Ghost bike de Antonio Bertolucci. Foto: Willian Cruz / Vá de Bike

Por que não foi acidente

Muitos têm criticado a postura de dizer que não foi acidente. Então vamos explicar por que o que aconteceu no dia 13 de junho com Antonio Bertolucci não pode ser considerado um simples acidente.

Muitos têm criticado a postura de dizer que não foi acidente. Então vamos explicar por que o que aconteceu no dia 13 de junho com Antonio Bertolucci não pode ser considerado um simples acidente.

O ciclista “caiu”

Comenta-se que o ciclista “desequilibrou e caiu”, por isso o ônibus o atropelou. Um ciclista experiente como Antonio Bertolucci dificilmente cairia dessa forma, sobretudo em um local sem desníveis ou buracos na pista, como mostram as fotos do local e como foi possível apurar durante a manifestação.

Mas supondo que ele realmente tenha caído antes de ser atropelado, se o motorista do ônibus estivesse ultrapassando a uma distância adequada a roda não teria passado por cima do ciclista e de sua bicicleta. O metro e meio não é à toa.

Vimos no local um pedaço do seat stay caído na rua (que liga o eixo traseiro ao suporte do selim). A bicicleta foi destruída. Se o motorista do ônibus tivesse passado por cima de Antonio porque ele caiu sozinho, passaria apenas por cima de seu corpo, não da traseira da bicicleta.

Em algum momento, o ciclista realmente caiu, nem que tenha sido depois de ser atingido pelo ônibus. Li em algum lugar que uma testemunha viu o ciclista cair antes da roda do ônibus passar por cima dele. Considerando essa hipótese, o que me parece mais provável é que o ônibus tenha tocado o guidão de Bertolucci, o que lhe fez cair.

Quando outro veículo em movimento toca o guidão de uma bicicleta, a ponta tocada avança rapidamente, virando o conjunto para a direita e desequilibrando totalmente o ciclista. Este então cai para a esquerda, justamente onde está o veículo agressor. E então não há tempo para mais nada. Supomos inclusive que tenha sido o que aconteceu com Márcia Prado, na Av. Paulista, em 2009.

Se o motorista do ônibus tivesse esperado três segundos, Antonio teria saído de sua frente e ainda compraria seus pãezinhos todas as manhãs.

O motorista não viu o ciclista

O motorista que dirigia o ônibus se defende dizendo que não viu o ciclista, como se isso fosse aceitável. Mas uma pessoa que dirige um ônibus desse tamanho e não consegue ver os outros usuários da via simplesmente não pode dirigir.

Ok, existem pontos cegos num ônibus, mas um motorista experiente sabe conviver com eles. E o ciclista não apareceu do nada em um dos pontos cegos. E considerando que o motorista o atingiu com a roda da frente do ônibus e que isso destruiu a traseira da bicicleta, é possível entender que o motorista se aproximou ˆ dele. A não ser que o ciclista estivesse dando a ré! Não tê-lo visto é igualmente indesculpável.

As marcas de sangue no asfalto estavam a dois metros da faixa de pedestres. Houvesse um pedestre terminando a travessia, o motorista também não o veria. Também o mataria.

Cerca de 20 ou 30 metros antes, há outra faixa de pedestres. Elas costumam indicar o ponto onde há pessoas cruzando a rua, certo? O motorista do ônibus deveria estar atento desde ali.

Que motorista é esse que dirige um ônibus com esse tamanho e esse peso e simplesmente não vê as pessoas na rua?

Se esse motorista tivesse matado um pedestre atravessando na faixa, não haveria essa discussão contraproducente de que “bicicleta é suicídio”. Ou diriam que andar na rua é perigoso?

Dirigir é que é perigoso. Nem todos deveriam ter o direito de fazê-lo.

A bicicleta deveria estar na ciclovia

Essa argumentação é tão lamentável, de um egoísmo e uma falta de civilidade tão grandes, que nem deveria ser comentada. Mas vamos lá.

Não há ciclovia ali e nunca vai haver: é uma via de acesso. Não há espaço para ciclofaixa ou ciclovia. O que há é um espaço viário que deve ser compartilhado.

Nunca haverá ciclovias em todas as ruas da cidade. E por mais ciclovias que tenhamos, em algum momento o ciclista terá que sair delas para chegar onde precisa. Nesse momento, precisará de respeito à sua utilização da via.

Sem esse respeito, sem essa conscientização de que a bicicleta tem direito de compartilhar as ruas com os carros, não adianta encher a cidade de ciclovias. Ao sair delas por um momento, o ciclista correrá risco. Respeito é a base sobre a qual deve ser construída a infraestrutura cicloviária da cidade. Sem ele, a mobilidade por bicicleta continuará clandestina, restrita a pequenos trechos pintados de vermelho ou sinalizados com cones.

