Câmara de Porto Alegre votará Projeto de Lei que pretende “mutilar” Plano Diretor Cicloviário
Prefeitura pretende revogar em 14 de abril dispositivo em lei que daria mais segurança a ciclistas. Governo e parte dos vereadores têm se recusado ao diálogo.
Em 14 de abril, segunda-feira, a Câmara Municipal de Porto Alegre votará o polêmico Projeto de Lei Complementar do Executivo 010/13. O projeto revoga o dispositivo que prevê, para o cumprimento do Plano Diretor Cicloviário (PDC) da capital gaúcha, o uso obrigatório de 20% das multas arrecadadas com infrações na construção de ciclovias e realização de campanhas de educação para o trânsito contemplando o modal bicicleta. A verba também seria usada na criação de um fundo para gerência de recursos, com oito representantes da prefeitura e apenas dois da sociedade civil.
A data da audiência foi marcada depois de duas semanas de adiamento: o projeto deveria ter sido votado em 2 de abril, mas a tendência de que alguns dos próprios vereadores governistas votasse contra a proposta do Executivo fez com que parte da base propusesse um adiamento, primeiro para 9 de abril, e agora para o dia 14, para “melhor discussão”.
O projeto de revogação do dispositivo, apresentado pela prefeitura de Porto Alegre no ano passado, complementa os esforços do governo para suprimir a obrigação que nunca foi cumprida integralmente desde sua criação, em 2009. A prefeitura chegou a alegar, na Justiça, a inconstitucionalidade do dispositivo. O Tribunal de Justiça, no entanto, foi contrário à alegação do Executivo. A prefeitura entrou com recurso contra a decisão, mas perdeu mais uma vez em 12 de março.
Também em 14 de abril será votado projeto do vereador da oposição, Marcelo Sgarbossa (PT), que prevê a criação de um fundo gestor, porém com igual proporção entre prefeitura e sociedade civil, e sem revogar a obrigatoriedade dos 20%.
Dinheiro negado
Desde a aprovação da emenda que prevê a garantia de recursos para o PDC, em 2009, a prefeitura de Porto Alegre deveria ter destinado um total de R$ 10.865.138,20 somente nos primeiros três anos em que utilizou, respectivamente, apenas 5,71%, 8,71% e 8,98% do montante devido. Parte dos 20,5 km de ciclovias implantadas na cidade, além de outros quase 30 km previstos até o fim de 2014, é oriunda não de recursos gerados pelo município, mas de contrapartidas privadas e recursos do PAC Copa, que complementariam a aplicação dos 20%. As contrapartidas são obrigatórias no caso de alterações viárias de impacto na realização de grandes empreendimentos, como shoppings e outros centros comerciais.
Pressão popular
Diversos movimentos da sociedade civil, entre coletivos e associações, vêm pressionando a prefeitura tanto para pagar o que deve à cidade quanto para discutir o projeto de lei proposto. Depois de tentativas de colocar o projeto em votação sem discussão com o cidadão, uma audiência pública foi marcada para 18 de novembro de 2013. A audiência não contou com nenhum representante do poder executivo, nem de vereadores da base governista. Indignados, os cidadãos pressionaram por um novo encontro na Câmara, que ocorreu em 31 de março de 2014, dessa vez com a participação do diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Vanderlei Capellari, e do chefe do corpo técnico responsável pelo PDC, além de 11 dos 36 vereadores da casa, alguns dos quais integrantes da bancada do governo. A audiência foi pedida pela Mobicidade (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta) e pela ACPA (Associação dos Ciclistas de Porto Alegre). Durante o debate foi, entregue ao presidente da EPTC uma petição com mais de três mil assinaturas contra o projeto de lei.
Entre os vereadores da base governista que se posicionaram contrários à proposta do Executivo, está Valter Nagelstein (PMDB), que afirmou que precisa ser coerente com o voto que deu na aprovação do Plano Cicloviário. “Eu era líder do governo na época. Votei e defendi a aprovação com esta emenda. Não consigo entender o motivo de termos que mudar isso agora”, disse. Com base nessa e outras manifestações, os cidadãos estão cobrando e pressionando os vereadores da situação: por meio das redes sociais, estão pedindo aos vereadores que, em 2009, votaram a favor do Plano Diretor Cicloviário e da emenda dos 20%, tenham coerência e não revoguem o dispositivo elaborado pela própria administração atual.
Educação é fundamental
Marcelo Kalil, integrante da Mobicidade, enfatiza que um dos principais efeitos do não cumprimento dos 20% é a ausência de campanhas massivas de educação no trânsito referentes à bicicleta, cuja realização não é incluída na verba das contrapartidas de obras. “Se esse projeto for aprovado, o prefeito, o vice e todos os vereadores que votarem favoravelmente serão cúmplices das mortes que ocorrerem no trânsito”, enfatizou.
Em 20 de março, duas ciclistas morreram na capital gaúcha atingidas por motoristas de ônibus de concessionárias da própria prefeitura. Em recente reunião da Mobicidade com lideranças da categoria, rodoviários afirmaram que não são realizados cursos de reciclagem e formação voltados para o respeito aos usuários de bicicleta.
Assista no vídeo abaixo à fala de Marcelo Kalil, da Mobicidade, sobre a “mutilação” do Plano Diretor Cicloviário pretendida pela prefeitura de Porto Alegre, durante a audiência pública realizada na Câmara Municipal da cidade em 31 de março de 2014.
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Será então que, aos motoristas que ultrapassam limites de velocidade, tiram finas de ciclistas e ameaçam pedestres faltou educação? É realmente necessário explicar para um motorista que o veículo dele pode matar alguém se ele não obedecer às leis de trânsito? Sinceramente, pela quantidade de abusos cometidos no trânsito todos os dias, as multas são até poucas.
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Lucas
O dinheiro das multas não pode ser considerado receita (o próprio judiciário gaúcho já disse isso para a prefeitura). Se tirarmos esses 20% das multas, todo o plano cicloviário da cidade ficará na dependência das contrapartidas da iniciativa privada (entenda-se por grandes prédios comerciais com muitas vagas de estacionamento para carros, shoppings, etc). Será que esse é o modelo de cidade que devemos incentivar? Não te parece melhor que as infrações dos veículos motorizados financiem campanhas de educação no trânsito e o estímulo de modais não motorizados? E repito: o dinheiro das multas NÃO pode ser aplicado em saúde, pois não é considerado receita. O que a prefeitura de POA que é tirar essa obrigatoriedade para poder colocar esse dinheiro em outras obras que ela (carrocêntrica) considera prioridade e pagar salários de cargos em comissão. A prefeitura já enfrenta problemas judiciais pelo não cumprimento dos 20%, pois tem uma equipe de projeto muito pequena para a implementação do plano e quer simplesmente se livrar disso. Os 20% das multas são uma garantia em lei de dinheiro para o plano cicloviário e não estamos dispostos a trocá-lo ou para incentivar uma cidade com mais carros ou por promessas de políticos que “dizem” que vão garantir mais verbas.
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