Cicloturismo na Serra Catarinense: subindo a Rio do Rastro e descendo a Corvo Branco
Uma viagem fascinante pela Serra Catarinense de bicicleta, onde encarei a maior subida da minha vida. Veja o relato e as fotos.
Em 2005, fiz uma cicloviagem maravilhosa na Serra Catarinense. Então fiz um texto que me fizesse lembrar dos pequenos detalhes da viagem, das emoções que senti pelo caminho. Cada vez que leio esse texto, me sinto lá de novo.
Foi uma viagem de 285km em dois dias, feita por três pessoas (Willian Cruz, Bruno Gellert e Denny Sachtleben). No primeiro dia, rodamos 170 km, saindo praticamente do nível do mar para cerca de 1.500 m de altitude, na Serra do Rio do Rastro (SC). No segundo dia, rodamos 115 km, com uma longa e maravilhosa descida de serra em estrada de chão (Serra do Corvo Branco).
A preparação em Floripa
Correria! Era meu último dia em Florianópolis e eu ainda tinha um monte de coisa pra fazer.
Primeiro tive que preparar a “mudança”. Eu estava morando há 10 meses em Florianópolis a trabalho e o quarto do hotel já havia virado minha casa. Por isso, arrumar as malas foi bem complicado, já que eu tinha mais coisas para levar do que conseguiria carregar. Mesmo abrindo mão de alimentos e itens de higiene, precisei de criatividade e paciência para conseguir encaixar tudo nas duas únicas malas que eu tinha.
Depois ainda tive que ir comprar sapata de freio, pois sabia que desceríamos a Serra do Corvo Branco, toda em terra, e estava com medo que as sapatas que eu tinha não dessem conta. Eu mesmo instalei e regulei os freios. O câmbio parecia bem regulado, então não me preocupei.
Também tive que arrumar a mochila que iria levar na cicloviagem (naquela época ainda não tinha descoberto a magia dos alforges). Já fazia alguns dias que eu vinha planejando o que levaria: sempre que eu lembrava de alguma coisa que seria bom levar eu anotava, para não esquecer de nada. Depois foi só descartar algumas coisas que poderiam ser consideradas dispensáveis. Afinal, não cabe muita coisa numa mochila.
Foi corrido fazer tudo isso, mas com planejamento prévio deu pra cumprir o horário. Bem em cima, mas deu.
De ônibus até Tubarão
Deixei as malas e o mala-bike vazio no hotel, com a intenção de pegar no domingo antes de ir para o aeroporto. Até pensei em levar o mala-bike, para evitar problemas com a bike na rodoviária, mas teria que levá-lo nas costas, amarrado na mochila – o que era impraticável devido ao seu peso e tamanho e à ausência de um bagageiro na bike. Eu também poderia colocar a bicicleta nele e pegar quatro táxis, entre a ida e a volta de Floripa a Tubarão, mas é óbvio que optei por ir pedalando e sem o trambolho!
Coloquei a mochila nas costas e pedalei para a rodoviária debaixo de uma chuvinha fina, que chovia mais de baixo para cima que de cima para baixo. É, eu ainda não usava paralamas naquela época, instalei assim que voltei a São Paulo. Ainda bem que era perto, senão eu ia ter que pegar o ônibus todo sujo.
O Denny já estava me esperando na rodoviária e já tinha comprado as passagens, o que deu um adianto. Na hora de embarcar as bikes no ônibus, aquela ladainha do motorista: “não vai ter espaço”, “não cabe bicicleta aí”, “o ‘ferro’ delas vai rasgar as malas”, etc. Esperamos o motorista extremamente antipático da Viação Catarinense colocar todas as bagagens lá e ainda sobrou UM TERÇO do bagageiro sem mala nenhuma, o que quebrou seus argumentos. Com boa vontade, teria sobrado até dois terços.
Colocamos as duas bikes no bagageiro, fisicamente separadas de todas as outras bagagens. O motorista “amigo” nos ajudava o tempo todo, com frases motivadoras como “anda logo aí” e “vocês estão atrasando o ônibus”, supervisionando nossos esforços com as sobrancelhas franzidas. Embarcamos e ocupamos nossos assentos, para ter ainda que esperar por mais dez minutos até ele ligar o ônibus e sair (ué, não era a gente que estava atrasando o ônibus?). Deveríamos ter formalizado uma reclamação.
Mas não nos estressamos: a expectativa da viagem superava essa pequena amolação de tal modo que nem demos atenção. E também não foi tão ruim assim, afinal embarcamos as bicicletas sem nem precisar embalar. Deitamos uma por cima da outra e boa.
Chegamos em Tubarão depois de pouco mais de duas horas de estrada, com um pouco de chuva no caminho. Como eu estava decidido a fazer a viagem mesmo com chuva, não me preocupei.
O Bruno já nos esperava na rodoviária. De bike, claro. Fomos até a casa dele largar as mochilas e partimos para um rodízio de pizza. O tempo em Tubarão estava bom e aproveitamos para dar uma volta na cidade.
Tínhamos que dormir cedo para descansar bem para o desafio dos próximos dois dias. Mas claro que só fomos dormir lá pelas duas da manhã.
Rios, pontes, chuva e barro
A ideia era sair bem cedo, mas como fomos dormir tarde acabamos saindo só às 8, tendo dormido apenas 5 horas. Ainda paramos em uma padaria para forrar o estômago e, depois de um trecho de asfalto, entramos em uma estradinha de lajotas em direção a Lauro Müller.
Uma chuva fina, mas constante, nos acompanhou por horas. Era o primeiro dia do mês de outubro e eu ainda iria descobrir que o clima no planalto era de frio, chuva e muita neblina. Seguíamos margeando o Rio Tubarão.
No início dessa estrada precisamos ir pela calçada, porque a via era estreita, de pista dupla e com calçamento muito ruim, cheio de buracos e poças de lama enormes. Mas chamar aquilo de calçada era um tremendo elogio, porque em alguns pontos estava mais para um single track, com terra e mato.
