Pódio do XCO feminino na World Cup de Mountain Bike, em Balneario Camboriu (2005). Foto: Willian Cruz/VdB

Relato da World Cup de Mountain-Bike

Um relato apaixonado sobre a cicloviagem feita em 2005 para assistir um evento internacional de mountain bike

(Relato de julho de 2005, editado em 2019 para corrigir diagramação e fotos quebradas. Optamos por manter a redação original.)

Nesse fim de semana fui assistir à World Cup de Mountain-Bike, em Balneário Camboriú. Como eu estava em Florianópolis, resolvi ir de bicicleta. Seria a primeira vez que eu faria uma viagem de bicicleta para voltar em outro dia e não no mesmo.

Anunciei em algumas listas de discussão de ciclismo que eu faria isso para ver se conseguia companhia. Alguns amigos ameaçaram de ir, mas desistiram na última hora. Mas apareceu o Horacio, que recebeu meu e-mail através de alguém do CAB (Clube dos Amigos da Bike), que repassou para ele. Trocamos alguns e-mails, combinamos detalhes por telefone e marcamos hora e local de saída, o que levar, onde se hospedar, etc.

Como não tenho alforges, enfiei numa mochila tudo que eu usaria no final de semana e na viagem de volta. Eu fico muito ansioso quando vou fazer alguma coisa assim ou participar de uma competição e não consigo dormir direito na noite anterior. Fiz e desfiz a mochila umas duas vezes pelo menos. Deitei na cama e fiquei “fritando” (rolando de um lado pro outro) por uns 40 minutos até pegar no sono. Resultado: dormi só umas quatro horas.

A cicloviagem

Com a mochila pesadíssima e xingando o peso do par de tênis (que eu tive que levar pra substituir a sapatilha), encontrei com o Horacio às 5h30 da manhã do sábado, na frente do meu hotel aqui em Floripa. Ele levava uma mochila tão pesada quanto a minha ou mais.

Nascer do sol na estrada. Repare na lua minguante, em cima e à esquerda.

Fomos. Pneu furado com menos de 1 km rodado, por sorte o único da viagem. Trocamos a câmara e prosseguimos. Apesar da estrada e do barulho dos carros, vimos o sol nascer no caminho, no horizonte do oceano; vimos pastos, rios, morros, aves. O tempo foi bom o caminho inteiro, céu azul e sol pra aquecer a manhã. Um dia brasileiro perfeito.

Logo no início da viagem, ainda no escuro, encontramos uma turma de cinco ciclistas que estavam fazendo o mesmo que nós. Conversamos um pouco e, como eles levavam bem menos bagagem e menos anos de vida nas costas, iam em um ritmo mais forte que decidimos não acompanhar. Mais adiante, eles pararam para descansar ou comer e nós os passamos. Pouco depois foi nossa vez de parar para comer e fomos passados novamente.

Assim se deu até quase o final da viagem, nos encontramos até ao parar no mesmo restaurante da estrada para fazer um café da manhã. Tudo isso em um clima de camaradagem e não de competição. Isso é uma das coisas que eu gosto no cicloturismo… Esse lugar onde paramos foi o mesmo lugar onde jantei na noite da roubada de Tijucas com o pessoal do MTB Floripa (quem não leu o relato e quiser ler eu mando). Nesse horário ainda não tinha buffet, mas em compensação tinha um bolinho de banana providencial.

Cidade em festa

Entrada da cidade, com placa indicando o caminho
para a World Cup.

80km e 4h30 depois de sair de Floripa, chegamos. Na entrada da cidade, uma placa no viaduto indicava o caminho: “copa do mundo de mountain-bike”. Cada um foi para o seu hotel desfazer a mala e tomar um banho, depois nos desencontramos (sim, nos perdemos) e cada um foi por si só ao evento. Só fomos nos encontrar no final do dia. Mas isso não foi problema: nesses dois dias em que estive lá, encontrei muitos amigos, novos e antigos. Gente de Floripa, gente de São Paulo, gente que eu só conhecia por e-mail, gente que eu conheci ali na hora.

