Motofaixa na Av. Sumaré
A motofaixa ocupa um pequeno espaço no bordo esquerdo da avenida |
A motofaixa que foi instalada na Avenida Sumaré, aqui em São Paulo, tem prós e contras. Sua vantagem é clara: maior segurança para motociclistas e motoristas, já que as motos tendem a se utilizar da faixa em vez de passar por entre os carros. Mesmo assim, os motoristas não param de reclamar da iniciativa.
Até agora não vi UM argumento coerente para justificar prejuízo aos carros com a instalação da motofaixa. Relacionei abaixo as reclamações mais comuns – e porque elas não fazem o menor sentido.
Em seguida, comento os problemas que realmente existem com a motofaixa, mas que ninguém divulga.
Reclamações infundadas
> Nem todos os motociclistas usam a faixa
É, realmente não. Mas se metade deles tiver parado de passar no meio dos carros, os motoristas só têm a agradecer. E muito mais da metade deles parou de circular no meio das faixas, principalmente porque o espaço entre os carros diminuiu e a motofaixa acaba se tornando mais rápida.
> As motos não pagam multa se passarem pela faixa dos carros, mas os carros pagam multa se passarem pela motofaixa
Há um motivo para permitir que as motos continuem podendo trafegar pelas outras pistas e deveria até ser óbvio: se não pudessem passar pelas outras pistas, como os motociclistas fariam para entrar nas ruas à direita? Teriam que sair voando, ou fazer uma conversão proibida à esquerda para dar uma volta em um quarteirão do lado oposto da avenida, para então poderem cruzá-la no ponto onde pretendiam entrar. Impraticável, né?
Quanto aos carros pagarem multa se passarem pela motofaixa, essa é uma afirmação bastante impensada. Os motoristas não têm como “passar” pela motofaixa; o máximo que podem fazer é obstrui-la com um pedaço do carro. É como se o motorista estivesse dirigindo ocupando duas pistas com o seu veículo. Mesmo que uma delas não fosse a motofaixa, a situação continuaria sendo passível de multa. E para quê colocar um pedaço do carro da faixa das motos, se isso não ajudaria o motorista em nada?
> As pistas ficaram mais estreitas, aumentando a chance de acidentes
As pistas eram mais largas que o usual. Ficaram do tamanho que já são em outras avenidas. Há lugares em que as pistas são até mais estreitas, como na Av. Santo Amaro. Pode ter aumentado um pouco a chance de esbarrar no espelho do carro vizinho (principalmente para quem não consegue manter uma linha reta, afinal a faixa continua sendo mais larga que o carro), mas por outro lado há menos motociclistas entre os carros e a chance de alguém morrer ou se ferir gravemente diminuiu. O que vale mais? Poupar um arranhão na pintura ou poupar uma vida humana? Evitar que outro carro esbarre no meu espelho é mais importante do que evitar uma amputação acidental em um desconhecido?
> A diminuição no limite de velocidade fez o congestionamento aumentar
Esse é o maior absurdo que eu já li em relação a esse caso! Adivinhem onde está escrito isso? Na Veja, tinha que ser… A incoerência na afirmação também é clara aqui: se há congestionamento, tanto faz a velocidade máxima ser 60 ou 70: ela não será atingida mesmo! E quando há fluidez suficiente para se atingir os 70km/h, é impossível que a limitação de 60km/h cause “congestionamento”. Não faz o menor sentido!
Só para se ter uma idéia, se os 3,3km da Sumaré + Paulo IV fossem transpostos a 70km/h em vez de 60, considerando-se todos os sinais abertos e nenhum outro veículo na rua (situação praticamente impossível), seriam economizados meros 29 segundos. Então não me venham dizer que a diminuição do limite de velocidade está causando atraso na vida de alguém, oras!
Nesse trecho da avenida, os carros continuam tendo as mesmas QUATRO faixas que tinham antes. A avenida continua comportando a mesma quantidade de carros. |
> As motos têm uma faixa exclusiva e eu tenho que ficar aqui parado no congestionamento. Não é justo!
