Assédio a ciclistas também faz vítimas nas ruas
Conheça a história de Vivian, que foi atropelada propositalmente por um motorista que a assediava, e saiba como a sociedade ainda tolera um comportamento que influencia diretamente no direito à cidade.
Recebemos algum tempo atrás na lista de e-mails das Pedalinas – Coletivo Feminino de Ciclistas de São Paulo – mais um relato triste e repugnante sobre um problema que afeta muitas mulheres, tem consequências avassaladoras e que, infelizmente, não conseguimos discuti-lo com a seriedade e responsabilidade que merece: o assédio.
Você sabia que existem pessoas (entre homens e mulheres) que têm receio de encarar a cidade (seja a pé ou de bicicleta) pelo simples medo de serem assediados? De terem seus espaços invadidos com uma piadinha, gesto e até contato físico?
Pode parecer bobagem ou exagero, mas esse assunto é sério e exige reflexão constante. E talvez seja um dos temas mais difíceis e complexos de se discutir, exatamente em função de sua aceitação e tolerância social.
Nesses alguns anos pedalando e conversando com muitas mulheres, arrisco dizer que o assédio é – de longe – uma das principais reclamações e motivos de desestímulo das meninas. A quantidade de histórias que ouvimos e recebemos na internet chega a ser desanimadora.
Leia no blog das Pedalinas alguns posts interessantes sobre o assunto,
entre eles o “vai coisa gostosa” e toda a discussão nos comentários
Atropelamento proposital
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Preconceito contra ciclistas Pedalando nas ruas de forma segura Documentário mostra a relação de |
Escolhi hoje contar para vocês o que aconteceu com a Pedalina Vivian Souza. Ela é mãe, animada e bastante persistente por nunca ter desistido de andar de bicicleta. “Em 2010, quando eu estava pra desistir de usar a bike como meio de transporte em sampa, você disse em um dos encontros das Pedalinas que nós tínhamos que fazer a nossa parte pedalando, porque os motoristas só passariam a respeitar mais os ciclistas conforme fossem se acostumando conosco no dia-a-dia, e para isso era preciso continuar”, contou Vivian em uma das nossas trocas de e-mails.
A história a seguir é relatada com as palavras da própria Vivian que me autorizou a publicá-la na íntegra. Ela sofreu uma tentativa de assassinato, sendo atropelada propositalmente e tendo sérios ferimentos, por ter – pasmem! – reagido negativamente a um assédio na rua.
Com grifos meus:
Quarta-feira, 12 de Dezembro de 2012
Olá meninas!
Há tempos tenho tido saudades dos assuntos femininos ou não, q eram muito debatidos nesta lista, na maioria das vezes eu ficava nesta lista como espectadora, mas sempre filtrando e aproveitando muito. Hj em especial procurei e-mails antigos da lista sobre uso do capacete, que roupa usar para pedalar e o olhar masculino (machista) sobre a mulher andando de bicicleta. Como algumas de vcs devem saber eu fui atropelada na 2ª feira, e o fato de ter sido atropelada me faz nessa situação uma vítima!
Tenho recebido muitas felicitações por estar viva e que bom que estou me recuperando, mas desde antes do atropelamento até agora tenho ouvido muitos comentários machistas e maldosos, o que me deixa revoltada, tenho ouvido muitas críticas em um momento no qual eu esperava mais apoio e menos julgamento. Para quem me julga, eu não sou a vítima do atropelamento e sim a culpada, isto pq não pude ouvir calada uma gracinha soltada em alto tom pelo monstro que me atropelou. Dizem que se eu saí para pedalar de shorts curto eu já deveria estar preparada para ouvir asneiras na rua, e o fato de eu ter dado uma resposta ao motorista eu estava provocando e o induzindo a fazer o q fez.
Fico indignada com homens e ate mesmo mulheres que pensam dessa forma. Há momentos que fico sem argumentos, e simplesmente deixo essas pessoas falando sozinhas, pois acho q nao valerá discutir sobre! Quer dizer então que eu não tenho a liberdade de usar a roupa que eu quiser?!? Eu estou agredindo alguém usando um shorts curto em plena primavera quase verão, onde as altas temperaturas nos convidam a usar roupas mais curtas e mais confortáveis??
