Contra ou a favor?

O site Vírgula publicou um artigo sobre a viabilidade de usar a bicicleta como meio de transporte. O artigo na verdade é uma comparação entre as opiniões de dois ciclistas. 

Nada tenho a criticar a respeito do tema escolhido ou do estilo da matéria. Aliás, é uma ótima idéia contrapor opiniões distintas sobre determinado assunto, para levar o leitor à reflexão sobre o tema. E é sempre bom trazer à discussão o uso da bicicleta como meio de transporte.

Como opinião favorável ao uso da bicicleta para deslocamentos urbanos, entrevistaram Leonardo Motta, ciclista urbano e participante da Bicicletada. Como opinião contrária, escolheram Paulo de Tarso, ciclista por esporte e lazer e fundador de um grupo de passeios e eventos esportivos com bicicleta, o Sampa Bikers.

Apesar de haver uma seção chamada “cicloativismo” no site do Sampa Bikers, Paulinho, como costuma ser chamado, é claramente contra o uso das bicicletas nas ruas até o dia em que houver ciclovias em toda a cidade. Enquanto isso, segundo ele, devemos nos abster de pedalar na cidade e esperar que o Estado promova essa mudança.

Essa postura ficou evidente no ano passado, quando escreveu uma “carta aberta ao Secretário de Transportes” em jornal de grande circulação, criticando o aluguel e empréstimo de bicicletas e dizendo que só seria viável utilizar a bicicleta quando tivermos ciclovias na cidade toda – texto que, por sinal, foi a inspiração para a redação do Manifesto dos Invisíveis. Esse posicionamento se reforça agora, com as afirmações publicadas nessa entrevista.

Portanto, depois de refletir um pouco sobre o assunto, concordo que foi acertada a escolha dele para contrapor a idéia de utilizar a bicicleta como meio de transporte na cidade de São Paulo. Obviamente, discordo de quase todas as afirmações feitas na entrevista e me utilizo desse espaço para dar uma outra visão sobre o assunto. 

Vamos às afirmações de que discordo (e a algumas com as quais concordo também). É interessante ler primeiro o texto original, para as afirmações não ficarem fora de contexto. Não é meu objetivo descontextualizá-las para reforçar as críticas.

“Para usar a bicicleta na região central é preciso encontrar uma rota alternativa, já que os carros não respeitam a bicicleta” -> Apesar do tom derrotista do resto do parágrafo, concordo que é preciso encontrar rotas alternativas. O melhor caminho para a bicicleta dificilmente é o melhor caminho para o carro. Há sempre alguma rua de menor fluxo, que os automóveis evitam por ter semáforos, lombadas, cruzamentos ou simplesmente por caber menos carros. Vias com ônibus devem ser evitadas, principalmente se há faixa exclusiva. Mas, ao contrário do que diz o Paulo, as grandes avenidas são mais seguras nos horários de pico, pois a velocidade dos carros é baixa. É só não se enfiar no corredor com os carros andando.

“Eu não estou a fim de morrer” -> Certo, acaba de chamar todos os ciclistas urbanos de suicidas. 😀  Obrigado, hein? Também te considero pra caramba… Mas eu devo ser meio incompetente, porque tento me matar há seis anos, todos os dias, e não consegui ainda.

“Quando eu ando em regiões de muito trânsito, acabo andando na calçada mesmo” -> Péssimo exemplo! Além de ir contra a lei (CTB, art.59) e de ser uma grande falta de respeito, é perigoso. Há motivos o suficiente para não andar na calçada com a bicicleta. Os pedestres que estão de costas para você podem dar um passo para o lado sem te ver chegando. Um carro pode sair de dentro de uma garagem de prédio e te acertar em cheio, ou aparecer na sua frente de um modo que você não consiga desviar. E o errado (e machucado) vai ser você. Idosos morrem de medo de bicicleta na calçada. E o medo deles é compreensível, sobretudo aqueles que estão em uma idade em que um osso quebrado pode ser impossível de ser consertado. Se você passar com a bicicleta na calçada perto deles, vão te xingar e estarão com toda a razão. Comparativamente, é o mesmo que um caminhão vir na sua direção e desviar na última hora. Os mais idosos podem cair só com o susto de ver a bicicleta chegando.

Quer mais um bom motivo para não andar na calçada? Uma criança pode aparecer correndo de dentro de alguma casa ou loja. Já pensou ter na consciência o atropelamento de uma criança de três anos? Péssimo, né? Melhor não correr esse risco. Fique sempre na rua. Se quiser passar pela calçada, desmonte e vire pedestre (CTB, art.68 §1º).

Se o trânsito é completamente inviável para a bicicleta, melhor encontrar uma via alternativa. Por exemplo, eu nunca usaria a Av. 23 de Maio para me deslocar de bicicleta, optaria pela Vergueiro.

“Eu não consigo ir trabalhar de bicicleta por conta de assalto e do trânsito ruim” -> Acho que não consegue ir trabalhar de bicicleta porque não quer… 🙂 Ou porque pensa em usar no centro aquela bike de carbono de dez mil reais, usando um rolex. É só usar “roupas civis” e uma bicicleta que não chame tanto a atenção.