O que não é justo? Ter três ou quatro faixas para os carros e apenas uma para as motos? Ter a mesma quantidade de faixas que havia antes? O que não é justo é a falta de liberdade que o carro traz e que raramente o motorista habitual percebe. Em certo trecho há quatro faixas para carros e apenas uma para motos, mas mesmo assim são as faixas dos carros que ficam entupidas. O motivo é que há carros demais na rua e carros ocupam espaço.
E como bem lembrou o site Apocalipse Motorizado em artigo sobre a mesma motofaixa, os carros estacionados também ocupam espaço: em alguns trechos da avenida seria possível criar uma faixa adicional se o estacionamento passasse a ser proibido. Será que são mesmo as motos que estão tirando espaço dos carros? Ou os carros já consumiram todo o espaço viário da cidade e não cabe mais ninguém?
Do que ninguém reclama, mas deveria reclamar
Como sempre, o sucesso e a coerência de uma iniciativa viária são medidos apenas pelas conseqüências que ela traz aos veículos motorizados. Uma pequena parte da imprensa divulga os benefícios aos motociclistas, alguns raros comentam sobre benefícios aos motoristas e a parcela maior reclama de supostos prejuízos aos donos de carros (como fez a sempre inteligente Veja – e sinceramente eu não esperava mais).
Mas será que todos esses jornalistas, redatores, chefes de redação, diretores de jornalismo e estagiários só pensam nos 30% da população que tem carro? E os outros 70%, que usam transporte coletivo ou andam à pé? Será que os prejuízos dos 70% não motorizados valem sempre menos que os benefícios dos 30%? O planejamento de uma cidade deve se preocupar com os veículos ou com as pessoas? A cidade tem que ser boa só de dentro do meu carro? E quando eu saio dele?
Primeiro erro: área de lazer no canteiro central
O canteiro central da Av. Sumaré tem uma ciclovia que, por ter sido planejada para lazer e não para mobilidade, é freqüentada principalmente por pessoas que a utilizam para caminhada, corrida e para passear com suas crianças e cães. Não que isso seja totalmente errado, afinal faltam espaços para lazer em São Paulo, (em parte porque 30% do espaço urbano é utilizado por vias de tráfego ou para estacionamento). O espaço é arborizado, agradável, tem menos esquinas que as calçadas que ficam dos lados de fora da avenida e, tirando a poluição atmosférica e sonora, é um espaço bastante agradável. Por isso mesmo, muitas pessoas passam por ali todos os dias, seja por lazer ou para ir a pé a algum lugar.
O problema é que as pessoas que freqüentam o espaço que fica no meio da avenida estão acostumadas há anos a atravessá-la em qualquer ponto. Fica difícil educá-las de uma hora para outra para que atravessem apenas na faixa. Por total falta de planejamento e de visão de todo, só foram pensar nisso depois que acidentes graves aconteceram, por sinal logo no primeiro dia da motofaixa. O que se seguiu foi tentar educar o pedestre a atravessar na faixa – simples assim. É aí que entra o segundo erro.
Aproveita, pedestre! A próxima faixa fica a quase um quilômetro ladeira acima! |
Segundo erro: não há pontos de travessia suficientes para garantir a segurança dos pedestres
Há trechos em que as faixas estão a centenas de metros de distância, como por exemplo no pedaço entre o laboratório Delboni (esquina com a R. Pedro Coelho) até a Praça Márcia Mammana, já próxima ao viaduto da Av. Dr. Arnaldo. São 900m de avenida SEM UMA ÚNICA FAIXA DE PEDESTRES. Com que moral a CET planta ao longo da avenida faixas e placas que pedem aos pedestres que atravessem na faixa? Que faixa, CET??