Desviando de muitas poças d’água, alguns buracos e saindo eventualmente para a rua para respeitar um ou outro pedestre que aparecia, já começamos a ser abençoados com a terra arenosa da região, que respingava para cima e nos salpicava de marrom. Mas quem está na terra é para se sujar. 🙂
Às 9:15 da manhã, uma paradinha rápida para comprar bananas no município de Pedras Grandes. A chuva começava a engrossar.
O lugar em que paramos era uma quitanda que tinha tudo quanto era fruta, por um preço muito baixo. Compramos bastante coisa e gastamos menos de um real! Comprei também uma maçã pequena, que comi pelo caminho. Estava tão doce e suculenta que depois me arrependi por ter comprado só uma. Eu não sou muito chegado em maçã, mas durante a viagem descobri que as dessa região são maravilhosas.
Fomos margeando o rio Hipólito, enorme e cheio de pedras. Essa estrada era bem legal, alternando subidas leves com algumas descidas boas. Vi uma ponte que parecia coisa do Indiana Jones e fiquei morrendo de vontade de atravessar, mas passamos batido. Daqui a pouco veja outra e eu só namorando de longe.
Nessa estrada encontramos a “pedra do He-Man”, que ficava em frente a um paredão de onde ela claramente havia caído, provavelmente há muito tempo:
Problemas mecânicos
Um pouco adiante o primeiro (e felizmente o único!) problema mecânico da viagem: minhas marchas atrás não passavam mais. Dava impressão que o cabo havia quebrado, mas suspeitei que não fosse isso porque já fazia uns 15 dias que toda vez que eu tomava chuva, as marchas mais pesadas não entravam. Eu devia ter levado para revisão, mas “não tive tempo”: tive que perder esse tempo no meio da viagem.
Viramos a bike e o Bruno mostrou seus conhecimentos de mecânica. O cabo estava bom, mas dava a impressão de que o câmbio não se mexia, como se estivesse travado. Ao soltar o cabo, o diagnóstico: o câmbio estava perfeito, o problema era que o último trecho de conduíte lá embaixo, já perto da roda, agarrou o cabo dentro dele e não o deixava mais ir e nem vir!
Com um pouco de esforço, o conduíte foi retirado e começou a sessão de limpeza. Ainda bem que eu tinha levado óleo e o Bruno um alicate, que foi útil depois na remontagem. Jogamos óleo no conduíte e assopramos até o óleo e o ar estarem saindo facilmente do outro lado. Passamos o cabo, remontamos no câmbio e o Bruno fez a regulagem, comigo e o Denny palpitando. “Mais pra fora! Mais pra dentro! Tá muito solto! Agora tá bom”.
Enquanto consertávamos, vimos passar um carro de boi que parecia ter saído de uma máquina do tempo. Era uma daquelas carroças em que até as rodas e o eixo eram de madeira, com um boi puxando. Pena que não deu tempo de sacar a câmera.
Bike consertada, tocamos adiante. Nessa brincadeira perdemos cerca de uma hora, tempo que faria falta no final do dia.
Partimos e segui avaliando a regulagem para ver se estava boa. Estava melhor que antes, embora longe da perfeição. Mas a catraca já tinha quase cinco anos de uso e uns 15 mil km rodados; a corrente era mais nova, devia ter rodado “só” metade disso. Ambas as peças foram aposentadas com honras ao mérito depois dessa aventura.
Seguimos adiante, até que o Bruno sugeriu que passássemos para o outro lado do rio… por uma ponte daquelas! Ótimo, vai render boas fotos! 🙂
A ponte
Passar nessa ponte foi muito legal. Só dá um pouco de receio na hora que você entra nela e a bike começa a escorregar: eu freava e ela continuava descendo, porque as tábuas molhadas estavam lisas. Se eu colocasse as duas mãos no guidão para me equilibrar, a manopla entraria nos buracos da rede lateral e aí era chão na certa; se descesse muito rápido, a roda poderia entrar nos vãos entre as tábuas, dos quais era preciso ficar desviando.
O jeito era manter uma das mãos no “corrimão” de arame para se equilibrar enquanto a bicicleta deslizava para o meio da ponte, porque diminuir a velocidade era difícil. Mas apesar de tudo a ponte era bastante segura, sendo praticamente impossível cair no rio mesmo se eu conseguisse tomar um capote lá no meio.
O erro de não ter almoçado
Do outro lado do rio havia uma plantação de couve-flor que eu, bicho de cidade que sou, achei muito bonita. Dez metros adiante, outra estrada de terra. Eram 10h40 e a chuva continuava. Estávamos fazendo um ritmo tranquilo, sem forçar, porque sabíamos que a subida da serra nos esperava. E não ia ser fácil.
Próximo a Orleans, a chuva deu trégua. Lá chegando, paramos para comer alguma coisa, já era quase meio-dia. Mandamos pra dentro uns salgados de uma loja de conveniência, que eu não sei se estavam bons mesmo ou se a fome é que era grande.
Demorou mais tempo do que esperávamos para chegar até ali, mas mesmo assim não quisemos almoçar porque estávamos na esperança de conseguir almoçar lá em cima, em uma churrascaria que o Bruno dizia que conhecia. A gente ia se arrepender dessa decisão mais tarde.
Paramos rapidamente em Lauro Müller às 12h30, para tirar algumas fotos e para que eu colocasse uma camiseta de algodão entre as duas camisas de ciclismo ensopadas, já que estava esfriando. Mal sabia eu o frio que ainda iríamos passar naquele dia. Essa foi nossa última parada antes da Subida (com S maiúsculo).
A maior subida da minha vida
Começamos a Subida meio que sem perceber ela chegando. Claro que percebíamos que estávamos subindo, mas ela só se tornou forte mesmo por volta das 14h, quando atingimos a camada de nuvens e entramos na neblina fechada.
