Carros ou pessoas? Lições a aprender com Nova York
Veja o que pensam a ex-Secretária de Transportes e o ex-prefeito de Nova York em relação a carros, pedestres e ciclistas, em comparação com São Paulo.
Janette Sadik-Khan foi Secretária de Transportes da emblemática cidade de Nova York de 2007 a 2013. Nesse tempo, promoveu na cidade mais populosa dos EUA a criação de centenas de quilômetros de infraestrutura cicloviária, a instalação de dezenas de áreas para pedestres e a readequação de pontes.
O plano de Ruas Sustentáveis (Sustainable Streets) de Nova York é parte de um plano de longo prazo para combater o aquecimento global. O foco é dado em algumas áreas-chave: eficiência dos ônibus, infraestrutura para bicicletas e áreas para pedestres, o que torna a cidade mais segura e agradável para quem adota essas formas de deslocamento.
“No geral, estamos olhando para nossas ruas de forma diferente do que fizemos nos últimos 50 anos”, conta Sadik-Khan ao site Greensource. “Nós as estamos vendo como espaços públicos valiosos, não apenas corredores utilitários para levar as pessoas do ponto A ao ponto B. Para crescer e prosperar durante os próximos 20 anos, precisamos ver nossas ruas de forma diferente”, conclui.
Veja nos tópicos a seguir como a cidade avançou na questão da mobilidade, comparado ao que ocorria na cidade de São Paulo em 2012, quando da publicação desta nossa matéria. As comparações podem facilmente serem transportadas para outras cidades brasileiras de grande porte.
Ciclovias e ciclofaixas
Em termos de infraestrutura cicloviária, foram criadas mais de 480km de ciclofaixas em 5 anos (permanentes, claro), além de um grande corredor de ciclovias. Como resultado, as viagens em bicicleta mais que dobraram num espaço de apenas quatro anos.
Em São Paulo, a infraestrutura cicloviária continuava sendo exígua. Com exceção de uma ciclovia na Av. Faria Lima, com apenas 2 km, e talvez mais uma ou duas exceções (como a ciclovia da Radial Leste), as demais sofriam com falta de manutenção, de acessos ou, pior, de planejamento adequado para se tornarem viáveis ao uso cotidiano.
Os cidadãos por aqui foram levados a acreditar que uma “ciclofaixa” (termo para designar as faixas para bicicletas sem segregação física, ou seja, sem cones), deveria ter horário para ser fechada, pois atrapalha o trânsito – ainda que deixe duas ou três faixas para a circulação de automóveis, sendo que uma delas geralmente volta a ser usada para estacionamento quando a estrutura de lazer é desmontada.
Áreas para pedestres
Além da readequação de 26 pontes, para torná-las mais seguras a pedestres e ciclistas e aumentar sua capacidade para recebê-los, a cidade de Nova York tinha 50 áreas para pedestres em planejamento, projeto ou construção. O exemplo mais conhecido talvez seja a readequação da Times Square: liberando-a para pedestres, o trânsito na região melhorou e as vendas do comércio dobraram.
Em São Paulo, os espaços exclusivos para pedestres vinham sendo restringidos. Parte dos calçadões do centro da cidade cederam espaço ao automóveis nos últimos anos, para “facilitar a circulação” na área mais bem servida por transportes públicos da cidade. Ruas onde o fluxo de pessoas a pé é enorme – e que claramente deveriam ser reservadas ao pedestrianismo, como a 25 de março e a Santa Ifigênia – continuam com calçadas estreitas e veículos estacionados em ambos os lados, fazendo com que as pessoas tenham que caminhar em meio aos carros para conseguir transitar.
As pontes da capital paulista continuam atendendo apenas a quem está em um veículo com motor. Geralmente funcionam como alças de acesso não semaforizado a avenidas expressas, estimulando a entrada em velocidade e invertendo a prioridade de circulação prevista na legislação de trânsito, o que coloca pedestres e ciclistas em risco contínuo.