Na Av. Paulo VI, essa situação se repete e é agravada pela presença de uma faculdade de um dos lados da avenida, na R. Capote Valente. Muitos estudantes precisam atravessar a avenida para pegar o ônibus do outro lado. A solução da CET? Uma faixa (indicativa, não de pedestres) no canteiro central, bem no ponto onde as pessoas atravessam, pedindo para os pedestres atravessarem na faixa. MAS QUE FAIXA, CET?? A faculdade fica bem no meio de um trecho de 700m de avenida sem nenhuma faixa de pedestres!
Se houvesse planejamento, teria sido colocado naquele ponto uma travessia de pedestres, com um sinal que fecha com o acionamento de um botão. Assim ele só fecharia quando alguém realmente precisasse atravessar, permanecendo aberto o resto do tempo. Várias vezes por dia, jovens e adultos atravessam a avenida ali, porque a travessia segura fica muito longe. Já corriam esse risco antes, mas agora com a motofaixa mais ainda, já que podem tentar atravessar no meio do trânsito parado – que para as motos não é tão parado assim.
Ué, ele não vai andar os 700 metros não? O que deu nele? O Scaringella certamente andaria esses 700m! O quê? Ele não anda a pé? Ah, então é por isso… |
Vale lembrar que o próprio Código de Trânsito diz que os pedestres devem atravessar nas “faixas ou passagens a ele destinadas sempre que estas existirem numa distância de até cinqüenta metros dele” (Art. 69). Ou seja, se a faixa estiver a mais de 50 metros, o pedestre fica liberado para atravessar onde quiser. A CET deveria ter se lembrado disso ao colocar os avisos pedindo para atravessar na faixa…
A CET mandou atravessar na faixa. Onde é que fica a faixa mesmo? Não tô vendo… |
Também deveria ter se lembrado do trecho do Código de Trânsito que diz que “os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres” (Art. 29, XII, §2º). Sendo assim, deveria haver avisos aos motociclistas para tomarem cuidado com os pedestres e não o contrário, bem como avisos aos motoristas para tomarem cuidado com as motocicletas.
Terceiro erro: incentivo ao uso da motocicleta
Na contramão das grandes cidades em todo o mundo, São Paulo vem há algum tempo incentivando o uso de motocicletas como solução para a “fluidez” do tráfego, com iniciativas como as motofaixas e a gratuidade de zona azul, sem levar em conta que elas poluem mais que os ônibus e esquecendo que morre um motociclista por dia nas ruas da capital.
Em cidades onde o mesmo órgão cuida tanto do transporte coletivo como do individual, há a visão de que uma melhor estrutura de transporte público ajuda na qualidade do ar, no tempo das viagens, na fluidez do tráfego e na diminuição de acidentes e mortes. Por aqui, libera-se o uso das faixas exclusivas de ônibus para os carros particulares e para os táxis, tudo em nome da fluidez. Os ônibus que esperem, o carro tem prioridade.
Mas quem se importa com essas coisas bobas, não é mesmo? O importante é os carros circularem…
reproduzo comentário do inácio no apocalipse:
” Acho que mais emblemático ainda é o fato de menos de uma semana depois o poder público retirar rapidamente à base de balas de borracha estudantes que bloquearam a Av Sumaré para protestar pela falta de travessia de pedestre no local, que obviamente resultou em mais um atropelamento no local. Não poderiam ser mais claros.”
A notícia da folha sobre a repressão da PM aos estudantes que protestavam contra os atropelamentos e pela instalação de faixas de pedestres: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u127296.shtml
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Oi Alex. Eu posso mesmo ter exagerado um pouco nos comentários, já que esse artigo foi meio que um desabafo. É que eu não me conformo em todo mundo criticar que os carros foram prejudicados, quando os reais prejudicados foram os pedestres. Aumentar o tempo de trajeto na Sumaré não é nada comparado com aumentar o risco de vida aos pedestres e é isso o que mais me revolta.
