Moradores, comerciantes e ciclistas: diferentes realidades se conhecendo e se conectando. Foto: Vá de Bike

Como foi a reunião com a AMAM

No dia 21 de novembro foi realizada uma reunião entre a Associação dos Moradores e Amigos de Moema e cicloativistas, a respeito das ciclofaixas recém implantadas na região. Veja como foi a reunião, o posicionamento da AMAM e saiba o que acontecerá a seguir.

Moradores, comerciantes e ciclistas - diferentes realidades se conhecendo e se conectando. Foto: Vá de Bike

A Associação de Moradores e Amigos de Moema (AMAM) convidou o Vá de Bike a levar alguns ciclistas para participar de uma reunião para discutir a ciclofaixa, contextualizando-a em relação aos problemas do bairro. Chamei algumas pessoas que teriam bastante a contribuir e que possuem uma postura mais moderada, pois o objetivo era promover união e esforço conjunto com a associação.

Entre os convocados, puderam ir à reunião Carlos Aranha (representando a Ciclocidade), Daniel Guth, JP Amaral (Bike Anjo), Ricardo Correa (TC Urbes), André Pasqualini, João Lacerda (Transporte Ativo) e Natália Garcia (Cidades para Pessoas). E peço aqui desculpas à Pedaline por não tê-la avisado antes.

Os problemas do bairro

Os moradores e comerciantes nos contaram seus problemas e preocupações, sobretudo com a diminuição de vagas de estacionamento e a especulação imobiliária para verticalizar o bairro. Boa parte do comércio da região é baseado em clientes que chegam de carro e, enquanto isso não mudar, as vagas de estacionamento farão diferença para os lojistas. Os moradores de prédios mais antigos, com poucas (ou nenhuma) vaga de garagem também reclamam das vagas eliminadas.

Protesto contra a retirada de mais de 3 mil vagas de uma só vez, em maio de 2010

A mobilidade baseada no automóvel e o incentivo contínuo ao uso do carro são nocivos à cidade e a seus moradores. Esperar que os indivíduos resolvam por si seus problemas de mobilidade é levar a cidade para o caos. Iniciativas como a ciclofaixa e o futuro Metrô nessa região são o início de uma mudança em direção à diminuição da dependência do automóvel, mas levarão tempo para surtir efeito. Enquanto isso, serão vistas com desconfiança e ressalvas por parte dos moradores e comerciantes. Afinal, pensam alguns, se até ontem sempre funcionou, por que mudar agora? É possível compreender esse raciocínio, mesmo que não necessariamente concordemos com ele.

Se eu fosse dono de um comércio em Moema há vinte anos e ele sempre tivesse funcionado muito bem, talvez pensasse da mesma forma. Certezas e filosofias solidificadas por décadas demoram a cair. E é difícil aceitar que um modelo que sempre funcionou pode não funcionar mais. E mais difícil é acreditar que um modelo totalmente novo, diferente da minha realidade e que eu não adotaria, possa vir a funcionar melhor. Se todos meus clientes usam o carro, como restrições ao seu uso como a retirada de vagas de estacionamento ajudaria o meu negócio?

Os moradores e comerciantes vêem o bairro de Moema mudar rapidamente. Em poucos anos, cruzar a rua se tornou perigoso, os idosos precisam correr para fazer a travessia e os pais sentem que suas crianças não estão mais seguras nem nas calçadas. A diminuição das vagas de estacionamento não é um problema só por diminuir o espaço para parar os carros: ela contribui para a fluidez. Os motoristas agora correm nas ruas. “Quando os sinais estão todos abertos, os carros voam para aproveitar o verde, já pedimos para dessincronizar os semáforos”. Uma mostra de que temos problemas em comum.

Bicimobilidade

Foto: Vá de Bike

A AMAM se posicionou oficialmente a favor da ciclofaixa e reforçou que não há abaixo-assinado ou ação pela sua retirada (como você viu na entrevista com a presidente da associação). “Não queremos que aconteça com ela o que aconteceu com as motofaixas” (que correm o risco de serem canceladas), afirmou Marcelo, relações-públicas da AMAM. E a presidente, Rosangela Lurbe, contou que está conversando com os lojistas para pedir paraciclos em frente às lojas.