Logo que cheguei, uma decepção: não tinha estacionamento para bicicletas! Um cara da organização me explicou que não liberaram a área onde seria feito o estacionamento. O pessoal estava amarrando a bicicleta em qualquer árvore. Dei um jeito de esconder a minha atrás do estande da Caloi, devidamente acorrentada num coqueirinho, e pude ficar tranqüilo.

Praia de Laranjeiras.
Quem tirou a foto foi o Thiago, do MTB Floripa.

Assim que entrei na feira, já reconheci a Érika Gramiscelli, que não conseguia sair do lugar porque cada pouco aparecia um para tirar foto com ela. Ela sempre saía séria nas fotos, até que alguém disse “você tá tão séria, dá um sorriso”. E ela, abrindo um sorrisão metálico, respondeu: “é pra esconder o aparelho!” 🙂

Downhill

No primeiro dia, do DH e 4X, o lugar estava mais cheio. Muita gente, do meio ou não, querendo ver o pessoal se jogar morro abaixo. O povo subia o morro pra acompanhar em volta da pista, mas estava tão cheio que era quase impossível pegar um lugar bom! Tinha gente até subindo em árvore. A cada pouco passava um voado na pista, só dava pra ver a cor da blusa do cara. A gente só sabia pelos alto-falantes quem é que estava descendo.

Depois que eu já tinha encontrado um monte de gente, almoçado, conseguido guardar a bicicleta e passado em todos os estandes da feira, resolvi subir o morro. O Markohlf tinha acabado de descer e tinha feito o segundo melhor tempo. O pessoal ficava em silêncio esperando a divulgação do resultado de cada um que se jogava depois dele, comemorando cada resultado, sempre inferiores ao dele.

O pódio foi um show à parte. Ao contrário do futebol, onde os adversários trocam socos e pontapés durante os jogos, os ciclistas se confraternizam no pódio. O quarto colocado cumprimenta o segundo, o primeiro cumprimenta o quinto, todo mundo se abraça, dão banho de champanhe um no outro, fazem gracinhas para o público, exibem a bandeira do país que os acolheu. Eu devo estar ficando velho, porque quando assisto uma chegada ou um pódio eu me emociono e às vezes até derramo uma lágrima silenciosa atrás dos óculos escuros.

Podio do downhill – Markolf Berchtold terminou em segundo

Voltei para a feira e encontrei mais gente conhecida. Conheci gente nova, como o técnico da seleção brasileira de ciclismo de pista e o Marcio May. Parei em alguns estandes para conversar e, no da Crank Brothers, um senhor extremamente simpático me deu uma tremenda aula sobre os pedais egg-beater e sobre uma bomba de ar muito boa que eles fabricam. No estande da Maxxis, aprendi mais sobre os modelos de pneus que eu uso. Como havia muitos lojistas por lá buscando representação, o pessoal dos estandes estava bastante capacitado e disposto a esclarecer dúvidas e dar detalhes sobre os produtos. E a loja da Fox então? Tive que sair de lá rápido para não gastar o que eu não tinha!

A bike tecnológica da Honda

Bike de downhill da Honda, usada pelo Greg Minnaar (1º colocado)

A bicicleta de DH da Honda, com a qual o Greg Minnaar ganhou do Markohlf, era coisa de maluco. Alguns fatos sobre essa bike:

– Muita gente só sabia que quem ganhou o DH foi “o cara da bike da Honda”, não sabiam o nome do Greg Minnaar. É até normal não saber os nomes dos gringos, mas saber qual era a bike mostra o quanto ela tava tendo mais importância do que o piloto para o público médio.

– Eu vi o mecânico desmontando a transmissão pra limpar ou lubrificar e tive a impressão de que depois de abrir a caixa, ele não mexeu em mais nenhum parafuso, é tudo de encaixe.

– Dentro daquele bloco fechado que contém a transmissão é que fica a catraca, ela não fica na roda traseira.

– Dá pra passar as marchas sem pedalar, é só a roda estar girando.