Concordo com sua opinião quanto à faixa cidadã e também a considero uma piada. É impossível esperar que os motoristas “colaborem” cedendo 50% de seu espaço de tráfego ás motocicletas.
A discussão da motofaixa é realmente complexa, mas esse artigo é uma boa deixa para discutirmos a questão e apontar vários lados, como você bem o fez em seu comentário.
Obrigado pela visita e volte sempre! 🙂 Opiniões contrárias, desde que embasadas em argumentos e não em achismos, também são sempre bem vindas! 😉
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Acho que você poderia ser um pouco mais imparcial no texto. Existem sim muitos motoristas ignorantes e mal educados, na mesma proporção que existem motociclistas assim. Eu sou um motorista que respeito todo mundo no transito, sempre deixo um espaço para o “corredor” das motos.
O problema comentado das faixas estreitas faz sentido no contexto de desviar de algum buraco (a sumaré recém recapeada está bem neste sentido). Quanto ao congestionamento ter aumentado, não é tão simples quanto você quis dizer. O tempo dos semáforos também foi mudado, e isso sim piora e muito o transito na região. Eu passo diariamente pela Sumaré para ir embora e notei sim aumento no congestionamento na avenida, coincidiu com a faixa exclusiva para motociclista mas não é por isso, é por conta do tempo diferente nos semáforos e é sim, a diminuição do limite já que é um limite, e não a velocidade em que todos andam. Qdo o limite era 70, a velocidade média era 40 por conta dos semáforos, com a diminuição, a velocidade média caiu por conta dos motoristas.
A faixa com certeza é uma solução melhor do que a “faixa-piada-cidadã” da rebouças, não consigo imaginar as motocicletas também paradas no transito daquela avenida que é horrível, o transito já é ruim, aumentando o tamanho da fila com as motos seria muito pior.
Na minha opinião a melhor solução é a educação tanto de motoristas quanto motociclistas. Respeitar as leis de transito e o próximo também, deixar o corredor para as motos e aos motociclistas não custa nada diminuir um pouco a velocidade ao ver um carro dando sinal para mudar de faixa.
Esta discussão é mto mais complexa e longa do que podemos imaginar.
um abraço e parabéns pelo blog.
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Stan, acho que é o contrário… Quando está no amarelo piscante é que esse tipo de semáforo não funciona. em situações normais, você aperta o botão e depois de algum tempo ele pára (há um tempo mínimo entre os fechamentos e outro tempo até que ele feche depois que você aperta o botão).
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Quem disse que pedestre não tem vez? …tem sim! Só que começa à meia-noite.
Se não me engano, os botões para o pedestre, de acionamento do samáforo só tem função no momento em que o sinal está no “amarelo piscante”, que só ocorre dá meia-noite em diante ou em algum trecho que a CET esciheu para isso, independentemente do horário.
Mas de qualquer forma, só vale pros momentos em que a luz amarela está piscante.
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Anderson, mais do que isso: durante toda a história humana as cidades FORAM FEITAS para as pessoas. Em menos de um século é que elas passaram a ser feitas para os carros….
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So para lembrar o que disse o prefeito da Colombia em um entrevista: “As cidades deveriam ser feitas para as pessoas, nao para os carros”.
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Willian, acho que esse post poderia ir em um email para a Vejinha, pois é muito grande para aparecer no comentário de notícia no site. Deixei meu comentário lá com minha opinião, e sugiro a outros leitores desse blog que façam o mesmo.
abraço!
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Excelente texto.
A propósito, um texto do Luiz Carlos Azenha, que não é sobre mobilidade, faz uma boa pergunta aos analistas políticos: “Qual foi a ocasião mais recente em que o senhor ou senhora usou transporte público? (Não vale o metrô de Paris)”.
A pergunta poderia ser estendida aos jornalistas, políticos e técnicos de trânsito em geral… Quem sabe esteja aí a resposta para tanta bobagem.
O texto do Azenha: http://viomundo.globo.com/site.php?nome=MinhaCabeca&edicao=341
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