Trecho entre Campos do Jordão (SP) e Wenceslau Braz (MG): rota independente denominada "As Minas nas Minas", entre Campos do Jordão e Passa Quatro (MG) traçada por Federica e Gisele Valle, 2015. Foto: Federica Fochesato

Cicloviagem entre mulheres: elas não pedalam “sozinhas”, mas juntas

Mulheres gostam e podem pedalar sozinhas ou em grupos exclusivamente femininos. A repórter e cicloviajante Federica Fochesato dá dicas especiais para quem quiser ir de bici pra estrada.

Cicloviagem a três denominada "Minas Mar": de Taubaté (SP) a Paraty (RJ), passando por São Luiz do Paraitinga, Lagoinha e Cunha (2016). Federica junto à Simone Mendes dos Santos (esquerda) e Christiane Pereira. Foto: Simone Mendes dos Santos
Cicloviagem a três denominada “Minas Mar”: de Taubaté (SP) a Paraty (RJ), passando por São Luiz do Paraitinga, Lagoinha e Cunha (2016). Federica junto à Simone Mendes dos Santos (esquerda) e Christiane Pereira. Foto: Simone Mendes dos Santos

Ao vermos duas ou mais pessoas viajando de bicicleta, concluímos logo que estão pedalando juntas – especialmente se forem homens. Mas quando se trata de mulheres cicloviajantes, é comum a indagação: vocês estão viajando de bicicleta “sozinhas”?

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Se estou pedalando com uma ou mais mulheres, não estamos sozinhas, certo? Não. Não é tão certo assim, visto que a obviedade da situação não atinge igualmente ambos os gêneros. A verdade é que não fomos educados a ver com naturalidade mulheres pegando a estrada por aí, sobretudo de bicicleta.

Por outro lado, cicloviajantes mulheres estão, sim, pelas estradas afora – sozinhas, em duplas, trios ou mais pessoas –, girando muito e, além disso, inspirando outras mulheres que pedalam a experienciar sua primeira cicloviagem de um jeito diferente, ou seja: sem a presença “deles”.

Mania de cicloviajar "a duas" começou no Vale Europeu em 2006. Na foto, Federica Fochesato (à esquerda) e Camila Doubek. Foto: Federica Fochesato
Mania de cicloviajar “a duas” começou no Vale Europeu em 2006. Na foto, Federica Fochesato (à esquerda) e Camila Doubek. Foto: Federica Fochesato

Compartilhar a experiência

É comum que, ao planejar uma viagem de bicicleta, surjam inseguranças e dúvidas, tanto para homens quanto mulheres. No caso do gênero feminino, essas apreensões são mais acentuadas devido às pressões e descréditos machistas a que são submetidas as mulheres desde que são muito jovens. Seja como for, individualmente ou acompanhadas de amigas e companheiras, o mundo da cicloviagem está aberto para nós, ainda mais quando existe o desejo de nos lançarmos na estrada em duas rodas e sem a presença de homem algum.

Em 2007, em companhia de uma grande amiga da vida e dos pedais, fiz o Circuito Vale Europeu, em Santa Catarina, assim que ele foi criado. Depois daquela experiência, fizemos juntas toda a Estrada Real, em Minas Gerais. Com outra amiga, fiz o Caminho dos Anjos, também em Minas Gerais, além de outros percursos traçados pela Serra da Mantiqueira mineira e paulista. “A três” também tive uma experiência recente pela Serra do Mar, rumo a Paraty (RJ), saindo de Taubaté (SP). Portanto, em todas estas cicloviagens com minhas amigas eu estava junto delas, e não sozinha.

Trecho entre Campos do Jordão (SP) e Wenceslau Braz (MG): rota independente denominada "As Minas nas Minas", entre Campos do Jordão e Passa Quatro (MG) traçada por Federica e Gisele Valle, 2015. Foto: Federica Fochesato
Trecho entre Campos do Jordão (SP) e Wenceslau Braz (MG): rota independente denominada “As Minas nas Minas”, entre Campos do Jordão e Passa Quatro (MG) traçada por Federica e Gisele Valle, 2015. Foto: Federica Fochesato

Machismo: a primeira barreira a ser transposta

Depois da segunda ou terceira cicloviagem em companhia de amigas, cheguei a uma conclusão um tanto “sexo dos anjos”. O que vale é a pedalada e tudo o que nela se vive, e isso independe de gênero. O que efetivamente importa é a sintonia entre as pessoas, uma vez que imprevistos, situações inusitadas e mesmo uma explosão de sensações costumam marcar as cicloviagens, sejam elas curtas ou longas, e a sintonia é fundamental no compartilhamento harmônico dessas experiências.

