Ciclista descendo pela passarela. Pista logo ao lado é o sentido Dutra Rio-São Paulo, muito utilizado pelos ciclista na mão ou na contra-mão. Foto: Federica Fochesato

Falta de conexão coloca em risco quem usa a bicicleta em São José dos Campos

Inação do poder público expõe a risco ciclistas e pedestres em São José dos Campos. Uma ligação centro-sul é urgente na cidade.

Ciclista usa estreito trecho em terra no sentido São Paulo-Rio de Janeiro, para conseguir alguma segurança. Foto: Coletivo de Ciclistas de São José dos Campos

Conectar ciclovias existentes é, sem dúvida, uma necessidade urgente da maioria das cidades brasileiras que conta com essa infraestrutura. No caso de São José dos Campos, município a 90 km de São Paulo, não há dúvidas sobre a conexão centro-sul ser a necessidade maior, já que a cidade é cortada no meio por uma grande rodovia, a Presidente Dutra (BR-116).

É alto o risco ao qual estão expostos os ciclistas (e também pedestres) que vencem a ligação centro-sul, pois embora exista a chamada passarela do Vale Sul cruzando a rodovia, em frente ao shopping de mesmo nome, todos os demais trajetos ao redor – rodovia Dutra, suas marginais e anel viário – são completamente desprovidos de espaços destinados à circulação de bicicletas. Somente vence com segurança a transposição da Dutra e seus arredores quem circula em meios motorizados de transporte.

Na marginal Dutra, a contramão é muitas vezes o caminho menos inseguro. Foto: Coletivo de Ciclistas de São José dos Campos
Na marginal Dutra, a contramão é muitas vezes o caminho menos inseguro. Foto: Coletivo de Ciclistas de São José dos Campos

Números confirmam urgência da conexão

A urgência dessa conexão cicloviária também se torna clara por ser crescente a quantidade de ciclistas que percorrem esse trajeto. O próprio Atlas da Pesquisa Origem e Destino do Município destaca como “considerável” a parcela de ciclistas que se dirigem do centro para as macrozonas sul e oeste (mais de 10% das viagens em ambos os casos).

A pesquisa ainda aponta que “a sul é a segunda macrozona de destino das viagens que partem do centro” (considerando todos os meios de transporte). Ou seja, cruzando-se dados da própria pesquisa e assistindo ao vivo que a transposição da Dutra ocorre noite e dia – ainda que arriscada –, é de urgente necessidade uma conexão centro-sul voltada aos meios ativos de transporte.

Destaca-se também que a primeira ciclovia de São José dos Campos foi construída na zona sul, em 2001, na avenida Andrômeda. E é na mesma zona sul – a mais populosa do município e a de maior densidade demográfica – que ocorre o maior número de deslocamentos por bicicleta quando considerados os trajetos internos às macrozonas.

Sendo assim, a bicicleta faz parte da paisagem urbana daquela região e é natural que as pessoas queiram, com este veículo, também chegar até o centro para acessar seu diversificado polo comercial e de serviços. Não por acaso, é o centro que concentra a maior oferta de empregos de São José.

Em 2012 a ciclovia da avenida Andrômeda, na zona sul, a primeira de São José dos Campos, ganhou o nome de Juliana Ingrid Dias, ciclista morta na avenida Paulista por um motorista de ônibus naquele mesmo ano. Foto: Eduardo Pereira
Em 2012 a ciclovia da avenida Andrômeda, na zona sul, a primeira de São José dos Campos, ganhou o nome de Juliana Ingrid Dias, ciclista joseense morta na avenida Paulista por um motorista de ônibus naquele mesmo ano. Foto: Eduardo Pereira

No entanto, 16 anos se passaram e a clássica ciclovia da avenida Andrômeda ainda termina a 100 metros da rodovia Dutra, o que significa que, dali em diante, é preciso contar com a “sorte” para se chegar vivo ao centro, que dista menos de 1,5 km.

Em 2012, a ciclovia da avenida Andrômeda foi rebatizada com o nome de Juliana Ingrid Dias, ciclista atropelada em São Paulo, na avenida Paulista. Embora morasse em São Paulo, Julie Dias, como era conhecida, era de São José.