A inclinação ficou bem forte e o chão passou a ter ranhuras para aumentar o “grip” dos pneus dos carros, principalmente em situações de gelo na pista – que não presenciamos, mas para a qual inúmeras placas alertaram desde o meio dessa subida até a chegada em Urubici (que por sinal ainda estava bem longe).
O esforço da subida nos salvava de sentir frio. A inclinação estava muito forte.
Li uma vez que as subidas fortes e longas são sempre um processo de negociação com a dor, onde você limita a velocidade da escalada pela dor que suporta sentir. Pra mim, isso nunca foi tão verdadeiro. Por pelo menos quatro vezes tive que parar devido a cãibras. Eu parava, alongava um pouco, pressionava fortemente a região dolorida por algum tempo – para que a circulação limpasse o ácido lático dali – e prosseguia imediatamente, para não dar tempo do corpo esfriar.
De Lauro Muller até o topo da serra, teríamos subido 1.200 metros. Eram apenas 15 km de estrada, mas para chegar aos mais de 1.400 m de altitude levamos cerca de duas horas, tanto pelo ritmo quanto pela necessidade de pararmos para nos recuperar do esforço. Afinal, antes dali já tínhamos pedalado pelo menos uns 70 km, boa parte em terra.
Caminhões travados numa estrada tranquila
Vimos dois problemas com caminhões no caminho, nenhum deles grave e sempre com a rápida intervenção da Polícia Rodoviária. O primeiro foi logo no começo da subida, com um caminhão do tipo “bitrem” que saiu com algumas rodas para fora da pista e não conseguia voltar sozinho. Ele havia nos passado uns 10 ou 15 minutos antes e, quando o alcançamos, a polícia ja estava lá, sinalizando para evitar algum acidente pior, já que o segundo “vagão” ocupava toda uma pista. Continuamos subindo e 15 minutos depois esse caminhão já nos passava novamente, seguindo sua viagem.
O outro acidente foi já próximo ao topo da subida, com um caminhão que não conseguiu ângulo para fazer uma curva “cotovelo” da estrada e empacou encostado num paredão de pedra, sem conseguir sair dali. A polícia também já estava lá, ajudando outros veículos grandes a fazer essa curva mesmo com o caminhão ali. Em alguns pontos dessa estrada vimos caminhões e ônibus “manobrando” para conseguir fazer algumas curvas, pois a pista era relativamente estreita e as curvas eram muito fechadas.
Neblina de cortar com a faca
A estrada não tem acostamento no caminho todo até lá em cima, apesar de haver vários refúgios ao longo da subida. Por sorte, ela não era muito movimentada (ao menos naquela época) e era muito silenciosa, o que nos possibilitava saber com boa antecedência, mesmo sob a forte cerração, quando um veículo grande estava subindo. Isso até nos permitia, nos trechos mais estreitos, parar de pedalar e aguardar encostados no guard-rail até que o caminhão ou ônibus passasse, sem nos colocar sob risco desnecessário.
Os faróis dianteiros e os piscas traseiros das bikes davam uma segurança adicional, nos tornando visíveis em meio à neblina e rendendo alguns toquezinhos de buzina amigáveis de carros e motos nos cumprimentando.
Logo no início da área de neblina, paramos em uma lojinha na beira da estrada para comer bolachas e barras de cereais que havíamos trazido. O dono da loja comentou que a cerração já durava 15 dias. Havia uma bica que trazia água pura de cachoeira, geladinha e deliciosa, onde enchemos os camelbaks e caramanholas. A cada pouco a estrada passava por essa cachoeira novamente, de um lado ou do outro da pista. Às vezes não era possível vê-la, apenas ouvi-la, porque a neblina era muito intensa.
A névoa nos impediu de ver a maravilhosa paisagem dali até o topo, pois era muito fechada. Em alguns pontos, a visibilidade não passava dos dez metros. No início da subida a névoa ainda era seca, mas conforme foi ficando mais forte ficamos ensopados com a umidade do ar. A pista toda estava molhada, era como garoa. Estávamos no meio das nuvens.
Perto do topo, passamos por uma turma que descia a pé no meio da neblina, a maioria acima dos 50 anos. Eles, que aparentemente desceriam a serra á pé, ficaram felizes em nos ver e se identificaram com nosso esforço, nos saudando com frases como “é isso aí, mostra que a gente pode!”. Foi um momento bem legal.
Chegamos ao topo!
A chegada ao topo, às 16h30 e com quase 100 km pedalados, foi uma das maiores vitórias da viagem! Havíamos vencido um obstáculo enorme, um desafio para poucos. Nos sentíamos ótimos!
A nuvem branca ainda era onipresente: ao nosso redor, acima, abaixo e mesmo dentro de nossos pulmões. Apesar de bloquear a maravilhosa vista do mirante e de tudo que estivesse a mais de 30 metros, a neblina não tirou a magia daquele momento único, em um lugar onde poucos chegam sem motores, onde cada um de nós havia vencido um grande desafio pessoal.
Cadê a churrascaria, Bruno?
Estávamos verdes de fome e nem sinal da tal churrascaria que o Bruno jurava que existia ali em cima. Paramos em um dos dois quiosques para comer, os únicos lugares para se alimentar em dezenas de quilômetros.
Havia dois cachorros grandes por ali: um muito tranquilo e outro que, com medo das bicicletas, tentava nos intimidar com um latido grosso. Nos aproximamos desmontados e a desconfiança do cão preto foi embora, substituída pela esperança de ganhar alguma comida.
Mas isso só durou até o Bruno esbarrar em um painel com um monte de souvenirs pendurados, que caiu com estardalhaço, rompendo o silêncio e a tranquilidade do lugar e fazendo o cachorro preto correr em disparada pelo meio da neblina, para ficar latindo por meia hora de uma distância que achou segura. Rimos muito, mas o cachorro medroso acabou ficando sem salame (ao contrário do seu parceiro).