Rompidas uma série de inseguranças imaginárias iniciais quando se trata de viajar entre mulheres, percebe-se que o medo maior, no fim das contas, não vem de dentro da gente, mas de fora. Isso significa que ouvir frases como “mas vão sozinhas?”, “vocês não acham perigoso?” ou “melhor chamar um amigo homem para ir junto”, faz nascer um monstro intimidador capaz de engolir, de uma só vez, a simples ideia de colocar a bike na estrada. É a cultura machista atropelando vontades, possibilidades e básicos direitos de ir e vir sem se sentir ameaçada.

É preciso transpor a barreira psicológica e social antes mesmo da cicloviagem propriamente dita. Por isso, fortalecer-se no desejo de ir e firmar-se positivamente acerca da cicloviagem é a primeira dica e, talvez, a mais valiosa porque trata-se daquela que, por si só, “abrirá o caminho”. Uma vez aberto o seu e o de sua amiga, juntas vocês estarão abrindo o caminho de outras mulheres.

Federica durante o reparo do pneu furado no Caminho dos Anjos (MG), 2013, junto à amiga Gisele Valle. Foto: Gisele Valle
Federica durante o reparo do pneu furado no Caminho dos Anjos (MG), 2013, junto à amiga Gisele Valle. Foto: Gisele Valle

Outras dicas básicas

  • Se for sua primeira cicloviagem, busque roteiros já demarcados para não ter que, de cara, quebrar demais a cabeça com a navegação. Ainda assim estude os mapas e o percurso de cada um dos dias, com atenção especial à altimetria dos trechos (o “psicológico” agradece). Leve também os números de telefone e outros contatos dos pousos do caminho, bem como as localizações exatas;
  • Planeje, mas não se prenda demais aos planos. Imprevistos acontecem e cicloviagens requerem flexibilidade e tolerância para que o bom astral seja mantido;
  • Estabeleça um ritmo de pedalada que esteja equilibrado entre todas mulheres as envolvidas. Em média, giros que acumulam 50 km ao dia (por estradas de terra) são uma boa quilometragem mesmo para uma primeira experiência. Mas, claro: isso pode variar para mais ou para menos dependendo do tipo de terreno e altimetria a serem enfrentados;
  • Muitas coisas podem ser compartilhadas a fim de aliviar peso, desde que vocês comecem e terminem a viagem juntas. Por exemplo: as ferramentas básicas das bicicletas e o kit de primeiros socorros. Mesmo a pasta de dente, fio dental, shampoo, creme de cabelo, creme hidratante ou filtro solar também podem ser compartilhados – é uma ótima oportunidade para exercitar a coletividade;
  • Otimize ao máximo a bagagem evitando todo e qualquer supérfluo e lembre-se: a lavação de roupa faz parte do rolê para que se tenha sempre uma troca limpa e não se tenha que carregar peças em excesso;
  • Dê preferência para carregar a bagagem sobre a bicicleta em vez de usar mochila nas costas;
  • Fique atenta à intuição (mas não confunda isso com paranoia). Costumo chamar a intuição feminina de “acessório invisível poderoso” capaz de nos livrar de muitas roubadas. Ouça sua intuição, respire, equilibre-se e aproveite sua cicloviagem entre mulheres!
Trocas e prosas com os personagens locais - e por que não um brinde com chopp artesanal produzido na Serra da Mantiqueira? Rota "As Minas nas Minas", 2015. Foto: Federica Fochesato
Trocas e prosas com os personagens locais – e por que não um brinde com chopp artesanal produzido na Serra da Mantiqueira? Rota “As Minas nas Minas”, 2015. Foto: Federica Fochesato

7 comentários em “Cicloviagem entre mulheres: elas não pedalam “sozinhas”, mas juntas

  1. Olá meninas. Faço trilhas a pé sozinha mas me interessei pela bicicleta através dos relatos de vocês. Poderiam me indicar um percurso próximo a São Paulo para eu começar? Pensei em um que sai de Paranapiacaba. O que acham?