Bicicletas compartilhadas
Nesse ponto, por incrível que pareça, estávamos mais adiantados até o final de 2012, com 1000 bicicletas no programa Bike Sampa, em 100 estações. O programa de bicicletas compartilhadas de Nova York ainda não havia começado a ser implementado, pois sofreu atraso devido a problemas no software de gerenciamento.
A operação iniciou em maio de 2013, quase um ano após a data prevista, mas já de cara com seis mil bicicletas. E a meta é ambiciosa: a cidade pretende disponibilizar dez mil bicicletas, em 600 estações, tornando esse serviço o maior do hemisfério norte.
Um dos motivos é o apoio popular à iniciativa. Enquanto por aqui há resistência de alguns moradores e comerciantes quanto ao uso de espaço público que, em sua opinião autocentrada, deveria ser reservado ao estacionamento de automóveis particulares, em NY houve cerca de dez mil sugestões da população sobre os locais onde as estações deveriam ser instaladas.
Em termos de tecnologia, estamos bem: nosso sistema usa energia solar para alimentar as estações e tecnologia wireless para a liberação das bicicletas. Sem fios, usando energia limpa e sem poluir. Nova York adotou solução semelhante.
Enquanto criticarmos também as boas iniciativas para incentivar a bicimobilidade, o poder público continuará com dificuldade em implementá-las. Devemos, sim, apontar falhas, mas sempre mostrando caminhos e, sobretudo, reconhecendo os acertos.
Transporte público
Para aumentar a velocidade média dos ônibus, foram implementadas faixas exclusivas, ônibus de três portas, pagamento antes do embarque e prioridade semafórica. Houve melhoras significativas desde que o programa iniciou, com os tempos de viagem caindo entre 18 e 20%, e o número de passageiros aumentou na mesma proporção.
Enquanto isso, São Paulo estava investindo apenas em faixas “preferenciais” – aquelas com horário para término de funcionamento, a partir do qual se tornam áreas de estacionamento. Corredores exclusivos prometidos não foram construídos e, nos existentes, os táxis circulavam livremente (em tese, apenas quando levam passageiros; na prática, o tempo todo).
Distribuição dos deslocamentos
Segundo a então Secretária de Transportes de Nova York, um terço dos deslocamentos em sua cidade eram feitos em automóveis particulares. Outro terço era feito em transporte público e a terceira parte dos deslocamentos era feita a pé. A maior parte dos deslocamentos tinha menos de duas milhas (3,2 km).
A pesquisa Origem/Destino do Metrô de São Paulo, realizada em 2007, apurou que 38,4% dos deslocamentos na cidade eram realizados em ônibus, metrô ou trem, 30,8% eram feitos a pé e 29,7% de carro ou moto. Outro dado curioso é que existia o dobro de viagens em bicicletas do que em táxis: 0,6%, contra 0,3%. E isso considerando apenas o “modo principal”, o que descarta o uso da bicicleta para acesso a estações de metrô e trem e a terminais de ônibus, bem como o pedestrianismo de trajetos curtos após utilizar automóvel ou transporte coletivo!
Em outras palavras, esses números mostram que, proporcionalmente, o automóvel é menos utilizado em São Paulo que em Nova York. Entretanto, a prioridade dada a essa forma de deslocamento e a visão limitada da classe média motorizada e formadora de opinião, que não percebe a maioria dos paulistanos se deslocando diariamente em ônibus, trens e metrô, fortalece a crença popular de que o principal meio utilizado seria o carro particular. Se mais de dois terços dos cidadãos se desloca utilizando transporte público ou a pé, porque tanto espaço viário ainda é dedicado ao automóvel?
Pessoas são mais importantes que os carros
“Antes, a política de transporte se resumia a aumentar a velocidade dos carros na cidade. Para mim, o mais importante de tudo é priorizar o pedestre, o ciclista e o transporte público”, disse Sadik-Khan à revista Serafina (Folha de São Paulo).
Seu discurso bate com o do então prefeito da cidade, Michael Bloomberg, que afirmou, em outubro de 2012, que usuários de transporte público, ciclistas e pedestres são mais importantes que os motoristas que congestionam a cidade, segundo o New York Post. Bloomberg também disse que as ruas “não são para os carros”. Ele já havia feito afirmações semelhantes em julho do mesmo ano.