Também foram enfáticos em dizer que as opiniões extremadas de alguns comerciantes não representam a posição da associação, principalmente no tocante a diferenças de classe social. Não devemos nos pautar pelas exceções, que sempre chamam mais atenção nas reportagens que as opiniões ponderadas e conciliadoras.

Apesar de alguns dos comerciantes presentes estarem bastante arredios e talvez até um pouco desconfiados da nossa presença, fomos bem recebidos. Considerando o tempo exíguo, tivemos bastante espaço, talvez tenhamos até usado mais tempo que o pessoal da associação. Os associados da AMAM mostraram maturidade ao se disporem a ouvir os ciclistas.

Cada pessoa presente na reunião teve um curto espaço de tempo para expor suas opiniões, mas três apresentações foram especialmente longas: uma da AMAM, apresentando os problemas comentados acima, a do Ricardo Correa e a da Natália Garcia.

Ricardo mostrou o plano cicloviário completo de Moema, entregue à CET há algum tempo, e explicou todo o estudo envolvido em sua elaboração, como o mapeamento das zonas azuis do bairro e o estudo da largura de vias e calçadas de algumas ruas da região. Mostrou propostas inovadoras dentro desse projeto, como a criação de faixas de ônibus que seriam compartilhadas com os ciclistas (sem a presença de carros), e o cuidado na sinalização e no dimensionamento dessa faixa para permitir um convívio seguro.

Natália mostrou o vídeo abaixo, do projeto Cidades para Pessoas, que conta como Copenhagen saiu de uma situação semelhante à nossa para uma cidade onde a bicicleta representa a maior parte dos deslocamentos. E pessoas de todas as idades e classes sociais vêem hoje na bicicleta a forma mais cômoda, prática e óbvia de deslocamento na cidade.

Conclusões e próximos passos

Por mais que sejamos a favor do desincentivo ao uso do automóvel, temos que aceitar que muitas pessoas ainda o utilizarão, seja por restrições de mobilidade, hábito, ou mesmo – vamos admitir – status. Principalmente enquanto a cidade não oferecer, incentivar e apoiar outras opções de deslocamento. Precisamos entender que a cidade que queremos deve ser construída em pequenos passos.

A retirada de vagas não foi feita pensando em desincentivar o uso do carro para promover outros modais. Foi em benefício da fluidez. Mais carros passando por minuto, para descongestionar a região e seu entorno, para permitir que os motoristas escapem das avenidas já entupidas cortando por dentro do bairro. O resultado disso é o excesso de veículos nos horários de pico e a alta velocidade nos outros momentos.

Carros em alta velocidade são ruins para os pedestres que cruzam as vias, que correm maior risco, e para os próprios motoristas, pois os acidentes entre automóveis aumentam e passam a ser mais graves. E também prejudicam os ciclistas, tanto que nas ciclorrotas a velocidade foi baixada para 30km/h.

Outro ponto de consenso é em relação às vagas de Zona Azul ao lado da ciclofaixa, que poderiam ser movidas para o outro lado da rua, tornando o entendimento das vagas de estacionamento mais simples. Em determinados horários as vagas seriam de Zona Azul, nos demais o estacionamento seria livre. Hoje, em certo horário há Zona Azul na esquerda e em outro horário o estacionamento é livre na direita. E o estacionamento “no meio da rua”, como dizem os moradores, faz com que outros motoristas parem atrás dos carros estacionados quando o sinal fecha. E é verdade, em poucos minutos presenciei vários casos.

O pessoal da AMAM também comentou sobre o estado ruim do pavimento da ciclofaixa em vários locais, mais um ponto de consenso. As valetas em forma de canaleta, lembraram os ciclistas, criam risco de queda, caso o pneu entre nelas longitudinalmente (escreverei sobre isso em breve). A localização no lado esquerdo também cria polêmica, embora na prática tenha me parecido mais segura que no lado direito, pois dá uma visibilidade melhor ao ciclista e gera mais respeito e segurança nas conversões.

As irregularidades no asfalto e as canaletas sem dúvida são pontos a melhorar, mas não tão graves a ponto de justificar uma remoção da ciclofaixa, principalmente porque representam as mesmas situações que o ciclista já encontrava antes do chão ser pintado de vermelho e que existem na cidade toda. Em algumas regiões, esses problemas existem de forma bem pior, mas nem por isso deixamos de sair com a bicicleta nas ruas. E não são eles que causam os acidentes graves com os ciclistas, como todos sabemos.