Alongamos bem para relaxar os músculos cansados, enquanto decidíamos o que comer. Conforme o calor do exercício foi dissipando, começamos a sentir o frio que fazia ali e fomos vestindo nossas roupas mais quentes. Certamente fazia menos de dez graus.
Por incrível que pareça, não havia nada quente para comer ou beber no tal quiosque, nem mesmo um cafezinho! Pelo contrário, tudo estava gelado, afinal ali estava mais frio que dentro da geladeira aqui de casa. As únicas opções eram salgadinhos, bolachas, maçãs, queijo e salame. Detonamos uma peça de salame e meio tijolo de queijo, porque achamos melhor almoçar alguma coisa salgada já que a churrascaria-lenda-urbana não existia.
Que salame bom! E com a fome que estávamos e um queijinho para acompanhar, ficou melhor ainda. Sobrou um pedaço que eu embrulhei e levei, sem saber o quanto agradeceria por isso no caminho… Numa peregrinação dessas, a gente aprende a dar valor a pequenas coisas.
“Daqui até Urubici é só descida”
“E aí, vamos até Urubici para voltar pela Serra do Corvo Branco ou vamos dormir em Bom Jardim da Serra e voltar por aqui mesmo amanhã? Urubici está a uns 80km.” Não tivemos que pensar muito: íamos até Urubici.
Com o corpo frio, estávamos sentido a baixa temperatura que reinava ali no topo da serra. Colocamos mais blusas, tomamos um gel de carboidrato cada um, filamos um café quentinho no posto da Polícia Rodoviária e voltamos para a estrada. Estávamos com pressa, pois já eram 17h30 e logo iria escurecer, o que traria ainda mais frio.
Nessa hora o Bruno começou a dizer que os 80 km até Urubici seriam tranquilos: subida até Bom Jardim da Serra, depois só reta e descida. E nós acreditamos.
Pouco tempo depois, a neblina molhada se dissipou e pudemos apreciar novamente a paisagem. A estrada era muito bonita. Estávamos no topo do planalto e por isso a visão se estendia ao longe em vários trechos. Ladeando a estrada, araucárias e macieiras. Nessa época do ano, as macieiras estavam “peladas”, sem folhas ou frutos, seus galhos bastante ramificados compondo um cenário inusitado.
Passamos por Bom Jardim quase sem perceber. Estávamos no embalo, pedalando forte. A temperatura havia subido um pouco depois que saímos da neblina, então tiramos as blusas mais quentes. Devia estar em torno de 15°.
Pedimos informação sobre o caminho e não tinha muito o que errar: a estrada seguia sem nenhuma bifurcação ou saída relevante até um cruzeiro. De lá, seguindo reto chegaríamos a São Joaquim, “a cidade onde tem neve”, mas não teríamos muito o que fazer por lá e isso aumentaria em bem mais de 100 km o percurso para o dia seguinte, portanto fora de cogitação. Virando à direita no cruzeiro, teríamos uns 50 km até Urubici.
Ao passar por Bom Jardim da Serra, o Bruno proferiu a frase que seria eternizada como marco dessa viagem: “daqui até Urubici é só descida”. Logo descobrimos que a estrada era um sobe e desce dos infernos. Mas ainda assim, a cada trecho de subida vencido a gente ouvia: “fica tranquilo que daqui até Urubici é só descida”!
Mal alimentados, com frio e sono
Começou a escurecer e ainda estávamos na estrada. Ainda tinha muito chão pela frente e aquele sobe e desce começou a minar nossas forças, principalmente porque não conseguimos nos alimentar adequadamente. Tínhamos uns dois pacotes de biscoito doce, alguns sachês de gel de carboidrato e um resto de salame, que eu ia mordendo e mastigando sem parar de pedalar.
Cada vez que eu tomava um gel de carboidrato, ficava um pouco mais esperto, mas por volta das 22 horas já estava começando a dar sono, mesmo pedalando. Não tínhamos consumido carboidrato suficiente no dia e estávamos sentido o efeito ali. Faltava “combustível”. Cheguei até a cogitar dormir ali mesmo, no mato que margeava a estrada, mas se estávamos com frio pedalando, imagine deitados no solo molhado… Teríamos hipotermia! A sensação térmica, em pé, devia estar em torno dos 10°C. No solo, durante a madrugada, talvez caísse a valores negativos. Não tínhamos equipamento e nem mesmo roupas para isso.
As subidas da estrada, embora sempre curtas, se tornaram um sacrifício. Cada descida era uma bênção. A chuva, que ia e voltava, finalmente nos deixou em paz. Em certo momento, paramos por cerca de meia hora para descansar e matar dois pacotes de biscoitos recheados. Quebrou bem o galho, mas estava longe de ser uma refeição decente.
Apesar das dificuldades, do sono e do cansaço, não estávamos desanimados. Continuávamos sabendo apreciar o silêncio da noite, as luzes das cidades brilhando em nuvens ao longe, a beleza das estrelas e do braço da galáxia reluzindo acima de nós. O fato de estarmos ali, longe de tudo, tendo chegado apenas com as próprias pernas e sem a ajuda de ninguém, reduzia todas essas dificuldades a meros “incômodos passageiros”.
Continuamos. De repente, uma lanterna balançando adiante, na escuridão da estrada: era um senhor indo pescar, levando uma lanterna grande, suas varas e apetrechos em uma Barra Forte. Nos cumprimentou com a simplicidade do interior e a cumplicidade de ciclistas que se encontram na estrada. Tentou nos acompanhar, mas a lanterna, as varas, as sacolas, a bicicleta simples e a idade lhe pesavam; logo a lanterna balançante ficou para trás em alguma curva.
Urubici, finalmente!