Me sinto como muitas vezes li nos e-mails da lista, como um pedaço de carne pendurada no açougue…Infelizmente, vivemos todas numa sociedade que não é livre. Homens e mulheres são reféns da violência, do vício, do fanatismo, da politicagem e da exploração. Mas o fato é que as mulheres sempre sofreram e ainda sofrem bem mais que os homens. Dizem que eu nao posso dar a minha vida, a minha cara a tapa para mudar o mundo! Se alguém souber me diga o q eu posso fazer, pq eu sei que o nosso mundo machista apesar de estar bem menos machista do que já foi ainda esta bem longe de ser uma igualdade entre sexos. Eu quero um mundo mais humano, mais igual!
Vivian Souza
De vítima para culpada
Primeiramente gostaria de agradecer à Vivian por permitir compartilhar a sua história aqui no Vá de Bike. Sinta-se abraçada por todos nós. Mais uma vez vou te falar o que já disse lá em 2010: NÃO DESISTA NUNCA! Pessoas como você fazem toda diferença no mundo e não podem se calar nem intimidar jamais. Força e conte com a gente!
De todos os relatos que eu já ouvi sobre assédio, esse foi um dos que mais me chocou porque, enfim, foi realizada uma tentativa de assassinato proposital. O motivo? Ela não ter silenciado, como muitas mulheres fazem, e ter respondido a uma abordagem invasiva e desrespeitosa.
“Acho que o que mais me abalou nessa situação toda foi a crítica recebida de quem eu realmente não esperava, algumas pessoas do meu convívio virem me dizer que eu, de certo modo, provoquei o verme que me atropelou. Isso me deixou muito indignada”.
Esse tipo de ocorrência é, infelizmente, bastante comum e atinge não só as mulheres que usam bicicleta, mas também as que andam a pé e até as que dirigem – mesmo sabendo que o carro muitas vezes tem justamente o papel de isolar e dar a falsa sensação de proteção para as pessoas. As respostas que vieram na sequência do e-mail da Vivian são a prova concreta disso, praticamente todas de meninas que já sofreram algum tipo de abordagem incômoda da qual não reagiram por medo de represália.
Assédio ou Elogio?
Sempre, SEMPRE que abordamos esse tema em qualquer roda de discussão, a conversa cai num ponto bastante delicado, normalmente questionado por homens: como diferenciar o que é assédio de uma simples paquera, elogio, contemplação ou até mesmo uma brincadeira (ainda que de mau gosto)?
Essa pergunta é bem difícil e não tem uma resposta muito clara (me ajudem a respondê-la nos comentários deste post). Particularmente, costumo responder essa questão com uma outra: o que você acharia se a mesma abordagem, palavras ou gestos fossem feitos ou ditos para alguém que você ama (sua mãe, irmã, namorada, amiga)? Como você reagiria se visse/ouvisse alguém fazendo a mesma coisa com elas? A resposta dessas perguntas parece ser um bom começo para tentar achar uma saída ao questionamento inicial.
Claro que é possível – e bastante saudável – que as pessoas interajam nas ruas. Inclusive porque essa é uma das melhores características da bicicleta, ao ‘expor’ e mostrar quem pedala sem filtros, como sendo alguém normal, de carne e osso, permitindo ver (e comentar) sobre sua roupa, postura, cor dos olhos, corte de cabelo.
Em geral, gostamos de elogios, de sermos reparados e até paquerados. Essas interações sociais humanizam as relações, criam vínculos e pacificam as ruas tão frias, hostis, impessoais e violentas das cidades, na medida em que se passa a enxergar no outro alguém como você.
A diferença entre as abordagens está justamente no tom e intenção que ela é proposta. O mesmo “bom dia” pode ter insinuações bastante distintas, assim como as suas respostas. A relação se estabelece a partir dessas “reações” que vão sendo construídas no processo, sejam elas faladas ou não. Ou seja, o limite de um acaba quando começa o do outro. Se a pessoa não se mostrar interesse no comentário, elogio, olhar, palavra e até na piada, dificilmente se estabelece alguma relação saudável a partir daí.
