Para dono de loja de automóveis, ciclovias são “uma agressão a quem trabalha”

Afirmação foi feita a Jilmar Tatto, por comerciante inconformado com retirada de vagas de estacionamento. Mas afinal, qual a agressão? Decidimos esclarecer.

Quem ameaça quem? (Cartoon de Andy Singer - uso autorizado pelo autor)
Quem ameaça quem? (Cartoon de Andy Singer – uso autorizado pelo autor)

Do Estadão, publicado na internet na sexta-feira, 18 de julho de 2014, em matéria intitulada “Comerciante bate boca com secretário em inauguração de ciclovia” (íntegra aqui). O fato ocorreu durante inauguração de novo trecho da ciclovia do centro de São Paulo.

Na entrega do trecho, Tatto chegou a discutir com um comerciante que reclamava da retirada de vagas na rua para estacionamento. “Existe uma agressão a quem trabalha”, reclamou Sebastião Juarez de Menezes, de 64 anos, proprietário de uma loja de veículos no cruzamento das ruas Helvétia e Guaianases.

Menezes questionou o secretário sobre a falta de diálogo. Recebeu como resposta o aviso de que todas as avenidas terão, em tese, ciclovias. “Está comunicado.”

O dono da loja de carros reclamou da transformação do espaço em ciclovia. Talvez por falta de entendimento, talvez por acreditar que o espaço público viário era uma extensão da sua loja, talvez por considerar que a promoção da bicicleta seja ruim para suas vendas de automóveis. Mas podemos afirmar, com boa dose de certeza, que há bastante preconceito contra ciclistas nessa afirmação.

A começar por dizer que “existe uma agressão a quem trabalha“. Pois então quem anda de bicicleta é tudo vagabundo? Poxa, Seu Juarez… quem anda de bicicleta também trabalha! E além do mais, também tem muita gente ociosa andando de carro pra lá e pra cá, certamente em quantidade (e arriscaria dizer em proporção) maior do que quem está de bicicleta. Tem gente até que nunca trabalhou nem pra pagar o tal do carro, veja você!

Essa afirmação transmite ainda uma visão extremamente utilitarista das ruas, muito comum a quem tem como ofício dirigir o dia todo: as vias seriam feitas “para quem trabalha”, para serem usadas a trabalho. Quem está passeando atrapalha os outros. Sob essa ótica, quem está de férias deve se trancar dentro de casa, né, Seu Juarez? Porque se sair às ruas para o que quer que seja, estará atrapalhando quem está a trabalho, que nessa teoria ultrapassada (sem trocadilhos aqui), teria maior direito a usar o espaço público. Ruas, portanto, não seriam feitas para brincar, para passear, para namorar, para viver… somente para dirigir. E a trabalho!

O comerciante – que vale repetir: é dono de uma loja de automóveis (a qual, segundo o Google Street View, comercializa táxis no endereço apontado pela matéria) – disse que existe uma agressão a quem trabalha. Existe sim, seu Juarez, uma agressão forte, violenta, a quem trabalha e usa a bicicleta para chegar ao seu emprego. E isso ocorre em vários aspectos, até mesmo no discurso de algumas pessoas. Um discurso que tem sua parcela de responsabilidade por ameaças e tentativas conscientes de lesão corporal por parte de motoristas intransigentes, que constantemente matam, mutilam e deixam sequelas em corpos, almas e famílias de outros cidadãos, que cometeram o único crime de usar uma bicicleta para se locomover.

Esse discurso e essas atitudes impedem que mais pessoas usem a bicicleta, assustando e afastando das ruas cidadãos que também trabalham. Ou que não trabalham, mas ainda assim têm o mesmo direito à cidade do que quem usa as ruas para ganhar seu dinheiro honestamente a bordo de um carro branco. Ou o mesmo direito à cidade de quem critica os ciclistas por “atrapalharem” nas ruas, mas ainda assim reclama quando se cria uma área segregada para sua circulação. E o mesmo direito à cidade, aliás, de quem coloca uma placa irregular na calçada para alavancar suas vendas… Essa cidade é mesmo cheia de agressões, né, Seu Juarez?

Desejo-lhe sucesso nos negócios, Seu Juarez. De verdade. Lembre-se que quem abandona o carro para usar a bicicleta passa a usar mais o táxi do que quando dirigia – ou seja, a bicicleta ajuda a aquecer o mercado que consome a mercadoria que o senhor vende! E é bom o senhor se acostumar, porque os tempos são de mudança. Século XXI, Seu Juareeez!!