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  2. Pedalo sozinha há 4 anos pela região onde moro, tenho 3 filhas e não posso por enquanto planejar uma grande viagem, então faço 100, 130, 160, 170, 200km SEMPRE que posso, as vezes toda semana e vários dias da semana as vezes mais as vezes menos, ego estradas, vou sempre sozinha, sempre estou atenta, com muita fé até hoje nunca tive nenhum tipo de problema, abordagem, nada. Apenas os comentários DE SEMPRE quando paro em qualquer lugar, pra pegar uma água, comer algo, temos muitas cidades próximas aqui entre postos no caminho. Perguntas comuns: Você é da onde? Mas você esta sozinha?? Você não tem medo?? Mas de bike?? E se furar o pneu?? Você é louca… bom isso já é um elogio pra mim!!! PARABÉNS MULHERES!!! E NADA DE PARANOIA, mas nada de dar mole não!!! Bela reportagem!

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  3. Ada, olá! Muito bacana a sua mensagem com uma leitura bastante sensível sobre o tema! Gosto muito também de cicloviajar sozinha e tenho muito o hábito (já há anos, desde os meus 20 / Hoje, estou com 41 anos) de tmb sair, sozinha, para passeios de um dia… no esquema MTB, principalmente na região da Serra da Mantiqueira (paulista e mineira). Parabéns pela sua cicloviagem de dois anos (tens minha admiração, viu???). Digamos que tmb estou me preparando para uma mais cicloviagem longa, talvez de um ano… e tmb sozinha. Em tal contexto de “auto-motivação” e “auto-encorajamento”, rs rs rs, percebo o quanto essas ciclozinhas menores (com amigas) me “impulsionam” e me fortalecem. Fiz há 14 anos, sozinha, o CAMINHO DE SANTIAGO (by bike), na Espanha, saindo da França (Pirineus) e estiquei até Finisterre e Muxia, na Galícia. E ano passado, por aqui, sozinha, fiz o CAMINHO DA FÉ. É uma descoberta da “gente mesmo” através desse mundo que nossa… mexe demais, né? Vc tem relatos, blog, algo assim de sua cicloviagem? Mande para mim! Meu FB: Federica Fochesato (Kika) – São José dos Campos. Abraços, pax e pedais eternos e ternos!!! Kika

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    1. Oi Kika,

      fico imensamente feliz em ver relatos como o seu, de mais mulheres que se encorajam e caem no mundo, sela lá da maneira que for, bicicleta, carro, carona, enfim.
      Não importa como, importa é que de qualquer maneira somos julgadas por sermos mulheres e não termos uma presença masculina …
      Eu também fiz o caminho de Santigo, essa mesma rota que você fez. Foi a minha primeira viagem de bicicleta sozinha e foi um momento muito importante da minha vida, pois descobri que eu era capaz de fazer o que eu queria e gostava tendo a melhor das companhias, a minha. Nesta viagem decidi que faria este projeto “Uma pedalADA pela América” , que inicialmente era um ano e acabou sendo 2 :).
      Tenho muitos relatos e fotos sim…no blog http://www.blogpedalADAs.blogspot.com.br e também nas redes sociais face e insta como “Uma pedalADA pela América”.
      Qualquer coisa que queira conversar sobre sua futura viagem estou a disposição.
      Abraços.
      Ada

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  4. Ótima matéria e senti na pele muito do relatado.
    Fiz uma linda cicloviagem “Uma pedalADA pela América”, por dois anos.
    Viajei muitos meses em minha companhia e outros meses na companhia de amigos e amigas.
    Quando estava só ou com mulheres, a indagação era sempre a mesma: mas você(s) estã(o) sozinha(s)?
    NÃO, estávamos juntas.
    Mas a falta da presença masculina incomoda muito a sociedade, que ainda nos dias atuais pensa que uma mulher não pode ser dona do seu caminho e fazer o que deseja sem a presença de um homem!
    Outra coisa que senti muito nestes meses de pedalada, foi que sim, o comportamento, principalmente de outros homens quando você está só e quando está acompanhada de outro homem é gritante.
    Nas estradas, quando viajava na companhia de amigos, era raro um homem fazer algum comentário desnecessário, ou buzinar exageradamente.
    E em alguns momentos, em que estava só, senti este comportamento …mas nunca a ponto de me sentir insegura ou ameaçada.
    O que não podemos é deixar que os estigmas da sociedade ditem a maneira que devemos comportar…devemos ser donas do nosso caminho, seguindo da maneira que quisermos e que nos fizer sentir feliz!!!
    Que outras mulheres possam se empoderar e serem donas dos seus caminhos e de suas vidas!!!!

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