das partes estavam bem delineadas. Por parte da acusação – feita pelos promotores Lúcia Helena Callegari e Eugênio Amorim, em nome do Ministério Público -, a linha era de que Neis sabia do risco de matar as pessoas e, apesar dos avisos reiterados de que havia crianças e idosos no passeio, ele não queria ter seu trajeto interrompido pela Massa Crítica. Sua pressa e egoísmo o moveram adiante, produzindo a tragédia conhecida pelo mundo inteiro.

Já por parte da defesa, feita pelo advogado Manoel Castanheira, a tese envolvia desqualificar a legalidade da Massa Crítica, que ele alegava desrespeitar as leis de trânsito e o uso de “equipamentos de segurança obrigatórios” – imputando, portanto, a culpa do ataque aos próprios ciclistas. Castanheira também tentava provar que alguns ciclistas haviam cercado o réu, o provocando e atentando contra sua segurança e que, por desespero, Neis teria tentado fugir do local, causando o incidente.

No momento do crime, Neis estava acompanhado do filho, à época com 15 anos. O réu alegou não ter chamado o rapaz a depor para não expô-lo, mas o motivo pode ter sido outro: em 2011, em entrevista ao jornal Zero Hora, seu filho afirmou que seu pai era quem havia iniciado a discussão.

Durante seu depoimento, Neis disse que fugiu para a própria segurança dos ciclistas, tentando atingir o menor número possível de pessoas.

O atropelador de ciclistas assiste ao depoimento de uma de suas vítimas. Foto: Lívia Araújo
O atropelador de ciclistas assiste ao depoimento de uma de suas vítimas. Foto: Lívia Araújo

Testemunhas de acusação

As 10 testemunhas de acusação deram suas versões sobre o fato, tendo de responder à defesa se conheciam as leis de trânsito e se tinham visto Neis discutir com os participantes da Massa.

O programador de informática Thiago Pires descreveu Neis como “possuído de ódio”. Quando o rapaz disse ter sido atropelado – ele não foi atingindo diretamente pelo Golf preto de Neis, mas sim ferido pelo guidão de uma bicicleta, o advogado perguntou: “você foi atropelado?”. “Não. Uma bicicleta voou em cima de mim”, respondeu, provocando risos entre os presentes, e a irritação do advogado.

Testemunhas de defesa

Somente três testemunhas foram convocadas pela defesa. Uma delas, o perito que trabalhou no caso, teve de ser dispensado pois só poderia depor como “informante”, segundo o juiz. Um erro estratégico da defesa.

Outra testemunha foi o delegado de trânsito que se encarregou do caso, há cinco anos. Apesar de ter dito que a Massa Crítica não avisara às autoridades sobre o passeio, não conseguiu se lembrar do depoimento que Neis dera posteriormente.

A terceira testemunha foi um técnico especializado em trânsito, que se limitou a tentar desqualificar as multas do réu, minimizando sua gravidade. Neis já foi multado por excesso de velocidade, trafegar sobre a calçada e na contramão, entre outras acusações. O réu também tem uma ficha criminal por agressão contra duas ex-namoradas. Ao ser inquirido pela promotoria sobre essas ocorrências, chamou as mulheres de “loucas”. Em março de 2011, Neis chegou a ficar alguns dias no hospital psiquiátrico Parque Belém quando teve sua prisão preventiva decretada, e logo depois foi transferido para o presídio Central, onde ficou cerca de um mês antes de ser liberado por um habeas corpus.

Se ao falar à defesa Neis aparentava certa calma, quando passou a responder à acusação começou a mostrar sinais de irritação, interrompendo a fala da promotora Callegari e posteriormente se recusando a falar com ela. Depois, também se recusou a responder ao promotor Amorim, diante de questões como “isso tudo aconteceu apenas com seu carro ou com algum outro também?”, ou quando foi mostrado o laudo do Instituto Psiquiátrico Forense que o aponta como “ansioso”, “indiferente” e cita abuso de álcool. Indignado, Neis se limitou a dizer que o documento era “falso”.

