Primeira vez com a bicicleta na rua e no Metrô
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No Dia Mundial Sem Carro do ano passado, fui de bicicleta com minha mulher até a Av. Paulista, para participarmos de uma bicicletada que reuniu cerca de 500 pessoas. Era a primeira vez que ela pedalava na rua, até então só dentro do Parque do Ibirapuera. Também era a primeira vez que ela ia numa Bicicletada, a primeira vez que ela via tanta bicicleta junta na rua e a primeira vez que embarcava com a magrela no Metrô.
Na época escrevi uma narrativa sobre nossa utilização do Metrô levando a bicicleta, mas o texto acabou ficando perdido por aqui sem ser publicado. Tropecei nele por acaso um dia desses e resolvi acrescentei um trecho contando nossa ida até a Praça e a participação na Bicicletada. O resultado é um relato do Dia Mundial Sem Carro 2008 e das “estréias” da Priscila na Bicicletada, no DMSC e na rua com a bicicleta. Boa leitura!
Saímos com meia hora de antecedência. Luzinhas piscando na frente e atrás, capacete, eu com um sorriso enorme e a Priscila tensa. Eu queria que ela fosse na minha frente para que eu garantisse, com meu posicionamento na via, que os carros manteriam uma distância segura e também para que ela ditasse o ritmo, não correndo o risco de fazê-la pedalar rápido demais. Mas como pedalar sozinha na frente a deixava insegura, ela pediu para ficar atrás de mim. Tudo bem. 🙂
Pegamos um pedacinho da Av. Jabaquara e depois a Domingos de Morais. Ocupei a faixa, sinalizando para ela se manter atrás de mim. Como estávamos pedalando devagar, alguns carros vinham pela segunda pista para cruzar na nossa frente e entrar nas ruas à direita. Ocupando a faixa, eu sinalizava a esses motoristas para esperarem e isso surtia efeito.
Em dado momento, próximo a uma rua onde muitos carros virariam à direita, um caminhão-reboque de uma seguradora veio pela segunda faixa e ficou quase ao nosso lado, um pouco para trás, para segurar os outros carros enquanto passávamos, enquanto sinalizava com um sorriso e um gesto de mão que podíamos passar que ele esperaria. Surpreendente. Talvez ele estivesse fazendo isso por ter percebido que eu estava “guiando” uma menina iniciante, mas de qualquer forma foi uma atitude muito simpática, incomum para São Paulo. E antes que perguntem, o caminhão não era da Porto, amiga das bicicletas: era da SulAmérica, a da rádio para motoristas.
Até a Sena Madureira, o trânsito não estava muito carregado. Ninguém nos incomodou na pista da direita. Mas a partir dali a coisa complica, com os carros que vêm da Sena. Na esquina do Pastorinho, a Priscila preferiu que desmontássemos e atravessássemos na faixa. Chegando no Metrô Vila Mariana, teríamos que pegar a segunda pista, porque ali há duas pistas para quem vira à direita, sentido Lins de Vasconcelos: complicado para quem está começando. Desmontamos e atravessamos na faixa novamente.
Mais um quarteirão de tranquilidade e depois o entupimento total, juntando quem veio da Sena Madureira com quem veio da Vergueiro e da Lins. Uma beleza. E, pra completar, a pista da direita é de ônibus… Um trecho realmente ingrato para pedalar e sem nenhuma alternativa em ruas paralelas.
Eu queria ir pela segunda pista, mas o trânsito assustou minha aluna e ela pediu para irmos pela calçada, que ali é bastante larga. Topei, mas com algumas condições: pedalaríamos devagar, pararíamos para os pedestres e ela seguiria exatamente atrás da minha bicicleta, desviando por onde eu desviasse. Ok. Seguimos pela calçada até próximo do Metrô Paraíso – onde tem uma bifurcação que vai para a Paulista na esquerda (Bernardino de Campos) e para o centro (Vergueiro) na direita. Aguardamos não haver mais carros, atravessamos a rua e seguimos pedalando sentido Paulista.
Dali até quase a 13 de maio, fomos pela pista da direita. No ponto onde os carros começam a disputar quem entra primeiro na rua do Shopping, passamos para a TERCEIRA pista. Alguém buzinou querendo que a gente pedalasse a 70km/h, descontando em nós a frustração pelo congestionamento: fiz sinal para ele passar pela pista da esquerda, ele passou e foi embora, enfartando…
Logo depois de deixarmos os desesperados para trás, passamos para a segunda pista, onde há (havia) as bicicletinhas pintadas no chão, deixando a pista do ônibus livre. Os ônibus passavam rápido pela nossa direita, o que era muito melhor do que se nos “empurrassem” por trás. Ocupávamos o centro da faixa, para que nenhum motorista apressadinho resolvesse passar junto conosco, nos empurrando para cima do ônibus.