– Comenta-se que as bicicletas ficaram um tempo presas na alfândega porque pensaram que eram motos. Devem ter percebido o engano quando bateram o pé no pedal e ela não pegou, hehe…

– Comentário de um moleque que viu o cara abrindo a bike: “olha, tão desmontando o motor”. Comentário meu pro moleque: “esse motor é movido a arroz com feijão” (ele não deve ter entendido nada).

– Preço: é meio que um protótipo, não acredito que vendam, eles só precificam pra dizer que tem preço. Ouvi dois comentários: uma pessoa falou em US$ 60 mil e outra em R$ 200 mil. De qualquer modo, não é nada que eu possa comprar no meu próximo adiantamento de salário…

– Tinha uns três japoneses importados lá no box, para dar manutenção na bike. Um amigo meu tava impressionado que os caras desmontavam a bicicleta inteira e davam manutenção nela sem sujar a roupa branca. E pode ver na foto: tinha um tapete ali no chão e nem o tapete tá sujo.

– O Marcelo dos Santos comentou na lista Bicicleta: “Após os treinos da equipe Honda, campeã no DH, o ‘mecânico ou analista de sistemas’ tirava a suspensão, ligava a interface USB da suspensão no notebook e transferia os dados da descida. Eles também filmavam algumas descidas e faziam uma análise completa do percurso. Outro detalhe era o desmonte das bikes todos os dias após os treinos. Os caras não tão pra brincadeira.”

Passeio noturno pelas ruas da cidade

A única foto tirada durante o passeio que não borrou demais.

Quando saí da feira e voltei pro morro onde ficava a pista, o 4X levava a galera ao delírio. Embora tenha subido de novo no morro, novamente não consegui ver nada. 🙂 Encontrei mais gente conhecida lá em cima no meio do mato e fiquei conversando. Quando vi, a prova já tinha terminado. Não fiquei para ver o pódio, porque eu queria voltar logo para o hotel, tomar um banho e ir para o passeio noturno organizado pelo Sampabikers.

O passeio foi naquele ritmo para mulher grávida acompanhar. Mas, afinal, era passeio: estávamos conhecendo a cidade e ela nos conhecendo. Nunca tinham visto uma turma daquelas por lá: devia ter umas 50 pessoas, quase todos encapacetados e a maioria vestida a caráter. Alguns garotos locais nos acompanhavam em alguns trechos, conversando conosco animados. Passamos praticamente pela cidade toda, rodando apenas uns 20 km.

Bombeiros ciclistas

Saída do passeio. Os dois caras de vermelho cheios de refletivos na blusa são bombeiros.

Nesse passeio havia dois bombeiros ciclistas. Na hora eu nem percebi, só vi que na foto que eu tirei tinha dois caras vestidos de vermelho com alforges na bike. Só fui perceber no dia seguinte, quando encontrei um deles no evento. Parei um deles para conversar e ele me contou sobre o trabalho deles.

São de Blumenau e trabalham como apoio, fazendo ronda em horários de pico, chegando a locais de acidente com muito mais agilidade que o caminhão do resgate. Nos alforges, levam equipamentos para prestar os primeiros socorros e realizar procedimentos de imobilização. Um amigo brincou que eles também atendem casos de incêndio: eles chegam antes ao local e se adiantam fazendo xixi no lugar que estiver pegando fogo…

Brincadeiras à parte, o trabalho deles merece ser aplaudido. E a iniciativa, inovadora e inteligente, mais ainda.

À noite, pizza pra me recuperar e dormi como se não o fizesse há semanas.

Cross-country

No outro dia fui ver o XC. Eu queria muito ver a largada feminina, mas não consegui chegar a tempo. A prova já estava rolando. Como a pista passava por um bom pedaço de asfalto no pé do morro, dava pra galera se espalhar ao longo do percurso e ver as atletas de perto.

A Gunn-Rita Dahle ganhou com cerca de cinco minutos de diferença para a segunda colocada. Ela deve ser a mulher biônica. A Jaque levou um tombo que até abriu um buraco no quadro, mas conseguiu chegar em quarto. A Érika teve problemas com a transmissão e teve que consertar no meio do mato; perdeu posições e terminou em sexto. Foi a última que conseguiu terminar a prova, todas as outras competidoras “tomaram volta” da líder e com isso tiveram que sair.