Conhecer a experiência de quem mora no bairro, mesmo que em alguns pontos destoe da nossa visão de cidade, foi bastante construtivo.  E poder mostrar nossa visão de cidade e nossa experiência em mobilidade urbana, mesmo que destoe da visão de quem mora no bairro, foi igualmente importante.

O contato entre ciclistas, moradores e comerciantes foi muito importante e produtivo. Temos todos a aprender uns com os outros e, em conjunto, podemos trabalhar por um bairro melhor, que pode servir de modelo para uma cidade melhor. A AMAM está de parabéns por se dispor a receber os ciclistas. Há pontos de divergência, claro, mas há mais pontos em comum e isso fica cada vez mais claro.

Haverá uma reunião da AMAM com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) no dia 28 de novembro. Uma comissão, montada com os ciclistas presentes, participará junto à associação. Relataremos aqui no Vá de Bike o resultado dessa reunião. Fique de olho.

Mapa

Veja abaixo o mapa das ciclofaixas e ciclorrotas:

13 comentários em “Como foi a reunião com a AMAM

  1. Sou usuário das ciclo faixas de moema, porém, como é do conhecimento de todos que se utilizam desse espaço as condições do pavimento são muito ruins com buracos que podem levar a um acidente, como ja foi mostrado em foto no “va de bike” .
    Seria necessário a implantação de ciclofaixas no sentido transversal as atuais, isto é, que desse condições ao ciclista ir para os bairros vizinhos com total segurança.

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  2. Willian, muito bom sua reportagem! Se a imprensa toda fosse com você, nosso muito seria com muito menos batalhas.
    Obrigado Willian, que bom ter encontrado vocês.
    Concordo que Moema tem muitas demandas, e estamos dispostos a encará-las e consertar o que esta errado.
    Estou feliz por finalmente os Moemenses estarem participando da vida do bairro. Logo estaremos com nosso site no ar e vcs poderão opinar e participar.
    Estou às ordens de todos.
    Compreensão e paciência são parte da humanidade, voamos explorá-las, principalmente com os desejos e opiniões alheias.
    Abraço a todos.
    AMAM
    Rosangela Lurbe
    Cel 7152 4477

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  3. Sou moradora de Moema e sou a favor do incentivo da bicicleta, embora eu concorde que há pontos a melhorar conforme discutidos na reunião. No entanto, não entendi o trajeto escolhido nem porque em Moema. Não seria mais interessante fazer a cliclovia em vias de acesso principais como a Av. Ibirapuera, Helio Pelegrino, Santo Amaro onde é difícil usar a bicicleta e mesmo um caminho até o Metrô Santa Cruz?
    Para mim também não está claro qual é o público alvo da ciclovia, pois quem mora em Moema ou faz as coisas à pé ou de carro por restrição de mobilidade. Já quem trabalha em Moema, mas mora em um lugar sem ciclovia ou longe também não deixará de usar o carro para ir trabalhar. Enfim, o trajeto escolhido me parece mais um espaço para usar como lazer, assim como a cliclofaixa dos fins de semana.

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    1. Certamente seria mais útil, Cristiane, porém é a primeira ciclofaixa de São Paulo. Será que não seria mais inteligente, antes de experimentar numa grande via, fazê-lo em vias menores? A ciclofaixa não foi feita para os moradores de moema exclusivamente. Ela visa atender a TODOS os ciclistas que cruzam moema também. Eu moro no Alto de Pinheiros, trabalho em Santana. Veja quantos bairros eu cruzo pedalando. Poderia usar ciclofaixas no meio do meu percurso se houvesse…mas não há! AINDA! Saiba que existem muitos, mas muitos mesmo, que usam a bike como meio de transporte principal. Só esse mês de novembro a bateria do meu carro 2009 já descarregou duas vezes…