E não adianta argumentar que o ciclista deve andar só na ciclovia. Quem usa a bicicleta como meio de transporte a utiliza para chegar a algum lugar. Eu não saio de casa com a bicicleta para ir até a ciclovia, eu saio para ir até o trabalho. A ciclovia pode estar no meu caminho ou não. Simples assim.

O Código de Trânsito protege a vida

A lei que rege o fluxo de veículos nas vias não tem como objeto os veículos e sim as pessoas. Examine o CTB com atenção e você perceberá que a principal preocupação é, sempre, com a segurança das pessoas, tendo o fluxo uma importância secundária. Primeiro a vida, depois fluir. É essa a lógica que a cidade deve seguir.

Há diversos artigos que garantem a segurança do ciclista (alguns citados no texto anterior, outros tantos disponíveis aqui). Mas as autoescolas, hoje chamadas de Centros de Formação de Condutores, costumam ensinar a passar no exame, não a dirigir com respeito à vida.

É mais importante saber quantos pontos na carteira o motorista ganha ao passar um sinal fechado do que o que pode acontecer com ele e com os outros ao fazer isso. Que diferença faz se é uma infração média ou grave? O risco de furar um sinal deve ser medido por essa pontuação ou pelas possíveis consequências?

Acidente é algo que acontece inesperadamente, impossível de ser evitado. Mas uma morte como essa poderia ser evitada, com o simples cumprimento da lei.

Quem infringe uma lei e comete um ato que pode colocar vidas em risco, tem (ou deveria ter) consciência do que pode acontecer. Portanto, deve aceitar a responsabilidade pela morte que causou.

Não, definitivamente não foi acidente.

Falta punição

O motorista saiu de lá dirigindo. Não se sabe ainda se ele fez de propósito, se tem condições para continuar dirigindo ou se foi tudo uma grande, estranha e misteriosa coincidência. Não se sabe se ele estava abalado e sem condições de dirigir. Mas saiu de lá dirigindo. É seguro ter essa pessoa ainda dirigindo? Quantos mais ele pode “não ver” pelo caminho?

Como disse um motorista de ônibus para a ciclista Laura Sobenes na Avenida Paulista: “você que vai morrer, eu só vou assinar o B.O.”. Com a certeza de que tudo vai ser apenas um B.O., motoristas covardes, irresponsáveis e criminosos colocam em risco a vida de ciclistas todos os dias.

Enquanto esses criminosos souberem que não serão presos por causa de uma “bobagem” dessas, pessoas como o Sr. Antonio continuarão morrendo e motoristas como esse, que absurdamente teve seu nome preservado até agora, continuarão matando anonimamente.

66 comentários em “Por que não foi acidente

  1. Passaram mais de cem dias depois do acidente. Sabemos se o motorista está pelo menos impedido de dirigir? Um motorista que fala que não vê ciclistas não pode dirigir ônibus. Ele estava ultrapassando o ciclista e esqueceu dele em dois segundos?
    Em Vitória, eu reparei que bastante motorista estão começando a me respeitar mais. Eu estou usando um informe na traseira da minha bicicleta e acredito que teve um efeito positivo. Porém estou vendo muitas vezes os ônibus no meio da ultrapassagem, se aproximar de volta para mim. Pode existir maldade mas existe também incompetência.
    Eu acho que eu vou comprar um câmera para filmar todas as minhas ida no trabalho. Eu acho que os comportamentos errados precisam ser divulgados e os infratores punidos.
    Eu fiquei pensando nisso quando um policial afirmou para mim que era impossível fazer respeitar essa lei. Impossível mesmo! Preciso encontrar uma câmera que tem autonomia de mais de duas horas!

    Emmanuel M. Favre-Nicolin
    Blog Vitória Sustentável
    http://vitoria-sustentavel.blogspot.com

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  2. Há 2 anos faço uso de minha bike como meio de trasporte de minha casa que fica no Tucuruvi ( zona norte de São Paulo )até meu trabalho no Belenzinho ( zona leste)e nesse trecho de 13 km p/ ir e mais 13 km p/ voltar não existem ciclovias, contudo faço a minha parte, pedalando sempre pela direita e na mão certa com todos itens de segurança, como luzes e capacete, sempre respeitando as leis de trânsito, emfim, nessa minha experiência como ciclista, o que mais me deixa abismado são os motoristas de ônibus que na sua maioria não tem um menor respeito por nós, agem como verdadeiros inimigos dos ciclistas, vêem em nós um obstáculo estranho que invadiu “a sua pista” e não um carro a menos, além de já ter sofrido diversas fechadas, aconteceu de certa vez na av. Celso Garcia, (prestem bem atenção nesses motoristas de ônibus em particular)onde eu estava aguardando em cima da calçada p/ atravessar com a roda dianteira inteiramente encostada na guia, justamente p/ não atrapalhar, ocupando um mínimo de espaço possível, vejam bem, a av. estava vazia, somente c/ esse ônibus vindo beirando a faixa dupla central e eis que então, que quando me avistou começou a se afastar do meio da av. e foi avançando cada vez mais p/ direita em sentido da guia, onde eu estava parado, eu não estava acreditando,ainda, que um ser humano fosse capaz de cometer tamaha maldade, qdo derrepente o sujeito jogou com tudo o ônibus p/ cima da guia, batendo com a lateral do veículo no guidão da minha bicicleta, consegui tirar minha mão a tempo de não ser esmagada, o guidão quebrou, mas consegui escapar com vida . Pois é, lhes recomendo com veêmencia p/ que tomem cuidado na rua, pois cada vez mais o que se vê,infelismente, são motoristas despreparados psicologica e civilmente, desrespeitando, assim o direito de ir e vir de todos nós.