Depois de muito tempo, teve início uma longa descida até Urubici. A famosa descida, aquela que Bruno nos prometia há horas! E realmente foi uma bela descida de serra: longa, ininterrupta, íngreme, cheia de curvas. Passamos por um mirante de onde se poderia ver toda a cidade de Urubici, mas não deu para parar pois estava cheio de carros com música alta e jovens curtindo uma forma de lazer um pouco diferente da nossa: bebiam, gritavam e dançavam em cima dos carros, visivelmente embriagados. Não seríamos bem recebidos, passamos direto.
Mais uns dez minutos de descida e estávamos entrando na cidade. Já era mais de meia-noite.
– Onde a gente vai achar um restaurante a essa hora? – perguntamos a alguém na rua.
– Se tiver algum aberto, é na avenida principal.
Pedalando por ela, encontramos um restaurante que servia lanches e pizzas. Comemos 2 lanches cada um, descansamos, conversamos, rimos, sentimos sono e o restaurante estava fechando. Era 1h30 da manhã e saímos para procurar uma pousada.
Estava MUITO frio. Eu estava com duas camisetas de ciclismo, uma de malha, uma blusa de ciclismo quente (por dentro parece “soft”), uma jaqueta de nylon de costura selada por cima de tudo e mesmo assim ainda sentia frio. Devia estar fazendo uns 5°C – ou menos.
Onde dormir, com tudo fechado?
Seguimos pela avenida principal, olhando em todas as travessas. Volta e meia encontrávamos uma pousada, mas todas estavam fechadas e ninguém atendia à porta. Nas que tinham o telefone escrito do lado de fora, até ligávamos pelo celular, mas ninguém atendia também. Parecia que as pessoas hibernam nessa cidade naquela época do ano.
Enquanto o Denny e o Bruno procuravam pousadas, meus olhos buscavam ao redor algo que pudesse ser um plano B: um lugar coberto que nos protegesse do vento gelado, que nos cortava, e da chuva que poderia voltar na madrugada, para que pudéssemos dormir no chão mesmo. Mas felizmente encontramos um hotel, que como todo hotel de verdade tinha um atendente na recepção a noite toda.
– Oi, boa noite! A gente veio pedalando desde Tubarão (o atendente arregalou os olhos) e estamos na estrada desde as 8 da manhã… Estamos bastante cansados e só precisamos de uma cama pra dormir e um chuveiro quente. O que que dá pra fazer aí pra gente?
– Bom… eu posso colocar todos num quarto e fazer por R$ 30 cada um…
Olhamos um pro outro por um breve momento buscando aprovação e respondemos todos que sim, quase em uníssono. Paramos as bikes no estacionamento dentro do hotel, as acorrentamos e levamos os “roubáveis” conosco (ciclocomputadores e luzes).
Ainda não tínhamos certeza do que faríamos no dia seguinte, por dois motivos. Primeiro que para não perder o vôo para São Paulo, eu teria que chegar em Tubarão antes das 4 da tarde. Eu e o Denny havíamos até comprado a passagem de volta para Floripa antecipadamente, para o horário das 16h30. O outro motivo é que estávamos BEM cansados. Não sabíamos como estaríamos no dia seguinte.
Procurando alternativas, perguntamos na recepção se na cidade havia ônibus para Tubarão. Não havia. Só para São Joaquim, um que passava na frente do hotel às 8h30. Teríamos que dar sinal na rua, para tentar convencer o motorista a deixar colocar 3 bicicletas no bagageiro. Difícil. Mesmo que conseguíssemos, em São Joaquim teríamos que convencer outro motorista a permitir o transporte das bikes. Além disso, não sabíamos a que horas sairia de São Joaquim o ônibus para Tubarão. E se só saísse à noite? Pra piorar, se não nos permitissem embarcar com as bicicletas em São Joaquim estaríamos a uma distância maior de Tubarão, com muito menos tempo para retornar. Como se não bastasse, ainda teríamos que acordar às 7h30, mas estávamos quebrados demais para isso.
“Bom, vamos dormir. Amanhã, se conseguirmos acordar no horário, a gente decide na hora.” Estávamos cansados demais para planejar o dia seguinte. Pegamos a chave e subimos.
Enquanto eu tentava “pisar leve” no corredor, para não acordar os outros hóspedes com o cloc-cloc do taquinho de metal da sapatilha de ciclismo, fiquei imaginando como seria o quarto. Estava esperando o pior, achava que nos colocariam num canto qualquer. Afinal, estavam fazendo um preço mais baixo. Mas ao abrir a porta me surpreendi, o quarto era ótimo! Tinha 5 camas, um banheirão bacana com uma ducha boa e um aquecedor excelente – que além de aquecer o quarto, serviu para secar nossas roupas e sapatos molhados de chuva.
Revezamos no uso do chuveiro com merecidos banhos de 20 minutos. Cada um que saía do banho já encontrava o anterior desmaiado de sono. Peguei no sono assim que caí na cama, já por volta das 2h40 da madruga.
Começando a voltar
Às 7:30 alguém acordou os outros dois: “e aí, vamos de ônibus ou não?”. Eu acho que foi o Bruno, mas tava difícil até de saber quem eu era.
Como já tínhamos discutido o assunto ontem e a vontade de continuar na cama era grande, a decisão foi rápida e unânime: tentar ir de ônibus era menos divertido e era arriscar demais com o horário. Voltaríamos pedalando mesmo, pela Serra do Corvo Branco.
Dormimos por mais uns 40 minutos e descemos para tomar o café da manhã, tortos de sono e virados de fome. E café da manhã de hotel é uma beleza: pão de tudo quanto é tipo, bolos, leite, sucos e um cafézão preto pra terminar de acordar. Pena que não tinha banana, mas tinha aquelas maçãs maravilhosas. Terminado o café, enchemos os camelbaks, as caramanholas, peguei umas maçãs pra comer no caminho e rua. Já era por volta das 9 da manhã e precisaríamos correr.
Saí de lá cheio de roupa, porque achei que ia fazer frio como no dia anterior. Que nada, o tempo estava ótimo! O sol deu as caras, o céu estava limpo e em menos de 5km eu já tinha tirado duas das três camisas de ciclismo que eu havia vestido.