Por incrível que possa parecer a quem não usa a bicicleta como meio de transporte, a gente se preocupa muito menos com assaltos estando de bicicleta do que dentro de um carro. Principalmente no centro! Se eu vir uma pessoa com atitude suspeita perto de onde eu parei para esperar o sinal abrir, estando de carro eu só posso rezar; estando na bicicleta, eu tenho uma visão muito maior do que está em volta, o que me permite fugir rapidamente ao ver alguém com atitude suspeita e evitar o confronto. Sem contar que não dá para fazer seqüestro-relâmpago com ciclista… 😉

E quanto ao trânsito, se ele está ruim para a bicicleta, pode ter certeza que para o carro está muito pior.

“O principal inimigo não são os carros. É a própria CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) que reduz cada vez mais as calçadas e expulsa os ciclistas das ruas” -> Ah, nisso eu sou obrigado a concordar – embora não veja relação entre diminuição das calçadas e expulsão dos ciclistas das ruas, como a afirmação pode dar a entender.

“De acordo com o Código Nacional de Trânsito, a bicicleta tem preferência. Mas os políticos sabem disso? Os motoristas sabem disso? Nem a CET sabe disso…” -> Os políticos e a CET sabem disso sim. Mas para a CET não interessa levar isso a sério, já que a agenda dela é outra: a fluidez do tráfego motorizado.

“As ciclovias ajudariam. Mas não seriam suficientes” -> Concordo! Por isso não são *a* solução, apesar de serem parte dela. Elas são importantes para proteger os ciclistas do fluxo rápido e intenso de veículos em avenidas de grande porte (como a Radial Leste ou as Marginais), mas até em avenidas como a Brasil a solução é o compartilhamento da via. Ou seja, usar a faixa da direta, ocupando seu espaço. Sugiro uma lidinha no Manifesto dos Invisíveis, documento em que os ciclistas pedem compartilhamento da via em vez de ciclovias.

“Temos poucas ciclovias, elas não são fiscalizadas e servem como corredor para os motoboys” -> Essa eu sinceramente não entendi. De que cidade ele está falando? 😀 As poucas ciclovias que temos ficam em sua maioria dentro de parques ou, nas exceções, não se apresentam como alternativa interessante a um motoboy já que são segregadas e não é fácil entrar e sair (de moto) na hora que quiser. Nunca vi motoboy usando ciclovia aqui em São Paulo. Aliás, em nenhuma cidade com ciclovia que eu tenha visitado. Nunca ouvi falar desse problema em outras cidades ou países. Será que ele não confundiu a motofaixa da Av. Sumaré com ciclovia? 🙂

“Na Europa já não cabe mais carro. Então, a bicicleta já é uma realidade” -> Ah, certo, em São Paulo ainda cabe! 😀 Ou então a bicicleta é uma realidade e ele ainda não está sabendo… Afinal, são mais de 345 mil viagens por dia, segundo as estatísticas oficiais (Pesquisa Origem/Destino 2007). E até quem fabrica carros sabe que em São Paulo eles não cabem mais.

“Além disso, os europeus têm uma coisa chamada respeito e consciência” -> Ou seja, os brasileiros são egoístas, mal educados e sociopatas. Essa cidade não tem conserto, esse país não tem conserto, vamos todos nos mudar para Munique. 😀

“Para as ciclovias funcionarem é necessário que exista um político muito corajoso. Mas ninguém tem peito de ir contra os carros. Esta é uma indústria muito poderosa.” -> Trocando o “para as ciclovias funcionarem” por “para a bicicleta ser reconhecida como meio de transporte”, eu quase concordaria com a frase. Mas há políticos corajosos sim, como também há há os que “vão contra os carros” – embora isso não seja premissa para conseguir infra-estrutura para bicicletas.

“O próprio Secretário de Transportes disse que a bicicleta não é considerada um meio de transporte” -> Olha, o Alexandre de Moraes já falou muita coisa que pode ser considerada bobagem, mas essa aí ele não falou não, me desculpe… 😀

“O fato é: a ciclovia não rende dinheiro aos políticos. E eles só sobem em bicicleta na época das eleições.” -> Se estamos falando de corrupção, qualquer obra pode ser superfaturada, inclusive uma ciclovia. E isso não acrescenta nada à discussão, é só mais destilação de derrotismo. Afinal, se “rendesse dinheiro”, não ajudaria em nada. Se fosse dito que “não rende votos”, a frase teria ficado melhor e faria mais sentido.

“Em geral, falta uma política e uma estruturação na construção das ciclovias. Aqui em São Paulo, elas levam o ciclista do nada a lugar algum.” -> Essa frase já virou clichê, apesar de ser verdadeira. Mas isso mudou um pouco com a ciclovia da Radial, que será uma ciclovia útil para deslocamento (e não só para lazer) quando estiver terminada. Seria ainda mais útil se levasse o ciclista até o centro. Há projetos em andamento de outras ciclovias úteis na cidade de São Paulo. Sugiro que o Paulo converse com a Secretaria do Verde do município. Pretendo escrever sobre isso em breve aqui no blog.