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  3. Um erro na análise: Não é verdade que uma pessoa ao cair da bicicleta ela necessariamente cairá verticalmente do ponto em que está. Ela pode se desequilibrar, e dar uma guinada na bicicleta, até atingir o veículo do lado. O veículo do lado não tem como *forçar* a bicicleta a manter 1.50 m de si. Isso fica evidente no vídeo http://zapt.in/1BWV em 0:30, quando a ciclista ultrapassa o ônibus mantendo-se colada a ele.

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  4. “A curva feita para a direita não tem raio compatível com o porte do veículo, isso sim é negligência, isso sim deve ser discutido. O raio incompatível faz com que a roda traseira do ônibus “feche” sua trajetória em direção à guia.”

    Bruno esta ai a prova que o motorista é culpado, pois quando se acha que da para passar é onde acontesse o acidente, foi esse o caso, o ciclista esta a frente e o ónibus atrás, o condutor do veiculo de porte é obrigado a saber dessa ocupação de espaço.

    Também fui profissional habilitado na categoria “E”, fui porque já me aposentei, sempre respeitei os limites e na duvida pisava naquele pedal do meio que serve para frear, é o que muitos não fazem por mera preguiça e certeza que se causar algum acidente não sera punido.

    Todo cidadão tem o dever de zelar pela sua segurança e de seus semelhantes é muito fácil falar que não foi acidente provocado por negligência do motorista quando não se entende do assunto, parece uma armação igual aquela do não tão perido pago pela Globo para falar da bolinha de papel jogada na cabeça do bizarro candidato a presidente.

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  5. Acredito na hipótese de acidente e acho muito estranho “um ciclista experiente como Antonio Bertolucci” estar tão próximo de um ônibus (provavelmente fretado, como os tantos que trafeam por ali de manhã). A curva feita para a direita não tem raio compatível com o porte do veículo, isso sim é negligência, isso sim deve ser discutido. O raio incompatível faz com que a roda traseira do ônibus “feche” sua trajetória em direção à guia. Creio que essa combinação de fatores foi decisiva para o que aconteceu.

    Fala-se muito dos outros, dos motoristas, crápolas, canalhas, calhordas, covardes. Os “outros”, os “motoristas covardes” são tão negligênciados quanto os ciclistas. Perde-se tempo jogando uns contra os outros, discutindo que esse meio de transporte deve ser privilegiado e aquele deve ser abolido.

    Acordem meus amigos. Se bicicletas são um meio de transporte, carros, ônibus, táxis, caminhões também o são. Não vejo ninguém discutindo o lixo que esse cidade (metrópole) está se tornando. A cidade que é do ciclista e do motorista e do pedestre. Que no final são os mesmos…cidadãos, não?

    Não encontro discussões sobre transportes, sobre a cidade, sobre o espaço público…apenas bicicletas, ciclistas, motoristas e pedestres.

    Acredito na hipótese do acidente pois é essa a moral da história. A cidade destrata o espaço, destrata o cidadão. Joga o ciclista, o motorista e o pedestre uns contra os outros. Enquanto esses brigam, todos cidadãos, a cidade continua a destrata-los.

    Agora, quem destrata a cidade senão os próprios cidadãos?

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  6. A mais de 40 anos pedalo, só na cidade de São Paulo foram 29 anos. A mudança no entendimento dessas autoridades são voltadas para visar o lucro e nada mais, vejam no que deu a lei seca, o motorista bebum quando é pego somente paga uma multa e é liberado, deveria é ficar preso, mas isso gera gastos, então as autoridades só recebem a multa do infratror e novamente o motorista bebum esta livre para fazer o que quiser.

    No caso desse motorista de ónibus, o mesmo deveria sair algemado dentro de um camburão direto para a cadeia, é um criminoso igual ou pior aquele que porta uma arma de fogo para cometer assaltos, mas vejam como pensam as autoridades. O motorista criminoso ainda sai conduzindo a arma do crime, esta quase igual a bandido que assalta a mão armada e mata a vitima, se por acaso for preso só faltam entregar-lhe a arma e mandar ir para outra esquina continuar o que estava fazendo.

    É hora das autoridades pararem de fingir que fazem e, todos nós, de fingir que acreditamos.

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