O ex-prefeito Bloomberg acreditava também que nada poderia ser feito para diminuir o tráfego de caminhões, pois a cidade precisa deles, e que a saída para diminuir o trânsito seria melhorar o transporte de massa. Por aqui, a circulação de caminhões foi restringida, priorizando o deslocamento individual em detrimento da entrega de bens que sustenta a cidade, numa vã tentativa de diminuir os congestionamentos.
Sobre a motivação para a abertura da Times Square aos pedestres, a ex-secretária de Transportes de Nova York tinha uma resposta simples: “o espaço para carros e pedestres estava distribuído de forma desigual, havia 70 pedestres para cada dez carros”. A título de comparação, na Avenida Paulista a proporção é de 100 pedestres para cada dez carros. Ainda assim, há pontos onde é necessário fazer a “travessia em duas etapas”, que faz com que o simples ato de atravessar a avenida leve quase dez minutos. Quase chega a ser mais rápido tomar um táxi para chegar ao outro lado da rua.
E Sadik-Khan deixou um recado para a cidade de São Paulo: “vocês têm uma cultura vibrante, mas precisam aprender a valorizar o espaço público e o pedestre”.
Estive em Nova York no ano passado e vi muitas pessoas usando bicicletas. Mas, Washington DC tem muito mais e o compartilhamento de bicicletas (bike sharing) é bem maior. Passei por vários postos com bicicletas de aluguel e durante o dia mal se via uma ou duas. Há noite estavam todas devolvidas. E para se ver todos os monumentos, existe o ‘pedicab’ que é o triciclo que transporta até duas pessoas adultas pagando 35 dólares. Alguns dos condutores são mulheres.
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Aqui no DF, vários motoristas entrevistados sobre as faixas exclusivas para ônibus, e algumas pérolas: “fui multada várias vezes porque não sabia que estavam fiscalizando” (só cumpre a lei quando tem alguém olhando); “pago IPVA e os ônibus têm uma faixa livre para andar enquanto eu fico aqui parado de carro” (paguei IPVA e penso que comprei a rua). Resultado do mimimi: a Câmara Legislativa daqui resolveu restringir a exclusividade das faixas para alguns horários de pico, sem considerar as particularidades das diversas vias e dos diferentes itinerários… a faixa de ônibus subiu no telhado…
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Que absurdo, Rosana. Em São Paulo não é muito diferente: a maioria das faixas são “preferenciais”, ou seja, o ônibus não pode sair, mas todo mundo pode entrar. Teoricamente, os carros entram só para entrar em ruas à direita, mas claro que muita gente usa isso como desculpa e entra na faixa do ônibus duas quadras antes, atrapalhando a vida das dezenas de pessoas que estão no coletivo. Também têm horário de funcionamento, o que para mim já é um absurdo, e táxis podem circular por elas quando estão com passageiros, como se isso não fosse atrapalhar (e claro que circulam nelas mesmo vazios).
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Não entendo como um gestor público de São Paulo nao consegue ver os benefícios de fechar a 25 de março para carros. Imagine o ganho comercial/social de uma via humanizada para todos em volta. Tudo mundo sairia ganhando e essa atitude estimularia outros locais a serem repensados, pois os consumidores se acostumariam muito facilmente com o novo ambiente.
Parece que o governo está tentando fazer alguma coisa para o público, mas ainda está com medo de mudar muito e desagradar os usuários de carro. O exemplo da ciclovia de lazer é o mais emblemático. Vamos dar cidadania para as pessoas só aos finais de semana, durante a semana o “progresso” não pode ser interrompido
Sem falar do metro em no bairro da “higiene”… Aff
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Tem razão. Esse vilarejo chamado NY (junto com aquele outro… uma tal de Paris), que são as bases pós e pré-guerra do nosso pensamento urbano não tem mesmo NADA a nos ensinar. Devemos é fazer o contrario deles. Tiremos um dos lados da calçada pra fazer mais uma faixa de rolamento… melhor ainda… tiremos os dois, assim sobra mais uma para estacionamento.