O trânsito estava meio empacado na Paulista, mas mesmo assim teve uma motorista desesperada que resolveu ficar atrás de nós buzinando, como se fosse nossa a culpa das outras duas pistas estarem paradas. Eu falei pra Priscila “continua onde está e ignora” e sinalizei para a desesperada mudar de pista e ultrapassar, indicando com gestos que havia mais duas pistas que ela poderia utilizar. Ela mudou de pista e foi embora buzinando, levando o stress com ela.
Perto da Augusta, vimos a massa vindo pelo outro lado da Avenida. Quando o sinal fechou atravessamos e entramos no meio do grupo.
Havia bastante gente. Todos sorrindo, alguns com apitos, outros fantasiados… um ambiente completamente diferente daquele em que estávamos, do lado de lá da avenida. O sorriso veio ao rosto da Pri na mesma hora. Três pistas estavam tomadas pelas bicicletas, a faixa dos ônibus livre. As bicicletas utilizando a rua, do mesmo modo que os carros faziam do outro lado. Com uma diferença: a massa se movia, os carros estavam parados.
Em meio àquela bagunça, encontrei vários amigos. Apresentava a eles, com orgulho, a menina que tinha conseguido vencer o medo e pedalado até ali. Agora ela se divertia, pedalando feliz em meio à festa das bicicletas. Me dizia que nunca tinha visto tanta bicicleta junta. “Nunca imaginei que eu fosse andar de bicicleta na Paulista!”, dizia sorrindo.
Cada pouco a gente conversava com alguém, pedalando sempre devagar, numa velocidade que todos pudessem acompanhar sem ninguém ficar para trás. Havia crianças, skatistas, gente de todas as idades, as diferenças sociais e de escolaridade desapareciam sobre a mágica dos pedais. O senhor que cata latinha pedalava junto do jovem esportista, que dividia espaço com a patricinha de bicicleta cara, que pedalava do lado do entregador de água. O porteiro, o gerente de loja, o funcionário público, o estudante, o jornalista, o empresário, o professor de yoga, o estagiário, o analista de sistemas: todos eram um.
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Todos eram, simplesmente, ciclistas. Sorrisos, fantasias, alegorias na bicicleta, buzinas esquisitas, cartazes, faixas, coro de “menos carros, mais bicicletas”, risadas, felicidade. Até cachorro de carona na bicicleta tinha.
Atrás de nós, alguns motoristas buzinavam de um jeito que não fariam se o congestionamento fosse de carros. Uns desviavam pela Alameda Santos, outros aguardavam com paciência. Afinal, estava devagar mas pelo menos estava andando.
Do outro lado da Avenida, muitos motoristas, trancados no congestionamento habitual, davam buzinadinhas simpáticas em apoio e até abriam as janelas – ato raro nas noites da Av. Paulista – para interagir com os ciclistas, tirar fotos, acenar e sorrir, compreendendo e assimilando o lado bom daquele momento. Nas calçadas, o pessoal do happy-hour fazia a maior festa, alguns levantando o copo de chopp, outros acenando e fazendo sinal de positivo. Onde a massa passava, deixava a alegria daquele momento.
Seguimos a Paulista até o final e continuamos até chegar na Ana Rosa. Lá, pegamos o sentido contrário da avenida voltamos pela Paulista toda até a Praça do Ciclista. Ficamos um pouco por ali, conversamos com algumas pessoas e, ainda sorrindo, com aquela sensação de fim de festa, decidimos ir embora. Havíamos combinado voltar de Metrô, já que o embarque de bicicletas havia sido liberado recentemente também durante a semana, após as 20h30.
Estávamos empurrando a bicicleta pela calçada pra ir até a estação consolação, que é ali do lado, quando uma senhora que passava a pé nos perguntou o que estava acontecendo ali. Eu comecei a dizer que era por causa do Dia Mundial Sem Carro e até ia explicar mais alguma coisa, mas ela se empolgou com essa informação: “Ah, é hoje? Ai, que coincidência, hoje eu deixei o carro em casa mesmo, fui fazer um monte de coisas de metrô!”. Ela seguiu conversando com a gente até a estação, também ia pegar o Metrô.