Mas esse tal limite e bom senso são sempre uma variável bastante pessoal, intangível e ligadas à questões histórico-culturais-educacionais, inclusive quando se fala nas atitudes das mulheres.
A postura delas diante da sociedade também é um terreno bastante complexo, visto que na mesma medida que conquistamos o direito de simplesmente fazer o que quiser com os nossos próprios corpos (usando burca ou biquíni, guardadas as devidas questões religiosas e culturais), nos tornamos também as principais responsáveis pelas atitudes dos outros sobre nós mesmas. Ou seja, se uma mulher que aparece seminua em um programa de TV, rebolando e fazendo o uso comercial do seu corpo, ela passa a ser fatalmente a responsável por tudo que acontece a partir disso, desde propostas de emprego até assédios e agressões.
Vítima ou Culpada?
No caso da Vivian, por exemplo, dizer que ela provocou a reação do seu agressor por pedalar com um short curto em pleno verão de 40 graus de um país com clima tropical é algo que beira a estupidez. O mesmo país que sabe apreciar as belezas do nu durante o carnaval, vendendo-as e sendo internacionalmente conhecido por elas, é também claramente mal resolvido com a questão do corpo. Nele, as mulheres ainda são culpadas pelo próprio estupro, porque “provocaram” a reação primata de seres incontroláveis que não sabem lidar com seus próprios hormônios.
Se existem alguns cuidados que nós, mulheres, precisamos tomar enquanto andamos na rua, é sinal de que não somos livres o suficiente para fazer as nossas vontades, por que alguém ainda tem o poder de cercear qualquer direito.
É mais ou menos o tipo de sensibilidade que precisamos ter quando vamos passar pela cracolândia ou no minhocão de madrugada: ninguém pode te impedir, mas é preciso avaliar os riscos. Só que em vez do viciado, craqueiro, “nóia” querendo dinheiro pra manter o vício, temos que lidar com pessoas invadindo nossos corpos e ouvidos, tomando para si uma liberdade que não lhe foi concedida, mas que por convenção social nos acostumamos a achar corriqueiro e comum.
Vamos discutir esse assunto?
A história da Vivian é só um dos exemplos utilizados para ilustrar os sintomas de um problema muito grave e que atinge milhares de pessoas diariamente. A intenção é continuar discutindo e trazendo para cá outros olhares sobre a mesma questão. Se você já passou por situação parecida, conte aqui nos comentários, ainda que de forma anônima.
Enquanto o assédio ainda for tratado sem seriedade entre homens e mulheres, muito menos pessoas deixarão de usufruir as ruas e o espaço público. A “segurança no trânsito” que tanto pedimos passa também pelo respeito e cuidado que temos pelo outro.
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Assédio é um trem muito chato. Uma pena que a expressão de nossa sociedade ainda seja patriarcal/machista, onde mulheres devem pertencer a alguém e/ou ter um comportamento especifico para ser respeitadas… Isso é insano nos dias de hoje e é um absurdo o que ocorreu com Vivian. Esse fato me remete a situação do estupro coletivo de meninas indianas. A diferença entre uma paquera e um assédio é muito claro. Após um “não” em uma abordagem, se houver persistencia torna-se assédio. Agora, após um “não” vir um atropelamento isso é outra coisa. Isso é bullyng do pior tipo. Isso é a expressão e reforço que se “vc não me serve, então merece ser punida”… me remete a frase de um politico famoso que disse “estupra, mas não mata”… Uma infelicidade o que ocorreu. Culpabilizar a vitima é mais absurdo ainda… Porque é tão dificil das pessoas entenderem que a minha liberdade não pode suplantar a sua liberdade… Não, não gosto de ouvir assovios, palavras de baixo calão e gracinhas… Me respeite.
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Em janeiro fui tirar satisfações de um cidadão que tirou fina de mim e a primeira coisa que ele disse era que estava de saia andando em zigue-zague na rua. Eu estava apenas ocupando o meio da faixa da direita na Rua Groenlândia e estava com um vestido que vai até o meio da canela. Eu até hoje não consegui entender pq ele quis tirar uma “fina educativa” se estava “preocupado” com o meu bem-estar caso eu caísse da bicicleta. E o melhor de td é que tinha uma mulher no carro com ele, não sei se era sua esposa, mas que beleza poder presenciar tamanha atitude machista! Lamentável.
