Encontro do Pedalzinho das Mina, em Fortaleza/CE: entre mulheres, assédio é discutido abertamente e sem julgamentos. Foto: Divulgação

Assédio ainda é obstáculo para mulheres que pedalam

Depoimentos mostram que a velha “cantada” é uma forma de assédio que constrange e agride as ciclistas nas ruas

Assédio ainda é um dos fatores que desincentiva mulheres a usarem a bicicleta no Brasil. Foto: Raquel Jorge
Assédio ainda é um dos fatores que desincentiva mulheres a usarem a bicicleta no Brasil. Foto: Raquel Jorge

Enquanto o trânsito não se tornar um espaço verdadeiramente democrático, ciclistas continuarão enfrentando diversas formas de opressão. A violência cometida por condutores de veículos motorizados e que ainda não aprenderam a compartilhar a rua, ciclovias e ciclofaixas com problemas em sua estrutura, falta de local apropriado para prender a bicicleta, entre outros problemas. Porém, quando nós, mulheres, decidimos pedalar, enfrentamos mais uma forma de violência, e muitas vezes cometida por outros ciclistas: o assédio.

Durante a "Pedalada Pelada" de São Paulo, mensagens pelo corpo pediam o fim do assédio. Foto: Santiago Luz
Durante “Pedalada Pelada” em São Paulo, mensagens pelo corpo pediam o fim do assédio. Foto: Santiago Luz

Isso aconteceu com a pintora e mecânica de bicicletas Mara Oliveira e com a designer Andréa Bezz, que além de utilizarem a bicicleta como meio de transporte no cotidiano, fazem passeios e treinos constantemente. Numa dessas ocasiões, as duas estavam pedalando quando um grupo de pedal composto somente por homens passou por elas e as assediou. “Todos fardados com suas jerseys maravilhosas, nas suas bikes equipadas, mas que não aprenderam a respeitar as mulheres e começaram a assediar a gente, gritando do outro lado da via: Olha as gatinhas! Ei, loirinha!”, conta a denúncia de Andréa num grupo de ciclistas do Facebook.

Para ela, o assédio é algo inadmissível, mas é ainda pior quando vem de colegas ciclistas. “Se já é um absurdo o fato de sofrermos assédio diariamente na rua quando pedalamos nossos corres, imagine a nossa indignação em sermos desrespeitadas por um grupo do mesmo esporte!”, desabafa.

A “cantada”, que para alguns pode até ser considerada um elogio às mulheres, na verdade nos constrange e violenta. “É comum passar por uma mulher na rua de cabeça baixa porque está sendo assediada por alguém naquele mesmo momento. É triste, mas nessa sociedade em que a cultura do estupro é considerada problematização de ‘feminazi’, é difícil mostrar aos assediadores o mal que eles fazem só de baixar o vidro e chamar a moça de ‘gata'”, afirma Mara.

Encontro do Pedalzinho das Mina, em Fortaleza/CE: entre mulheres, assédio é discutido abertamente e sem julgamentos. Foto: Divulgação
Encontro do Pedalzinho das Mina, em Fortaleza/CE: entre mulheres, assédio é discutido abertamente e sem julgamentos. Foto: Divulgação

Irmandade

Para nos fortalecermos, estamos cada vez mais procurando o apoio umas das outras. Em Fortaleza, grupos feministas de ciclistas como as Ciclanas, o Pedalzinho das Mina e o Catitas Fixed são espaços em que é possível desabafar sobre questões como o assédio sem sermos julgadas.

“Promovemos passeios de bike, que acontecem quinzenalmente, e aulas para ensinar mulheres a pedalarem, que são realizadas sempre no primeiro sábado de cada mês”, conta a professora de filosofia e fotógrafa Catarina Silver, integrante do Pedalzinho das Mina. “Acreditamos que se a gente procura se unir, podemos combater essas práticas misóginas com mais eficácia. E é importante que aprendamos a reagir, porque só assim entenderão que não toleramos mais essas práticas”.

Em oficinas, encontros e eventos, Ciclanas estimulam não só o debate, mas também a autonomia e independência das mulheres que pedalam. Foto: Divulgação
Em oficinas, encontros e eventos, Ciclanas estimulam não só o debate, mas também a autonomia e independência das mulheres que pedalam. Foto: Divulgação

Esse grupos são uma espécie de refúgio, mas isso não significa que devamos pedalar somente na companhia umas das outras, assim como bicicleta não tem que estar só em ciclovias e ciclofaixas. O que estamos construindo é um mundo em que possamos estar na rua na hora em que quisermos, com a roupa que quisermos e sozinhas, se assim desejarmos. Ainda que às vezes até mesmo alguns colegas ciclistas insistam em nos oprimir, seguimos resistindo e não recuaremos.

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A autora desta matéria é mulher e ciclista – e sofre com o machismo todos os dias. Por isso, não conseguiu escrever este texto na terceira pessoa.

Ela também sabe que nem todos os homens cometem esse tipo de agressão e ela espera que, em vez de reivindicar voz nessa matéria, compartilhem o texto com aqueles que cometem esse tipo de agressão.