Arrependimento?

A última pergunta feita pela promotora Callegari foi: “o senhor se arrepende de ter passado por cima daquelas pessoas”? Neis ficou em silêncio. O fato foi usado na peça de acusação, e Callegari disse: “Eu esperava humidade, arrependimento. Eu esperava que ele falasse ‘desculpe-me ciclistas! Desculpe-me sociedade’.” Neis havia perdido a oportunidade de comover o júri.

Em sua fala final, a defesa pediu, se não a absolvição do atropelador, ao menos que as acusações fossem todas transformadas em “lesão corporal”, o que transformaria a pena em prestação de serviços e o livraria da prisão já que, segundo Castanheira, o réu “não saiu de casa para matar”.

Recolhidos a uma sala secreta para decidir o veredito, os sete jurados levaram apenas meia hora para proferir a decisão pela culpabilidade de Neis. A pena, que a promotoria queria que fosse de 25 anos, foi reduzida à metade pelo juiz.

A defesa informou que recorrerá, pedindo a anulação do julgamento; a promotoria também, pedindo aumento da pena. Enquanto a justiça não decide, Neis aguardará no conforto de seu lar.

Massa Crítica

Outras vítimas do atropelamento e ciclistas da comunidade assistiram a todo o julgamento. Quando o veredito foi pronunciado, tanto os que estavam dentro da sala de audiência quanto os do lado de fora do tribunal, que aguardavam com suas bicicletas estacionadas, celebraram a decisão. Hoje (25), última sexta-feira do mês, como em todos os meses em Porto Alegre, é dia de Massa Crítica. Que tudo corra bem.

Não foi acidente!

Entenda o caso

Em 25 de fevereiro de 2011, o bancário Ricardo José Neis avançou com o automóvel sobre 150 ciclistas que participavam da Massa Crítica de Porto Alegre e que, ironicamente, pediam por mais respeito no trânsito.

Com seu filho dentro do carro, o atropelador atingiu 17 pessoas, o que resultou em um processo inicial de 11 tentativas de homicídio triplamente qualificadas e cinco de lesão corporal (um processo a menos do que o total de atingidos).

As chamadas “qualificadoras” das tentativas de homicídio são motivo torpe (Neis teria se irritado por ter a passagem bloqueada pelo grupo, o que foi confirmado por dezenas de testemunhas), meio que dificultou defesa das vítimas (o homem esperou ganhar distância do grupo para então acelerar e atingi-los pelas costas) e perigo comum (já que o crime poderia ter causado ainda mais dano). Além dos 150 participantes da pedalada, havia transeuntes, crianças e moradores do bairro Cidade Baixa, de onde o passeio sai mensalmente.

O caso ganhou grande repercussão nacional e internacional, gerando reações em diversas cidades do mundo.

Conceitualmente, a tentativa de homicídio foi contra todos que estavam ali, embora apenas dezessete tenham sido atingidos. Naquela noite, Ricardo Neis só não matou ninguém por pura sorte.

Não podemos deixar esse crime cair no esquecimento

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5 comentários em “Atropelador de ciclistas de Porto Alegre é condenado a quase 13 anos de prisão

  1. Falta de educação entre ambas as partes e consentimento de que no trânsito, todos que encontram sob rodas devem dividir o mesmo espaço. Excelente resumo do caso e atual para quem depende da bicicleta como meio de locomoção e lazer.

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  2. Pode ter saído sem vontade de matar ninguém, mas fazendo uma imprudência, se assume o risco de matar alguém, que fica difícil de acreditar nessa fala da defesa pois se recusou a responder se estava arrependido ou não, podendo minimizar o lado dele, ainda mais que em entrevista do próprio filho a uma mídia, falando que o próprio pai que começou a discussão, levando a acreditar que não queria “perder tempo” atrás de ciclistas.

    Eu já percebi umas vezes que existe motorista que se incomoda quando eu estou pedalando na mesma velocidade dos carros ou um pouco menos e depois eu alcanço e ultrapasso por causa do trânsito parado ou mais lento à frente.

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