Atenção: sem ofender ou fazer bullying com o senhor de idade, hein? Ele tem direito de expressar a opinião dele, assim como temos direito de expressar a nossa neste espaço.

Expresse sua opinião aqui nos comentários! Mas esforce-se para manter o nível, ok? 😉

38 comentários em “Para dono de loja de automóveis, ciclovias são “uma agressão a quem trabalha”

  1. Gostaria de compartilhar com vocês algo que me aconteceu. Um tempo atrás, quando essa reportagem foi ao ar, fiquei extremamente indignada e chateada com a posição dos comerciantes, em especial aqueles que diziam que a ciclovia “são uma agressão a quem trabalha”, citando em especial o Sr. Sebastião Juarez. Foi então que resolvi enviar uma cartinha para ele, me apresentando como usuária da via e que sou trabalhadora também. E não é que ele me ligou hoje? Deixei meu contato na cartinha, junto com um cartão de Natal. Ele foi muito educado comigo e tivemos uma boa conversa; ele não concordou com todo meu ponto de vista (direito dele), mas penso que de alguma forma entendeu que romper essas barreiras não é fácil e que devemos respeitar o direito do outro e que na cidade deve existir espaço para todos, até para nós usuários da bicicleta como meio de locomoção, e não apenas lazer. Agora quando passar na frente da loja dele, farei uma parada para um oi. Essa é uma forma de personificar os ciclistas que ali passam: seja dando um bom dia, um sorriso… pois precisamos marcar presença, para que vejam que são cidadãos de bem que usam as ciclovias e não “pessoas que não prestam” como outro citou.

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    1. Que legal, Carla. Ótima ideia do cartão de natal!

      Imagine que bacana um banner preso no poste em frente àquele colégio contrário à ciclovia, para dar um exemplo, com o texto “os ciclistas de São Paulo lhes desejam um feliz natal”?

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      1. Oi William, passo na rua do Colégio Madre Cabrini quase todo dia. Eu passo e sempre dou bom dia ou boa tarde para os seguranças da escola, dificilmente encontro pais de aluno porque passo após as 8h30min e volto após as 18h. Estou pensando em ir mais cedo e entregar cartões de Natal para os pais ou então o banner, como você sugeriu! Ali do lado também tem um ponto de taxi, que é onde foi colocada a faixa, deixando os taxistas enfurecidos. Esses dias passei lá e havia uma senhora esperando um taxi no ponto e nenhum taxista ali e nem nos arredores, por volta das 18h, numa sexta-feira bem chuvosa. Eu prontamente peguei meu celular e usei um aplicativo para chamar um taxi, demorou mas conseguimos (era horário de pico). Aguardei até o taxi chegar e ela embarcar. O taxista me viu de bike e capacete e não entendeu nada…. hehhe Eu disse: “Eu só estava aguardando o senhor chegar para ela embarcar. Eu estava a caminho de casa e só parei para ajudar”. Peguei minha bike e segui meu caminho. 😀

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    Esse comentário não tem feito muito sucesso. Thumb up 4 Thumb down 15

    1. A conscientização é parte importante do processo, mas quem anda de bicicleta sabe que não é suficiente. Ciclovias são necessárias para que haja uma alternativa segura e não congestionada para pedalar. Ou quer que os ciclistas fiquem costurando entre os carros quando congestiona? Ou acha justo que cilistas peguem o congestionamento que não criaram? Além do mais, muitas vezes a velocidade máxima que um ciclista atinge é a mínima de alguém que dirige um veículo motorizado em situação de trânsito não congestionado. Isso além de pressionar psicologicamente, é perigoso. Embora a partilha dos espaços seja algo extremamente importante, o ciclista só tem conforto e segurança DE FATO se houver espaço reservado para ele ou se a rua em que ele pedala for de pouco movimento.

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  3. Isso só mostra que a cabeça de uma pessoa atrasada, eu só acho que antes deles implantarem essas faixas proximas ao meio fio eles deveriam reconstruí-lo e nivelar a rua corretamente para que haja mais segurança um exemplo é esse video na holanda https://www.youtube.com/watch?v=eaE4KOZzQOg, tem muita sarjeta no centro ( na cidade inteira) que estão esburacados, não conseguem levar a água para o bueiro

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    1. Só na cabeça dele que não existe, eu particularmente não sou muito chegado a carro e de um tempo pra cá eu comecei a ver mais gente usando bicicleta pra voltar do trabalho geralmente em grupos eu achei bem interessante e respeitei ao contrario de outros que quando veem o ciclista só falta passar por cima.

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