Minha mulher mostrou uma desenvoltura que eu desconhecia para carregar a bike no ombro… Ela nunca tinha feito isso, mas parecia que fazia todo dia. Descemos a interminável escadaria e, ao chegar perto da catraca, eu estava explicando a ela o procedimento: “a gente vai passar ali por aquela portinhola, deixa as bikes do lado de lá e volta pra passar o bilhete”. O rapaz que estava ao lado da tal portinhola olhou pra gente sorrindo e disse um “é isso mesmo!”, todo animado porque a gente já sabia o que fazer e ele não ia ter que ficar explicando. 😀
Nisso chegou um outro ciclista, que desceu com a gente outra escadaria interminável, maior que a primeira. Ele esperou conosco na plataforma com e logo chegou mais um. Embarcamos os quatro no mesmo vagão, com um pouco de dúvida sobre como dispor as bicicletas, mas conseguindo se ajeitar. Facilitaria muito se houvesse um suporte para pendurar pela roda da frente. E até ocuparíamos menos espaço no vagão.
No caminho, o ciclista que havia chegado primeiro contou que todos os dias vai da Penha até a Aclimação, ida e volta, mesmo debaixo de chuva, porque não tem paciência para o metrô lotado. Pedala cerca de 35km por dia.
Na estação Ana Rosa, descemos 3 e um continuaria até a Klabin. Eu e minha esposa fomos para um lado, o outro ciclista foi para o outro. Na hora de entrar no trem da linha azul, um homem com um saco enorme fez questão de sair de outra porta onde estava esperando e entrar na nossa frente. Ele entrou e foi para o meio do vagão, mas ele e mais uns dois apressados atrapalharam minha entrada e quase eu fico pra fora. O trem apitou quando a bicicleta estava bem no meio da porta e eu estava arrumando espaço para ela caber inteira dentro do trem. Acho que o “motorista” percebeu na câmera que a bicicleta não tinha entrado inteira ainda, porque a porta não fechou; alguns segundos depois, quando eu já estava acomodado, outro sinal e aí sim a porta fecha.
Na hora de descer do trem, uns dois ou três desesperados para entrar atrasaram minha saída e quase que eu não saio. Ora, se eles perdem o trem é só esperar outro, mas se eu (ou qualquer outro que esteja tentando sair) não conseguir sair do vagão, o transtorno é muito maior! Ô povo egoísta… Mas deu tudo certo. Carregamos as bikes escada acima e pedalamos uns 5 minutos até em casa.
Na hora de entrar no prédio, o porteiro ficou na dúvida se deixava aquelas duas bicicletas entrarem na garagem ou não e foi consultar nossos nomes na listinha de moradores… Tudo bem, ele é novo e estava fazendo o trabalho dele. Até porque a gente podia estar querendo sequestrar alguém sorrateiramente, com aqueles capacetes chamativos e as luzinhas piscando. 🙂
É isso aí,tem que incentivar mesmo, gostei do relato!
quando comecei a pedalar nas ruas, há quase 10 anos atrás, era muito medrosa, tinha muito medo de ruas movimentadas e só andava nas ciclovias ou calçadas, e tinha que andar sozinha mesmo, pois não havia alguém que pedalasse junto. Bem, ainda hoje não tenho compainha para ir e voltar ao trabalho de bike, mas já não tenho mais medo de andar nas ruas, ando nas mais movimentadas com desenvoltura, e nas ruas aprendi a pedalar rápido, pois esse é um fator de segurança para se andar tão próximo aos carros, sem falar que aprendi a ser mais atenta com tudo ao meu redor, pois depois de ter levado umas “fechadas” e até de ter sido atropelada por um carro( foi num cruzamento de rua com pouco movimento de carro, fui cruzar sem ter parado totalmente e olhar para o lado, quando vi, já tinha batido na porta do passageiro do carro e caí com bike e tudo para o outro lado da rua que era estreita, na calçada de grama, só sujou o casaco, não me machuquei nada!) .
Mas esses pequenos “contratempos” não me impediram de continuar pedalando, e continuo com total convicção que a bike é tudo de bom, e no meu caso, é mais que uma paixão.
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Adorei o seu relato, a primeira vez que a gente sai assim no trânsito e ainda indo para a bicicletada é realmente especial.
Eu quando estou sendo guiada por caminhos novos também fico insegura em ir na frente, gosto de saber tudo que vamos fazer, entrar aqui ou ali, seguir reto, tudo com antecedência. Mas como aqui em casa geralmente eu sou a guia do ciclista menos experiente, entendo que quem está guiando quer ficar atrás garantindo a segurança do outro, hehe!
Espero que sua esposa tenha continuado as pedaladas! E que apareça na terça na pedalada DMSC pra comemorar o aniversário da estréia dela, rs..
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