Associando carros com consciência ecológica
A queima de combustíveis fósseis é uma das principais causas do Efeito Estufa. O setor de transportes é responsável por 25% do total das emissões causadoras do efeito.
Sendo assim, como aliviar a imagem da indústria automobilística, para que a culpa continue parecendo ser só do Bush e de quem desmata as florestas? A maneira mais comum é ignorar a responsabilidade dos automóveis e atribuir uma imagem de consciência ecológica aos carros e às montadoras.
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Veja o que diz Joel Spolsky no início de um de seus artigos: “A idéia da propaganda é mentir sem ser pego. Muitas companhias, quando fazem uma campanha, simplesmente pegam a pior verdade sobre sua empresa, a viram de cabeça para baixo (mentem) e repetem essa mentira exaustivamente. Vamos chamar isso de “prova por alegação repetitiva”. Por exemplo, (…) as companhias de papel estão devastando completamente nossas florestas nacionais, claramente cortando florestas antigas que elas nem mesmo possuem. Então, quando fazem sua propaganda, elas inevitavelmente mostram algumas belas e antigas florestas de pinheiros e falam sobre o quanto se preocupam com o meio ambiente. Cigarros causam a morte, então suas propagandas mostram vida, com todas aquelas propagandas com pessoas saudáveis sorrindo e se exercitando ao ar livre. E assim por diante.”
Esse artigo foi escrito em 2000 e algumas coisas mudaram um pouco: as empresas de papel agora fazem reflorestamento (embora muitas vezes com espécies não nativas, de crescimento rápido para poderem aparecer logo em propagandas e que muitas vezes deixam o solo e a água ácidos, matando outras espécies vegetais e mesmo animais); as empresas de cigarro foram proibidas de anunciar, mas continuam vendendo a idéia de que se preocupam com o consumidor, afinal existem variações light de seus produtos (que matam do mesmo jeito e fazem praticamente o mesmo mal que as versões “de macho”).
Mas mesmo com essas mudanças, a idéia essencial do texto continua valendo. Apesar de ser a introdução de um artigo sobre a indústria de informática, o comentário é bastante pertinente e, se começarmos a procurar esse tipo de inversão nas propagandas, veremos que ainda é utilizada aos montes. Pense por exemplo nas propagandas de cartão de crédito. Quando você compra com um cartão de crédito, você não precisa pagar na hora, mas contrai uma dívida. Então o que você está fazendo ao usar um cartão de crédito é essencialmente se endividar. Mas o que a propaganda mostra? Que se você não tem dinheiro, basta usar um cartão de crédito e terá o mundo a seus pés, realizará seus sonhos, etc. Na propaganda, parece que ter o cartão substitui a necessidade de ter dinheiro para obter produtos e serviços. Entendeu a inversão?
Já faz algum tempo que a Fiat mostra que se preocupa com o futuro de nossas crianças e com o planeta que elas herdarão. A Ford tem o modelo Ecosport, que de ecológico não tem nada (como uma máquina que polui pode ser chamada de ecológica??). E praticamente todas as montadoras têm seus modelos “off-road”, associados nas propagandas com natureza e meio ambiente, quando na verdade são os modelos de veículos que mais poluem (entre outros problemas) e, portanto, destróem a natureza em vez de se integrar a ela (e isso sem entrar no mérito e nas conseqüências da erosão causada nas trilhas).
Na Fórmula 1 não é diferente. Propagandeada como laboratório tecnológico para os motores, peças, pneus e combustíveis que são usados nos automóveis particulares, os fabricantes a usam como ferramenta de marketing e de construção de imagem. Com esse raciocínio, tão logo iniciou-se a polêmica sobre efeito estufa, a indústria da F1 correu para fortalecer sua imagem antes que ela fosse arranhada, posicionando-se como um dos setores que podem “salvar” o planeta, a partir principalmente de um menor consumo de combustível e talvez futuramente com pesquisa e produção de carros e combustíveis menos poluentes.
Só faltou explicarem que estão tentando nos salvar deles mesmos. Afinal, o grande mal do qual estão se esforçando para nos salvar é a própria poluição que suas máquinas geram. Vejam como eles são bonzinhos: vão tentar poluir um pouco menos para salvar o planeta!