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Aqui em BH criamos a Massa Crítica feminista , para deliberar sobre este tema e outros sofridos pelas ciclistas, infelizmente até dentro do movimento pro bike vimos muito discurso patriarcal , o que propomos nas nossas ações é mostrar o outro mulher, negro , gay , trans … toda a marge que é oprimida… infelizmente a luta ainda é longa!
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Muito triste. A situação é pior de q eu imaginava.
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Vendo os comentários eu percebo o quanto os homens são uma raça maldita mesmo.
País muito machista o nosso, me lembra a Índia.
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Acho um absurdo assedio em qualquer sentido ainda mais quando se está praticando uma atividade onde buscamos um momento de Paz. Já tive amigas que tombaram de suas bikes devido uma passada de mão e eu mesmo sendo homem já sofri assedio só pelo fato de estar vestido com roupa de ciclista.
Como muitos escreveram a solução é Educação e Fraternidade, mas em uma sociedade que tem valores distorcidos onde os meios de comunicação,ou mesmo musical, deturpam a imagem feminina, isso tudo não irá mudar.
Espero sinceramente que a mentalidade do nosso povo mude e passe a ver os ciclistas(mulheres e homens) como criaturas humanas e que merecem seu devido respeito.
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tem algumas frases que gosto de refletir sobre esse tema:
Não faça com o outro o que não gostaria que fizessem com você
Gentileza gera Gentileza
Independentemente das frases, se o cara não tem educação, o cara não tem nada. Outro ponto muito bem levantado, não temos punição pra nada, se o cara mata outra pessoa e não tem policial vendo isso, não é flagrante então o cara pode ser solto. A partir do momento que fazer merda, matar alguém, descumprir as regras começar a ter punição de verdade ai a galera para. Um exemplo real, banal, mas que funciona: Quando pequeno, eu queria muito um dinossauro, mas minha mãe não tinha dinheiro, estava na loja, o dinossauro era pequeno então eu peguei. Eu era pequeno e não sabia o quanto valia exatamente, mas eu queria o dinossauro. Só que minha mãe viu que eu peguei e ela me deu um tapa na mão e me fez não só devolver no lugar mas devolver pro dono e pedir desculpas e voz alta pra todo mundo ouvir. Como eu reclamei depois, levei um tapa na boca. Muitos podem achar que minha mãe foi exagerada, nervosa de mais, entretanto eu agradeço, pois se ela não tivesse feito isso, eu poderia ter continuado roubando e pior afrontando ela.
O cara rouba e mata, por que ele sabe que se for pego no maximo fica 30 anos, mas como ele se comporta la dentro, como ele faz varias amizades la dentro e como la dentro ele não trabalha e ainda ganha comida e tal, ele nao se importa. Ele ainda tenta fazer algo ruim de verdade, vai que vira filme né!
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Correção: a cicliista quase assassinada, pois pelo que entendo ela foi atropelada. Desculpe a confusão.
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Aline… muito obrigada por essa materia… estou emocionada de ver que alguem compartilha da minha “revolta”. Com 13 anos, andando na rua para comprar um sorvete, em plena Vila Madalena em SP fui assediada fisicamente…. a partir dai nunca mais me senti segura pra andar na rua…. escolhi na bike mibha solução. Pq na vike me sentia segura, ninguém me alcançava… mas o ciclo dos 18 anos, carta de motorista, carro e tal mudou tudo e retornei ao medo. Há poucos anos, retorbei á bicicleta… comecei aulas de jiu jitsu de defesa pessoal…. me tornei autoconfiante novamente. Jurei pra mim mesma que nunca mais usaria a fantasia de vítima. É isso que faço, todos os dias… pq todos os dias aparece uma batalha contra o assédio… mas agora eu não fico quieta. O mais “engraçado” é ver a atitude covarde do assediador, finge que não é com ele, tenta induzir que estamos exagerando…. querido assediador: o corpo é meu, o limite eu imponho, me respeite.
Parabéns, Aline… amei…
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