Pegamos uma estrada de terra bem detonada, que levaria à Serra do Corvo Branco. Essa estrada passava perto do Morro da Igreja, que tem uma vista ótima, mas não daria tempo de subir lá. Passamos batido.
Depois de algum tempo, a estrada passou a margear um rio. De um lado da estrada havia um paredão de pedra nos acompanhando; do outro, o rio, com aquele barulho gostoso da água correndo nas pedras. Muitas araucárias ajudavam a compor a paisagem inesquecível.
Cruzamos o rio e nos afastamos um pouco dele. Começou um sobe e desce que me fez ficar para trás dos companheiros, bem mais novos e em melhor forma que eu. Quem passava de carro nessa hora via uma cena esquisita: um ciclista pedalando com uma maçã na boca! É que nas subidas eu segurava ela com os dentes, para liberar as duas mãos, e nas descidas e retas eu comia com uma mão e segurava com a outra o guidão. Tudo para não ficar muito pra trás dos outros dois.
Essa parte da estrada tinha alguns trechos de barro, um prenúncio do que estava por vir. Adiante, morros altos com paredões de pedra que pareciam feitos à mão. Algumas partes pareciam até um castelo. E muitas araucárias dos dois lados da estrada. No meio dos morros dava pra ver um vão, lá em cima, de onde saíam constantemente uns pedaços de nuvem. Dava para perceber que do lado de lá da serra o tempo estaria fechado e que desse lado só havia sol porque a serra segurava a cerração.
Na base da serra encontrei os dois. Só que a maçã não aplacou a fome e eu resolvi comer duas barrinhas (sim, eu estava com fome!). Eles partiram para me esperar lá no topo e pouco depois eu subi.
A subida era mais ou menos íngreme, mas não era muito alta. Devia ter uns 200 m mais ou menos. A vista ia ficando cada vez melhor conforme eu subia e dava para perceber bem que tínhamos vindo por um vale.
A Serra do Corvo Branco
A neblina chegou de uma vez num certo ponto da subida e a nuvem era quase palpável. Quando cheguei no topo e encontrei o Denny e o Gellert, a visibilidade era bem baixa e o ar tinha esfriado. Dava para ver a nuvem se movendo, saindo da abertura, como se ela tivesse vontade de cobrir todo o vale ensolarado pelo qual viemos.
Fizemos uma parada, tiramos fotos, descansamos um pouco e demos boas risadas. Começou esfriar e coloquei a blusa, mas um pouco adiante eu já a tiraria de novo: o frio só duraria enquanto estivéssemos dentro da nuvem úmida.
Passamos entre as duas paredes de pedra que cercavam a estrada e formavam um “portal” para o outro lado da serra. Logo adiante havia um mirante. Não dava pra ver nada, porque a neblina estava bem densa, mas paramos pra tirar umas fotos. Um turista que estava ali com a família se ofereceu para nos fotografar e acabou montando uma seqüência bem bacana da gente descendo emparelhado na neblina. A estrada tranquilíssima permitia que brincássemos no meio da pista, que naquele curto trecho era asfaltada.
A maior descida de terra da minha vida
Começamos a descida. Eu estava começando a ficar preocupado em ter que descer devagar pra não escorregar no asfalto molhado, mas fiquei feliz da vida logo na primeira curva: o asfalto acabou e começou um barrão esburacado! Maravilha! 😀 Barro voando pra todo lado e respingando no rosto, poças enormes, pedras, valetas… e uma vista incrível!
Assim que saímos da camada de nuvens, dava para enxergar lá longe. Foram uns 15 km de descida contínua, boa parte dela em alta velocidade. É bunda pra trás pra não capotar de frente, fé no freio e sorriso no rosto… Às vezes, doíam os braços e as mãos de tanto segurar o guidão com força, controlando a velocidade nos manetes de freio.
Em algumas partes, a estrada estava tão barrenta que a bike parecia querer sair de baixo de mim e pular para fora da estrada. Em um trecho já no final da descida, a 50km/h com muita lama e poças de água, a bike começou a rabear bastante por causa dos pneus mistos, que não têm grip na lama. Se eu já não estivesse acostumado com esse tipo de pneu, já ia comprar terreno… Isso sim é mountain-bike!! 😀
Lá para baixo, começamos a margear outro rio. Recomeçou o sobe e desce e a estrada continuava sendo de terra, mas um pouco mais compacta. E continuava molhada, espirrando barro no rosto.
Um pouco adiante, um bar. Compramos água e biscoitos. Estávamos em Grão-Para.Nesse lugar o chão ainda era barro, cheio de poças. Um rapaz, menor de idade, brincava de Superman numa Honda Biz, para poder passar pelas poças de lama sem sujar a roupa limpa (ai se ele cai). Descansamos um pouco e seguimos.
Mais um pedaço de estrada de terra, nosso habitat natural, e chegamos a uma rua larga com calçamento de lajotas. As crianças que brincavam na rua pararam para ver a gente passar. Estávamos entrando em Braço do Norte.
Sem almoço novamente
Fomos até o centro da cidade, que era o caminho para a próxima estrada. Estávamos morrendo de fome, procurando algum lugar para comer. Tava difícil, tudo fechado! Mas no fim encontramos uma lanchonete-boteco de um casal de idade, ao lado da igreja, que tinha um salgado ótimo!
Fizemos uma pausa de uma meia hora nesse lugar. Depois de vários quibes, risoles e coxinhas regados a Gatorade, que quebraram o galho na falta de um almoço decente, arrematamos com um cafezinho e saímos. Mas já eram 15 horas!
Não vai dar tempo!
Antes de sairmos, fiz as contas com a quilometragem que ainda faltava e percebi que seria impossível chegar na rodoviária de Tubarão a tempo de pegar o ônibus para o qual tínhamos comprado as passagens. Como consequência, eu perderia o vôo marcado para São Paulo, que era o último do dia! E para ajudar, eu ainda estava sem celular!