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Tipico paulistano detectado …
Aquele que vai para Paris e elogia a cidade maravilhosa onde as bikes tem espaço. Quando chega no Brasil acha que tudo mundo dirige mal e o problema são os outros. Afinal, “eu trabalhei para comprar uma SUV e portanto tenho direito de ocupar espaço mais que um zé mané “
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É mesmo né Rafael?
Tipo: “fiz 18 anos, foda-se o mundo, vou sair com o meu carrinho 0km que papai deu pra mim…. Ciclista maldito, está me atrapalhando na faixa da direita.. Maldito pedestre, está demorando pra atravessar nessa porcaria de faixa de pedestre!… Oba! Hj é domingo, bjs família to indo pedalar na ciclofaixa!”
É… REALMENTE não vai dar certo em SP… principalmente se as pessoas continuarem com essa mentalidade pessimista de “ai… não dá… mto longe… atrapalha os carros”. O prefeito pode ser contra bikes, pedestres e andar de helicoptero, mas se a população tomar iniciativa, com toda a certeza isso vai mudar! Sabe o maior problema da maioria dos brasileiros: falta de força de vontade! Sem contar o comodismo, pq lógico, é muito melhor pegar um onibus lotado, fechado, abafado, cheio de gente doente, do que simplemente transpirar um pouco e ir de bike pros lugares…
Sério, recomendo a leitura de Green Metropolis do David Owen! Quem sabe assim não ajuda a mudar um pouco a mentalidade das pessoas.
Mudar é bom, e é preciso!
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Percebo que não são só os leitores da Veja que não pescam uma ironia.
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Pessoal, acho que é meio claro que o Guilherme Caldas estava sendo irônico, reproduzindo o argumento que sempre devolvem quando falamos da situação das bicicletas em cidades como Copenhague, Utrecht, Portland, etc.
Quando se trata de NY esse argumento obviamente não cola, daí a graça do comentário do amigo.
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Sim, Alê, pelo que já vi dos comentários dele por aqui ele estava sendo irônico sim.
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Ufa! Alguém pescou a ironia!
Já tava ficando chateado.
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Excelente materia! Acompanho todos os dias o site.
Mas sobre o BikeSampa, acho que por mais que estejamos na frente de NY, ainda é bem limitado o compartilhamento de bikes, afinal, os postos estão restritos a poucos bairros da zona sul e sudoeste de sp, como Brooklin, Campo Belo (pouquissimos postos! Dois se nao me engano), Moema (futuras estaçoes), Vila Mariana e Sta Cruz, Ibirapuera, Itaim, Jardins e Paulista. Sem contar que 30 minutos é pouco tempo, ainda mais em regioes ingremes, como Sta Cruz/Vila Clamentino, com bikes tão pesadinhas. A idéia é ótima, mas como muitas coisas em SP, faltou planejamento. Espero que até 2015 (que é quando acaba o contrato do Itaú com o BikeSampa) tenham bem mais do que 3 mil laranjinhas, afinal, nãoé só aqui na zona sul que precisamos de bikes ne?
Do que adianta mais ciclovias se nao temos uma educaçao no transito, ou respeito? A mentalidade do paulistano precisa mudar. Os motoristas sao extremamente intolerantes com ciclistas e, especialmente, com pedestres, sendo que se esquecem que eles mesmos tb sao pedestres, ou pior, alguns sao ciclistas de fds utilizando as ciclofaixas.
Espero que essa nova gestao da prefeitura melhore diversos aspectos de mobilidade, baseando-se em idéias que já deram certo, especialmente na europa.
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Perfeitos argumentos…
As pessoas tentam se enganar, e enganar os outros, com idéias falsas em vez de assumir e dizer: “sou egoísta mesmo e que se explodam os outros, estejam como estiver em carros, de bicicleta ou a pé… Eu quero saber é de mim”.
Difícil assim, mas o Amor no fim vencerá…
Que venha com paz, amor, respeito e cortesia…
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