Agora a Honda está iniciando uma campanha, desta vez diretamente na Fórmula 1, astutamente nomeada My Earth Dream (meu sonho de Terra), para associar sua marca a essa postura heróica. O novo carro terá a imagem do planeta Terra estampada em sua carcaça, como se aquele carro estivesse competindo pelo bem do planeta. Segundo o site Grande Prêmio, a intenção da Honda, renomado fabricante de motocicletas (os veículos terrestres que mais poluem), é “conscientizar o público, encorajar as pessoas a trabalharem cada vez mais em busca de soluções para os problemas da Terra”.
Bonito, não é? Quase chorei de emoção quando li isso. Ainda bem que temos a indústria automobilística para nos ajudar a enfrentar o efeito estufa!
Veja as fotos do novo carro da Honda. Lindo, não? Tenho que admitir, nem parece um carro. E atinge o objetivo, trazendo na mente a lembrança de como o planeta é frágil, de como o sistema todo é sensível. Espero que o carro não bata e amasse uma Austrália. E reparem, na segunda foto do link acima, que eles usam crianças nessa iniciativa de marketing, para tocar o coração das pessoas e mostrar o quanto se preocupam com o futuro dos nossos filhos.
Quer mesmo deixar um planeta digno para essas crianças da foto e para seus descendentes? Quer evitar que um dia seus netos lhe apontem o dedo e digam “sua geração destruiu nosso planeta”? Então, em vez de se impressionar com propagandas que são pomposas mas carecem de um lastro de responsabilidade ecológica, reavalie suas atitudes.
Na próxima vez que for usar seu carro, faça uma experiência simples: ligue-o, vá até atrás dele e dê uma boa inspirada perto do escapamento(*). Tossiu? Seus olhos lacrimejaram? Seus pulmões arderam? Teve tontura, náusea, ânsia de vômito? Me desculpe, mas eu queria que você sentisse o que você está jogando no ar que todos nós respiramos (inclusive você), com o simples ato de deixar o carro ligado em ponto morto. Pode parecer idiota, mas só fazendo uma experiência como essa você vai ter uma ligeira noção do que está fazendo com o “simples” ato de dirigir para ir até a padaria. Pense no tempo que o carro fica ligado e quanto dessa fumaça irrespirável vai parar no ar. Parte dela causa efeito estufa, outra parte mata pessoas. Em nome de seu conforto, você está obrigando os outros a respirar isso.
Pense nisso e tenha uma verdadeira consciência ecológica. Não basta pensar “protejam a amazônia”, “pau nos madeireiros” e “salvem as baleias”. Tudo isso é muito simples de defender, porque não depende de nós, está longe e não podemos (ou não queremos) fazer nada além de dizer “é isso aí!”. Pimenta no dos outros é refresco; o difícil é mudar nossos hábitos e fazer a nossa parte.
Reclamar sem tomar uma atitude é fácil e até muito comum (de onde não se espera nada é que não sai nada mesmo), mas fazer de conta que colabora só para parecer politicamente correto é desprezível.
(*) Não me responsabilizo por danos que possam ser causados à sua saúde ao inspirar, em versão concentrada, os gases e o material particulado que meu filho é obrigado a respirar todos os dias em versão diluída. Cuidado para não inspirar muito perto, ou a mistura quente de gases pode lhe queimar as vias respiratórias.
Agradecimentos ao Fabricio pela notícia do carro da Honda e ao Chester pelo artigo do Spolsky.
Olá amigo. Post bacana. Ultimamente tenho mudado bastante meus hábitos mas confesso que é difícil mas possível. Abraços,
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Muito bom seu post…. Resume bem o que penso. Show mesmo. Estou fazendo meu tcc sobre esse assunto mesmo… se tiver algum material para me sugerir, mande pro meu e-mail. Parabéns por sua consciência. Abraço
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Oba, voltou a postar!!!! Bem-vindo a 2007, o ano da bicicleta! 🙂
Grande abraço, parceiro!
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