Consegui ligar do orelhão para um 0800 da companhia. Havia outro vôo às 23 horas, que ia para Guarulhos. Bom, tudo bem, de lá tem ônibus de graça para o aeroporto de Congonhas, meu destino original. Vai demorar mais, mas eu chego! “Beleza, remarca pra mim!”
Com o voo remarcado, fiquei mais tranquilo, isso estava me estressando bastante. Ainda teríamos que correr, mas conseguiríamos. Toca pra estrada!
Muitas bicicletas na estrada
A próxima cidade era Gravatal. Quando passamos por uma pequena ponte, numa curva da estrada, havia um pescador no riacho abaixo que quando nos viu fez a maior festa, cumprimentando com a alegria e a naturalidade que o povo simples do interior tem. Dava para perceber que ele se entusiasmou com o nosso jeito de viajar e que gostaria de estar ali conosco. Quem viaja de bicicleta conhece esse tipo de reação e sabe que é uma das coisas que fazem a viagem valer a pena.
A estrada era ótima para cicloviajar: asfaltada, com acostamento, poucos carros, sem muitas subidas. A paisagem era bonita e em boa parte do caminho havia pastos dos dois lados. O único porém era o cheiro de cocô de vaca que vinha dos pastos, que nos acompanhou em boa parte do caminho.
A certa altura, vimos lá na frente uma movimentação esquisita que não era de carros. Parecia um amontoado de gente ocupando a estrada inteira… e era! Era um grupo de umas trinta pessoas vindo de bicicleta pela estrada, entre jovens e adultos, provavelmente se deslocando de uma cidade à outra em grupo! Pensamos que era um passeio ciclístico, uma manifestação, mas não, era só um bando de gente de bicicleta, vindo todo mundo ao mesmo tempo! Nesse trecho da viagem encontramos uns três grupos como esse.
Cansaço no final da viagem
Conforme íamos avançando pela estrada, o cansaço ia batendo. Ao longo da viagem de volta, consumi o que restava das minhas barras de cereais e géis de carboidrato. As duas noites mal dormidas, a má alimentação e o esforço da viagem estavam cobrando seu tributo. Cada quilômetro avançado era uma vitória.
Mas já não faltava muito. A certa altura, conseguimos avistar de cima a cidade de Tubarão. A visão do destino já próximo renovou nossas forças e fizemos um último esforço para vencer rapidamente os últimos 15 quilômetros.
Chegamos na casa do Bruno, finalmente! Mas já eram 17 horas e estávamos preocupados com o horário, precisávamos ir logo até a rodoviária, pois havia o receio de não conseguir passagem. Enquanto eu arrumava a mochila com as coisas que havia deixado na casa, o Denny tomou um banho relâmpago e foi tentar limpar um pouco a bike. Tomei meu banho, tirei o grosso do barro da bike e fomos depressa para a rodoviária – seguindo o Bruno, que nos guiava com agilidade pelas ruas da cidade.
Chegando lá, compramos as passagens para um ônibus que sairia em uns 20 minutos. Ufa! A correria compensou! Sensação de alívio e de missão cumprida indescritíveis. Fizemos um tempo fora da rodoviária até a hora do embarque, tiramos algumas fotos e fomos para a plataforma tentar convencer o motorista a colocar as bicicletas no bagageiro.
Tinha bastante gente para embarcar e ficamos esperando pacientemente que o motorista e outro funcionário da empresa terminassem de colocar as bagagens no compartimento do ônibus. Comecei a ficar preocupado em não sobrar espaço e o motorista usar isso como argumento para não levar as bikes.
No fim, me preocupei à toa: o bagageiro era dividido em três partes e uma delas sobrou inteira para colocarmos as bicicletas. Elas estavam isoladas numa das partes do bagageiro, sem contato com a bagagem de ninguém e o motorista não falou nada, mesmo as bikes estando sujas de terra. Ufa! Nós as colocamos deitadas uma por cima da outra, mas deveríamos tê-las colocado de pé.
Despedimos do Bruno – que além de ter sido um parceirão na viagem ainda nos hospedou em sua casa – e embarcamos. Claro que dormimos na viagem até Florianópolis. Mas a cada solavanco na estrada acordávamos preocupados com as bicicletas, que deviam estar sendo jogadas para cima e para baixo no bagageiro.
Quando chegamos, esperamos todos os outros passageiros tirarem suas bagagens para chegar perto das bicicletas. Nessa hora, o motorista nos abordou com um sorrisão e disse que adorava ver bicicleta no bagageiro do ônibus. Ele contou que era presidente da associação dos colecionadores de bicicletas de Itajaí (se não me falha a memória) e que tinha mais de 70 bicicletas em sua casa. Pegar um motorista desses é ganhar na loteria! 🙂
Por sorte as bicicletas estavam intactas, apesar dos solavancos na estrada. Empurramos até fora da rodoviária de Florianópolis, vestimos mochila, capacetes e luvas e nos despedimos, com a esperança de repetir a viagem um dia. Levou anos para que nos encontrássemos novamente, mas até hoje ainda não conseguimos cicloviajar juntos de novo.
Pedalei até o hotel. Coisa pouca, cerca de 1km. Flávio, camarada da recepção do hotel, gente fina pra caramba, queria saber tudo sobre a viagem. Logo chegou outro conhecido, o taxista que sempre me levava ao aeroporto e que me levaria até lá novamente – agora pela última vez, pois eu estava voltando a São Paulo em definitivo. Meu trabalho em Florianópolis estava encerrado e eu me despedia de Santa Catarina com essa cicloviagem. Enquanto contava a eles sobre a aventura e mostrava as fotos na câmera digital, eu limpava a bicicleta, desmontava e colocava no mala-bike.