11 comentários em “Assédio ainda é obstáculo para mulheres que pedalam

  1. Se estiver pedalando de saia ou vestido e a bermuda de ciclismo que coloco por baixo não aparecer abaixo da barra da roupa, ouço várias buzinadinhas e “elogios”. Isto em um país em que pouca roupa já deixou de ser novidade há décadas.
    E não, não gosto desse tipo de “elogio” porque me causa medo.

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  3. Cultura do estupro? Valha-me Deus, o estupro é uma das coisas mais repudiadas pela sociedade brasileira, inclusive entre os presidiários, que são considerados a escória.
    Obviamente, o estupro é uma coisa hedionda, mas associar cantadas de mau gosto com estupro é viver fora da realidade.

    Polêmico. O que acha? Thumb up 7 Thumb down 8

    1. Tarantino, uma coisa leva à outra. Não podemos tolerar cantadas de mau gosto porque elas propagam um status quo de objetificação da mulher – que, depois de não muitas etapas, leva ao estupro.
      É preciso pensar em cada fala, SIM, pois a intenção do discurso é forte e favorece a manutenção do pensamento. E sugiro que você leia um pouco mais sobre “cultura do estupro”. Apesar de ser repudiado, como você mesmo disse, o Brasil teve um estupro coletivo a cada 2 horas e meia, em 2016 – um crescimento de 124% em 5 anos (fonte: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/brasil-teve-um-estupro-coletivo-a-cada-2-horas-e-meia-em-2016-numero-cresceu-124-em-5-anos.ghtml).
      Isso sem falar dos estupros que nunca serão registrados.
      A cultura do estupro é isso: a gente achar que cantada não tem nada a ver com estupro e vir fazer esses comentários que de nada melhoram a situação em uma matéria que trata de um problema REAL para todas as mulheres – que pedalam ou não. Não desabone essa questão que é embasada em números com um “EU ACHO”.

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      1. [Comentário oculto devido a baixa votação. Clique para ler.]

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        1. Eu deixei até fonte e você diz que sou eu quem estou dizendo que os estupros aumentaram. Você viu a última notícia sobre o cara que ejaculou no rosto de uma mulher no ônibus e foi liberado, mesmo depois de ter outras 5 denúncias por estupro na ficha policial?
          Isso é cultura do estupro. A mesma pessoa que fala na frente dos amigos que repudia o estupro, assobia para mulheres na rua. Essa mesma pessoa diz que a sociedade não apoia o estupro, mas questiona a roupa de uma mulher quando ela é estuprada.
          Não ver isso é ser obtuso.

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  4. Abandonei os grupos de pedal justamente por esta prática ser comum. Se no pedal furasse o pneu da bike de uma mulher, tinha um monte de barbado pra “ajudar”. Se tinha uma guria mova ou que chamasse a atenção, tinha um grupelho cercando. Quando viajamos em grupos mistos, a pergunta na volta era quem comeu quem e fui chamado por vários “amigos” de viado. A gota dágua foi ver um dos organizadores do pedal mexendo com puta e travesti na rua.
    Confesso que tenho policiado minhas praticas e maneira de agir, e não é um exercício dos mais fáceis, pois um olhar pode também intimidar e incomodar as mulheres. Nossa formação e nossa convivência sempre tratou estes fatos como normais e naturais, hoje percebo que é uma questão social e cultural.
    De nada adianta sair pedindo pra ser respeitado no trânsito ou gritar pelas ruas “mais amor e menos motor” se não trato @ próxim@ com devido respeito que tanto exijo para mim.

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  5. Muito bom post.
    “Esse grupos são uma espécie de refúgio, mas isso não significa que devamos pedalar somente na companhia umas das outras, assim como bicicleta não tem que estar só em ciclovias e ciclofaixas. O que estamos construindo é um mundo em que possamos estar na rua na hora em que quisermos, com a roupa que quisermos e sozinhas, se assim desejarmos.”

    Conheci o grupo das Ciclanas em Fortaleza, quando já quase terminava minha viagem de bicicleta pela América do Sul. Achei a iniciativa delas incrível.

    Confesso que quando saí pra viajar de bicicleta pela América do Sul(Projeto Uma pedalADA pela América) a maior pergunta das pessoas era se eu era louca, pois iria sozinha. Loucura seria eu ter ficado esperando a companhia ideal, as condições perfeitas.

    Foi uma experiência linda. Infelizmente posso compartilhar que este tipo de atitude machista e de assédio acontece em todos os países da América do Sul. Mas o que não podemos deixar é nos intimidar e não fazer o que desejamos por causa deste tipo de situação!!!

    Avante meninas, com companhia ou sozinhas pedalar é preciso!!!

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    1. Maria, vc realmente encara esse tipo de abordagem como elogio? Vc realmente se sente lisonjeada quando alguém estranho, em situações descabidas e/ou adversas a aborda com expressões como gatinha, linda ou gostosa? Pergunta sincera.

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  6. Eu fico triste e enojado com esses coisa… 🙁
    Como que pode o Brasil ainda ser tão machista em pleno 2017? É ridículo! Eu admiro muito vocês (mulheres), pois passam por tantas dificuldades na vida e continuam lutando. É uma pena que AINDA precisem de tanta luta, mas tenho esperança de que um dia isso melhore. =)

    FORÇA! E força no pedal também! hehehe

    Polêmico. O que acha? Thumb up 5 Thumb down 3

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