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  4. Sou morador de Hortolândia (cidadew vizinha a Campinas), e gostaria muito se você, William, pudesse fazer-nos uma vizita à cidade.Embora seja uma cidade média, com cerca de 200 mil habitantes, tem uma economia pujante e por isso o número de automóveis tem crescido absurdamente.Uma pesquisa feita neste ano mostrou que a RMC (Regiao Metropolitana de Campinas) está com índices de poluiçâo maior que a capital (SP), devido à quantidade de automóveis.
    Sinto isso na pele pois toda vez que fica sem chover mais de uma demana nós não conseguimos respirar nada além de CO2.Todo ano os moradores cortam centenas de árvores e com isso a temperatura aqui está ficando induportável e o ar ainda mais poluído.
    Para amenizar o problema a prefeitura tem investido em plantio de árvores, parques lineares e ciclovias.o problema è que a prefeituranão soube se colocar no lugar do ciclista e fez a ciclovia com concreto com divisorias de madeira, o que causa trancos “naquele” lugar e fica desconfortável e depois de alguns km insuportável ultilizar a ciclovia.Também é nescessário o planrio de árvores ao lado da ciclovia pois o sol bate nela o dia inteiro.Sem contar os motoristas irresponsáveis que dirigem a 70km/h em avenidas, tirando fina os ciclistas, que muitas vezes com medo, preferem pedalar na contra-mão para poderem visializar os carros.

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  5. Srs, Gostaria de sugerir que a AMAM se preocupasse com outras coisas no bairro. A mobilidade em Moema é péssima. As calçadas são esburacadas, com carros estacionados em pseudos estacionamentos do comércio, pois aculpa metade da calçada e a outra metade no estabelecimento. As enormes lixeiras tomam conta da outra metade da calçada, e a sujeira dos cachorros mais um pedaço delas. A avenida ibirapuera está largada, com estabelecimentos caíndo os pedaços, com fachadas velhas e mal cuidadas e com inúmeras lojas de carros que utilizam a calçada para manobras, deixando bem perigoso para os pedestres. Outro problema, são os manobristas que transformam o bairro em pista de corrida, pois utilizam as ruas públicas do bairro para fins lucratívos. Outra sugestão, já que terá uma reunião com a CET, seria a reeducação de motoristas de onibus que trafegam pelo bairro, pois eles sim utilizam da velocidade para aproveitar os farois abertos e desrespeitam o limite de velocidade do bairro que é de 30km/h. Outra sugestão seria de melhorar a circulação dos onibus se concentram em poucos pontos no bairro, pois a maioria das linhas está centralizada na av ibirapuera. Os idosos nem sempre conseguem caminhar até a Ibirapuera ou até a Santo Amaro. Imaginem o bairro asfaltado, com uma faixa exclusiva para onibus e bicicleta, veículos trafegando em número menor e velocidade controlada, pessoas caminhando para os restaurantes e tendo a oportunidade de observar melhor as vitrines das lojas…. será um sonho. Não sou contra carros no bairro, mas exigir que a prefeitura coloque vagas para eles, é bem engraçado. Nos shopping centers, as pessoas precisam caminhar bastante do carro até as lojas e pagam bem caro por isso. Por que exigem essa facilidade da prefeitura???

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  6. Grande matéria! Vamos ajudar a divulgar, mostraremos assim que essa história de “guerra” entre motoristas e ciclistas é retrato de uma minoria que da Ibope para a grande mídia. Abraços!

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  7. Sou ciclista e moro na Av. Aratãs, espero que realmente cheguem ha um consenso, a zona azul no meio da rua é o que de mais absurdo aconteceu. Outro caça multas, já começaram a dar multas , a maior parte das pessoas nem se da conta que o horario acaba as 17 horas, é uma novidade, ficam os carros estacionados literalmente no meio da rua. Um perigo a noite.

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  8. Parabéns pela matéria!!! Esse relato deixou claro que o incentivo ao uso desenfreado do automóvel prejudica a todos, inclusive aos próprios motoristas.
    Infelizmente somos todos vítimas de uma política pública irresponsável e voltada a interesses privados. Gerou um nó sem fim.

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  9. O mais legal dessa história é o fato de dois grupos que pareciam, aos olhos da imprensa e dos comentários de internet, estarem em conflito e ‘pé-de-guerra’, sentar e conversar para entender os problemas que afetam a todos e tentar encontrar uma solução juntos.

    Os diversos ‘representantes’ dos ciclistas e a AMAM estão de parabéns por essa demonstração de civilidade.

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