Conversei com a Jaqueline Mourão e com a Ivonne Kraft (a alemã que chegou em terceiro) e ambas são muito simpáticas. A Ivonne depois de correr ainda passou um tempo pedalando num rolo de treino! Ela disse que era pra “soltar a musculatura”. :O   A Jaque, miss simpatia, ficou ali no meio da feira tirando fotos com os “populares” e conversando com todo mundo.

Antonio Hermida vencendo o XC masculino com boa margem

Também perdi a largada do XC masculino, porque o estômago falou mais forte e eu tive que bater *aquele* rango. Só vi que o Hermida ganhou, e cada pouco eu ouvia o alto-falante proclamando que o Ravelli perdia posição e que não teve nenhum brasileiro no pódio. Que pena.

E por falar em pódio, a Merida colocou dois no pódio do XC masculino e duas no pódio do XC feminino. Mandaram muito bem!

Tava pesado mesmo o percurso. Mais de uma pessoa comentou comigo que um dos brasileiros passou mal e botou o bucho pra fora lá em cima, mas agora já não lembro mais se era o Edvando ou quem. Quando as meninas passaram ali embaixo ao fim da segunda volta, dava pra ver na expressão delas o esforço que estavam fazendo. E isso que aquele trecho onde eu as via era reto e plano…

Hora de voltar pra casa

No final do evento no domingo, todo mundo desmontando os estandes e eu com a maior dó de ir embora. Foi um final de semana tão bom! Deu até tristeza nessa hora.

Pôr-do-sol na praia de Laranjeiras, com a gringaiada tomando sol de camiseta

Cheguei no hotel, tomei um banho, comi uma pizza pra me preparar para o dia seguinte (sempre tenho uma boa desculpa para comer pizza) e fui dormir. Dia de dormir cedo, afinal ia madrugar pra voltar pedalando até Floripa. Dessa vez sozinho, porque meu colega optou por voltar no domingo mesmo.

Ansioso de novo, não consegui dormir tão cedo quanto gostaria, mas deu pra descansar bem. Foi difícil acordar e acabei saindo de lá mais tarde do que eu esperava, às 6h10. Mas o descanso valeu a pena: cheguei em Floripa às 10h15. Considerando a mochila, o vento contra em alguns trechos e os músculos que me aguentavam pedalando forte pelo terceiro dia seguido, a média de 23km/h superou minhas expectativas.

Parei no caminho pra comer o bolinho de banana mas não tinha mais. Por fim eu cheguei bem (bem cansado, hehe) e não tomei chuva no caminho. Na segunda à tarde começou a chover e na terça amanheceu frio pra caramba na ilha, com aquele vento sul gelado que às vezes visita Floripa, mas São Pedro segurou o tempo bom até eu chegar em “casa”. Que sorte!

Desculpem não citar o nome de todos os amigos que encontrei e conheci no final de semana, mas certamente eu cometeria a injustiça de deixar de citar alguém. Eu estava preocupado em não encontrar ninguém conhecido, mas encontrei um monte de gente que ajudou a fazer desse final de semana uma ocasião especial. Alguns com um simples “oi, como é que você tá” e outros com a companhia por poucos ou longos momentos. A todos vocês eu agradeço.

Foi um final de semana inesquecível, maravilhoso. A viagem, o evento, as provas, o local, os amigos antigos e novos, o contato com os atletas, a hospitalidade da cidade com os malucos fantasiados, os almoços na beira da praia, são momentos bons que a gente guarda para o resto da vida. Ainda estou com o “efeito bom humor” do final de semana: o trabalho esta semana está complicado e devia estar me deixando maluco, mas estou animado, tranquilo e rendendo bastante.

Ah, como eu amo pedalar… 🙂

Fim da viagem. Mas sempre haverá mais uma.

5 comentários em “Relato da World Cup de Mountain-Bike

  1. Parabéns pelo relato, embora já faça quase dois anos que escreveu e eu só esteja lendo agora. Tô aqui no trampo e após terminar de ler não estou me aguentando sentado aqui na cadeira…. ô vontade de sair pedalando. abraços.

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