Também seria interessante ler uma matéria que vi como “relacionada” naquela mesma página, que fala sobre um estudo que afirma que “áreas com maior quantidade de ciclistas tendem a ser mais seguras“. Quanto mais gente pedalando nas ruas, melhor para todo mundo. Esperar até que seja seguro para começar a pedalar é esperar para sempre. Seja a diferença que você quer ver no mundo, em vez de sentar e esperar, reclamando, que os outros mudem o mundo para você. 😉

Quanto aos comentários do Leandro, o outro entrevistado, concordo com quase tudo, discordando apenas de andar encostado no meio fio. Dessa maneira, os carros tentam passar na mesma faixa de rolamento em que o ciclista está, o que resulta em uma “fina” que pode ser bastante perigosa. Principalmente porque o motorista vai preferir esbarrar no ciclista do que no carro do lado, podendo sempre usar (até para si mesmo) a desculpa do “eu não te vi”. Ocupando a faixa, o carro é obrigado a mudar, mesmo que parcialmente, para a faixa ao lado para te ultrapassar. Ele pode até xingar, achando que a rua é só dele e você não tem direito de estar ali, mas pelo menos não vai passar tão rente. E, ainda que passe muito perto, você tem uma margem de segurança para fugir para a direita sem precisar se jogar na calçada.

9 comentários em “Contra ou a favor?

  1. Willian, o mesmo raciocínio se aplica aos radares eletrônicos de velocidade. Que sentido faz estampar com postes gigantes e letreiros luminosos que mais parecem porta de cabaré que ali a velocidade é limitada a X km/h? Agora a polícia rodoviária federal coloca plaquinhas a 300 m de distância avisando que adiante haverá fiscalização de velocidade. É impressão minha ou isso é um contra-senso sem tamanho? Atitudes mesquinhas num país onde as leis de trânsito são feitas por motoristas e para carros.

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  2. Laércio, também fiz essa prova e uma coisa que achei um absurdo é que uns 15% das questões era sobre qual o tipo de infração (grave, gravíssima, etc.) ou quantos pontos valem determinada infração. Isso não faz sentido! Por que eu preciso saber quantos pontos valem aquela infração? O importante é saber que não deve ser cometida. Ou a intenção é o motorista saber quais pode cometer antes de perder a habilitação? Deviam aproveitar melhor a prova em vez de perguntar essas bobagens que não garantem, em absoluto, que o examinado conduzirá o veículo com segurança.

    Em vez de perguntar “quantos pontos na carteira vale uma infração por não usar o cinto de segurança”, deviam perguntar “por que é importante diminuir a velocidade próximo a uma escola”.

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  3. CSarmento, agora os motoristas que forem renovar a habilitação e os novos motoristas devem fazer uma prova que engloba primeiros socorros e direção defensiva. Fiz a prova recentemente. Tanto na prova quanto no manual de estudo há vários conceitos que defendem ao pedestre e ao ciclista, coisa mais linda, “p’cisa vê”. Só que os motoristas que não passam na prova, que pelo que senti são a maioria, só precisam fazer um curso de algumas horas que tá tudo certo, nem precisa fazer outra prova. Como o tal curso é administrado por auto-escolas, imagino o rigor com que ele deve ser aplicado…

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  4. Concordo. Acho que uma medida para conscientizar os motoristas seria educacional. NO teste para habilitação da carteira de motorista deveriam haver questões pertinentes ao convívio dos motoristas com ciclistas.

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  5. Exatamente o que disse numa twittada ae. O Paulinho só fala besteira em toda a entrevista, só raspando no bom senso quando fala da CET.

    O maior absurdo é que o sujeito, apesar de dizer q rua não é lugar de bicicleta, sai em grupo toda quarta-feira pela cidade, pedalando, com seus aceclas e outros basbaques com bikes de 9 mil reais, levando o nome de seu grupo por ai.

    Um pusilânime, enfim.

    (alias, ele usa um jipão pra andar por ai pela cidade, tipo um Hammer.. pusilânime; isso só faz aumentar a antipatia que muitos ciclistas sentem por esse rapazinho)

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  6. Concordo, assino embaixo e recomendo a leitura do seu post Willian!

    Foi lendo as recomendações aqui do blog que comecei a me arriscar no trânsito de uma forma que agora vejo ser realmente a correta: Andar ocupado pelo menos 1/3 da faixa. Nos primeiros dias dava um certo medo mesmo, mas a sensação que tenho agora é de muito mais segurança. E usar o capacete parece passar a impressão aos motoristas de também somos parte do trânsito e não alguém que está apenas passeando pela rua com sua bicicleta, é o que sinto.

    Grande abraço!

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  7. Desculpe a sinceridade mas esse ‘cicloativista’ do Sampa Bikers deve ter doutorado em sociologia ou algo assim, sou ciclista urbano e não achei nexo algum em todas as suas afirmações. Acho que esse cara tá pirado! Gadernal tarja preta pra você brother.

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