Cicloturismo: Dinamarca, um país que respira bicicleta
Raquel Jorge chegou à Dinamarca pelo mar. E ainda dentro da balsa, saiu pedalando para conhecer o país: “foi como sair da barriga da Moby Dick”. Veja fotos.
Cheguei na Dinamarca de balsa, após atravessar o Mar do Norte pelo lado sueco. Assim que avistei o pequeno vilarejo de Friedrikshavn desci para o subsolo, onde estava minha bike. Aportamos. O compartimento se abriu e foi como sair, pedalando, de dentro da barriga da Moby Dick.
E foi neste país que o pedal realmente ganhou ritmo, onde não senti a necessidade de entrar em um ônibus ou trem. Um lugar em que me senti complemente à vontade para simplesmente sair pedalando, fosse por vias paralelas à estrada, por cascalho, florestas, terra ou pelas areias brancas da praia.
Pela primeira vez desde que comecei a viagem, vi um volume real de ciclistas na estrada, e para minha surpresa a grande maioria era composta por famílias. Não turmas de amigos, mas famílias. Pai, mãe e filhos, às vezes três, às vezes quatro crianças. As maiores já pedalando, as menores nos trailers puxados pelos pais. Algo que até então eu não havia visto. E quando não eram famílias eram casais, a maioria já na idade “madura”, como frisaram Lis (48) e Ian (55), um casal que conheci no camping de Lonstrup. Eles contaram que viajam juntos de bike desde que a estrutura de ciclorotas do país foi unificada, há dez anos.
Com a exceção de Copenhagen (que é uma história à parte, em todos os sentidos), me hospedei quase que exclusivamente em chalés de campings. A vida que eu sempre quis. Você chega no vilarejo, acha um camping e pega a chave do lugar que será sua casa por um dia. Os chalés são sempre incríveis, parece casa de boneca, tudo em tamanho miniatura: a geladeira, o fogão de duas bocas e a cama, que remete à história dos sete anões. Os campings oferecem vários serviços, como máquina de lavar e secar roupa (eu nunca usei, mas elas estão lá), café da manhã (que eles deixam em uma cesta na porta do seu chalé pela manhã). Geralmente os campings são administrados por uma família que tem um cachorro, e em poucos minutos você já esta de papo, fazendo carinho no cão e ganhando cebola e alho da horta para incrementar seu macarrão.
Ficar em chalés é o melhor dos mundos. Tudo bem que nunca tem tv, banho é no esquema com moedinhas e para ir ao banheiro você precisa se vestir, mas e daí? O que é isso perto do fato de poder ir ao mercado comprar frutas frescas, cozinhar a própria comida, lavar roupa no tanque e colocar para secar na sua varanda? A Dinamarca tem uma vasta rede de campings com chalés baratos e simpáticos, principalmente ao longo da costa, onde passa a Rota do Mar do Norte! É perfeito.
Não tem como não se apaixonar por este país, que acolhe o ciclista (e o estrangeiro) com carinho.
Os lugares por onde passei são remotos, vilarejos e pequenas cidades que recebem quase que exclusivamente o turista local, quando muito suecos e noruegueses. Toda vez que perguntavam de onde eu era e eu dizia Brasil, eles faziam com que eu me sentisse realeza, demonstrando um genuíno interesse por mim, por meu país e minha história.
De Friedrikshavn subi até Skagen, o ponto mais ao norte do país e uma cidade simplesmente espetacular, que mais parece locação de um daqueles filmes que dão vontade de pular pra dentro da tela. Nos primeiros quilômetros percorridos já deu pra entender toda a lógica da sinalização e daí pra frente foi só alegria.
Alegria nesse sentido, de conseguir seguir as placas sem nenhuma dificuldade, de me sentir segura em relação à rota. Mas encontrei um obstáculo que testou todas as minhas forças. Várias pessoas ao longo da viagem já haviam cantado essa bola. Elas disseram: Na Dinamarca não há relevo, mas prepare-se para o vento!
Como você se prepara para o vento? Não faço a menor ideia. Quando paro e lembro das plantações de trigo dançando na ventania, das inúmeras fazendas eólicas por que passei, com suas hélices girando freneticamente e eu na estrada, realmente não sei como consegui. Houve momentos (vários) em que eu tive que descer da bicicleta e empurrar. Isso no plano. Tamanha a força do vento, que soprava tentando me derrubar a todo custo.
Sim, em alguns momentos ele soprou a favor, e aí é como voar, fazendo 70 km parecerem 20 km.Mas foram exceção. Dos 627 km pedalados no país, a grande maioria foi com o vento na fuça.
De Skagen, no norte, comecei a descer pela costa oeste. A começar por um Parque Nacional, o Thy, maravilhoso, mas bastou uma bifurcação sem placa para eu me perder. Estou viajando sem GPS e percorri uns bons quilômetros dentro do parque antes de conseguir achar a saída.
Depois vieram os vilarejos de cartão postal, cada um com sua história. Um dos momentos mais emocionantes foi um dia que decidi seguir pela praia, entre Lokken e Lonstrup, só porque estava sol, calor e a praia era imensa e linda. Faltavam poucos quilômetros pra chegar em Lonstrup quando vejo vários blocos de concreto cravados na areia. Imensos, estranhos, parecia que haviam caído do céu. Subi a falésia e lá no alto a placa dizia tratarem-se de bunkers alemães, construídos durante a Segunda Guerra, para impedir a invasão das forças inimigas. UAU! Fui dar um rolê na praia e cai de cara na História.
A melhor parte do não planejamento é esta. Nada te decepciona (já que você não planejou) e tudo te surpreende! Foi uma experiência única. Lonstrup também é a região com as maiores dunas de areia do país, e espetado em meio à areia, um farol imenso e belo. Ele está inativo, mas ainda é possível visitá-lo. Eu fui, amei e estou até hoje com areia nos ouvidos, nas botas e nas câmeras graças a este dia.
Segui para o sul até chegar em Esbjerg. Outra cidade costeira, com belas igrejas, o centro só para pedestres e muitas bicicletas. Foi em Esbjerg que decidi, pela terceira vez na viagem, sair da rota. Como visitar a Dinamarca e não ir à Copenhagen? A capital mundial do ciclismo urbano!
Então eu fui. E foi lá que a verdadeira aula aconteceu!
Raquel Jorge fez uma cicloviagem de 6.200 km pela Europa, contornando o Mar do Norte e passando por Noruega, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Bélgica e Inglaterra. E ela conta os detalhes aqui no Vá de Bike, da preparação aos desafios do caminho, com dicas para quem tem vontade de ganhar o mundo e informações sobre a mobilidade nos locais onde passou. Veja o que ela publicou por aqui.
Eita que maravilha, top top top!!!!!
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Puxa vida, que viagem bacana hein !
Alias, que INVEJA, hahahaha !
Continue nos brindando com seus relatos !!!
Parabens e boa viagem !!!
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Legal, Raquel, essas fotos são muito bonitas e mostram quão bonita é a Europa. Obrigado por você estar fazendo isso. É bom para você e também pra gente que está te acompanhando. Esse continente é bem antigo e para atingir esse nível de desenvolvimento eles tiveram que passar por muito coisa, eu penso assim. O Brasil também é bonito mas acho que ainda não foi descoberto, ainda não se descobriu. Os nossos recursos naturais, a nossa gente. É difícil pensar em copiar ou reproduzir aqui soluções de outras nações, mas como diz a letra da música, ‘é caminhando que se faz o caminho`.
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