Contagem contra invisibilidade

Para tirar da invisibilidade aqueles que, pedalando, cruzam o eixo centro-sul, foi exatamente sobre a passarela local, usada como ponto de observação, que ocorreu a primeira contagem de ciclistas realizada por voluntários do Coletivo Ciclistas de São José, em 2015.

Foram registrados 650 ciclistas indo e vindo das mais diferentes direções, no período entre 05h e 19h. A contagem relevou nove possíveis rotas ao redor da passarela do Vale Sul, que fica justamente onde termina a ciclovia da avenida Andrômeda, não focando apenas a contagem daqueles ciclistas que atravessam a passarela.

Dentre as nove rotas consideradas como origem e destino, destacaram-se as seguintes: ciclovia da Andrômeda (como origem de 33,1% dos deslocamentos e, como destino, 35,43%), o que comprovou o quão expressivo é o uso da respectiva ciclovia; a marginal da Dutra, sentido SP-Rio (23,2% origem e 18,91% destino); e a marginal da Dutra sentido Rio-SP, direção Parque Industrial (15,4% origem e 12,44% destino).

Além do alto número de ciclistas, contagem na passarela Vale Sul mostra maior uso nos horários de entrada e saída do trabalho. Imagem: Divulgação
Ciclista se deslocando do Jardim Satélite para o trabalho na Vila Tatetuba, na passarela do Vale Sul. Foto: Federica Fochesato

Pressão popular

Foi também no ano de 2015 que a pressão popular sobre a necessidade da interligação centro-sul começou a se tornar mais evidente. Naquele ano, durante as audiências públicas relativas ao Planmob (Plano Municipal de Mobilidade Urbana), a questão foi levantada por ciclistas principalmente porque o projeto do mapa cicloviário apresentava uma rota que penalizava os ciclistas (em termos de distância e aclive) como proposta para o eixo em questão.

De lá para cá, segundo o Coletivo Ciclistas de São José, os gestores passaram considerar – pelo menos em seus discursos – que é necessária uma conexão que transponha a rodovia Dutra de forma eficiente e segura. O resultado da contagem, na época, foi levado inclusive para a concessionária Nova Dutra visto que acordos – no caso de futuras conexões cicloviárias – terão que ser fei

tos entre o município e a concessionária que administra o trecho que atravessa São José. Na época, a concessionária, que não tem nenhum registro relativo à quantidade de circulação de bicicletas e nem mesmo de número de pedestres (por exemplo, os que atravessam as passarelas), considerou bastante expressivo o número revelado pela contagem, diante do elevado risco ao qual estão expostos os ciclistas.

Ciclista exposto ao trafegar na marginal da rodovia Dutra: resultado direto da omissão do poder público. Foto: Federica Fochesato

No final da gestão que governou a cidade entre 2013 e 2016 (Carlinhos de Almeida – PT), começou a ser levantada a hipótese de se fazer uso do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para a execução da interligação. Na atual gestão (Felicio Ramuth – PSDB), nas duas primeiras reuniões realizadas entre a SEMOB (Secretária de Mobilidade Urbana) e o Coletivo Ciclistas de São José, houve comentários também sobre o possível financiamento do BID, que seria de cerca de R$ 10 milhões. Porém, segundo o coletivo, a discussão ainda está muito embrionária e continua apenas no discurso.

Se não houver um engajamento da gestão em acessar o recurso e, sobretudo, uma vontade efetiva de investir no modal bicicleta como prevê o próprio Planmob, nada sairá do plano teórico. Dessa forma, a pressão para a realização da conexão centro-sul não só será mantida como tende a crescer mais, principalmente no atual momento em que o município começa a passar pela revisão do seu Plano Diretor.

“Todas as ciclovias da cidade precisam chegar até o centro”, conta Samuel Kleber Gonçalves, 34, corretor de imóveis e morador do Bosque dos Eucaliptos, na zona sul. “Hoje preciso pegar o acostamento da marginal da Dutra e, como se sabe, muitos motoristas usam indevidamente tal faixa para as ultrapassagens. E à noite tudo fica mais perigoso.” Cerca de três vezes por semana, Kleber acessa o centro com sua bike. “Uma conexão centro-sul segura seria positiva para a cidade toda, não apenas aquem usa bicicleta”, conclui.

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