Depois de algum esforço para encaixar o mala-bike, as malas e a mochila no porta-malas pequeno do táxi, saí do hotel onde eu havia morado por dez meses e fomos para o aeroporto. Já eram dez da noite. Estava em cima da hora, se o ônibus tivesse demorado quinze minutos a mais para chegar em Floripa eu talvez perdesse o voo. No aeroporto, corri para fazer logo o check-in e despachar a bagagem toda e ufa!, embarquei.
Meu vôo foi até o aeroporto de Cumbica. Lá peguei um ônibus da companhia aérea até Congonhas, onde chamei um táxi e fui pra casa. No celular, um recado me dizia que eu não precisaria trabalhar na segunda-feira, pois o novo projeto ainda não tinha começado. Que beleza! Cheguei em casa só às 2 da manhã, morto de fome e de cansaço. Fiz minha primeira refeição decente em dois dias, uma bela de uma lasanha, e desmaiei de sono. Ainda bem que eu estava dispensado do trabalho no dia seguinte, senão teria sido MUITO difícil acordar às 7! 🙂
Voltei para minha cidade com muitas histórias para contar e muitas fotos para mostrar. A viagem havia sido maravilhosa e por mais de uma semana eu ainda ficaria anestesiado pela experiência fascinante de fazer uma viagem dessas de bicicleta. Nada me estressava, nada me tirava do sério. Nessa primeira semana em São Paulo, fiz a mudança de emprego mais tranquila da minha vida: não fiquei ansioso, nem tenso, nem preocupado. Eu estava simplesmente feliz.
Tenho muita vontade de repetir essa viagem, mas com um roteiro mais longo e viajando por vários dias. A região é linda. Tendo companhia ou não, um dia eu refaço essa viagem. Ah, se faço…
Boa tarde meu irmão.
Que viagem perfeita foi a de vocês, parabéns.
Estou há muito tempo querendo fazer essa viagem, planejava sair de Urubici – Serra do Corvo Branco – Serra do Rio do Rastro e voltando para Urubici.
Mas achei melhor o seu roteiro, como já passei de menino, agora com 63 anos, gostaria de fazer juntamente com minha esposa esse seu roteiro, porém, saindo de Lauro Miller.
Minha pergunta, Lauro Miller já esta na Serra do Rio do Rastro???
Aproveitando sua narrativa, creio que saindo de Lauro Miller, subindo a Serra do Rio do Rastro da para chegar até Urubici, seriam uns 90 Km????
Depois, saindo de Urubici descendo a Serra do Corvo Branco, até Lauro Miller, mais uns 60 Km???
Estudei pelo Maps e parece que seria essa quilometragem,
Será que consigo fazer esse pedal??? As dificuldades???? Pretendo fazer em 3 dias.
Tem locais para dormir nesse percurso – Lauro Miller – Serra do Rio do Rastro – Urubici – Serra do Corvo Branco – Lauro Miller?
Se puder me auxiliar, agradeço, meu email – fecabeca@terra.com.br , obrigado – Fernando Cabeça – fone (16) 3371.7793
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Oi, Fernando. Tive que pesquisar um pouco pra te responder, mas vamos lá.
Leuro Miller está no pé da Serra do Rio do Rastro, é um ótimo lugar pra começar.
De lá até Urubici serão 107 km indo por asfalto o caminho todo (seguindo até Cruzeiro): https://www.google.com.br/maps/dir/Lauro+Muller+-+SC/Urubici,+SC/@-28.2127269,-49.5801028,11.25z/data=!4m19!4m18!1m10!1m1!1s0x9521a7177d40cef3:0x285aade64dc2eff!2m2!1d-49.3960964!2d-28.3919058!3m4!1m2!1d-49.6495819!2d-28.3376655!3s0x9521b5cb52cda64d:0xc1557f462e594839!1m5!1m1!1s0x952043f3eb16f70d:0xa1dddcb93b7a3901!2m2!1d-49.5894682!2d-28.0071174!3e1
Tem outro caminho, que não é o que nós fizemos, que segue por estradas secundárias a partir de Bom Jardim da Serra, com 95 km. Deve ser bem mais bonito, porque margeia o Rio Pelotas por uma boa parte do trajeto e passa por dentro do Parque Nacional São Joaquim, mas por ter um bom pedaço em estrada de terra deve cansar mais que os 107 km em asfalto (caramba, deu vontade de voltar lá pra conhecer esse outro caminho): https://www.google.com.br/maps/dir/Lauro+Muller+-+SC/Urubici,+SC/@-28.2117668,-49.6001798,11.04z/data=!4m19!4m18!1m10!1m1!1s0x9521a7177d40cef3:0x285aade64dc2eff!2m2!1d-49.3960964!2d-28.3919058!3m4!1m2!1d-49.6038607!2d-28.3440392!3s0x9521b14fd1423c07:0xc8a729d99f3e517f!1m5!1m1!1s0x952043f3eb16f70d:0xa1dddcb93b7a3901!2m2!1d-49.5894682!2d-28.0071174!3e1
De Urubici até Lauro Miller pela Serra do Corvo Branco são 88km: https://www.google.com.br/maps/dir/Urubici,+SC/Lauro+Muller+-+SC/@-28.1914938,-49.4063522,11.25z/data=!4m14!4m13!1m5!1m1!1s0x952043f3eb16f70d:0xa1dddcb93b7a3901!2m2!1d-49.5894682!2d-28.0071174!1m5!1m1!1s0x9521a7177d40cef3:0x285aade64dc2eff!2m2!1d-49.3960964!2d-28.3919058!3e1
Os 63 anos não serão problema se você está habituado a pedalar longas distâncias e está com a saúde em ordem. Se estiver na dúvida, faça algumas cicloviagens sem tantas subidas mas com a mesma distância até se sentir seguro. Uma consulta prévia ao cardiologista, pra garantir que seu motor está afinado, é sempre prudente.
Só não faça como a gente, em nossa inexperiência da época: vá preparado e leve bastante comida e água! 😉
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