Bicicletas penduradas na Estação Julio Prestes questionam invisibilidade
Com bicicletas, cataventos e ratos, exposição de Eduardo Srur vai até 30 de maio em SP. Veja fotos e declarações do artista, no Vá de Bike.
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Nossa galeria de fotos dessa exposição Bicicletas com rodas de espelho em SP |
Quem chegar na Estacão Julio Prestes, no centro de São Paulo, vai se surpreender com cerca de 60 bicicletas suspensas por cabos de aços. Elas fazem parte da nova intervenção “Bicicletas”, montada pelo artista plástico Eduardo Srur e, apesar de mudarem o visual do local, praticamente ficam invisíveis na grandiosa estação.
Ao ser questionado sobre a forma que as bicicletas são vistas (ou não), Srur provoca: “As bicicletas não são para serem vistas de uma maneira prática e simples, como gostaríamos. As bicicletas propõem uma coisa maior que é justamente a invisibilidade que a gente tem em relação ao mundo.” E completa: “essas bicicletas instaladas na arquitetura propõem uma faísca, uma possibilidade de reflexão em relação ao espaço em que você está, ao espaco em que você vive e se desloca o tempo inteiro. Se você notar, a maioria das pessoas está anestesiada, não percebe essa intervenção, essa é a primeira provocação”.
“A segunda leitura que eu faço deste trabalho”, continua Srur, “é como você imagina a bicicleta: não como um objeto de lazer mas como de fato ela deveria ser na cidade de São Paulo: um objeto de deslocamento, de transporte, de resultado em relação a mobilidade urbana, então você tem mais de 50 bicicletas, penduradas na estação, que no fundo são invisíveis. Essa é a proposta que trago, um pouco mais densa e mais crítica do que num primeiro momento as pessoas vão ter.”
Apoio da CPTM
A exposição foi montada durante a noite, no período que há a desenergização da estação. A princípio ela havia sido pensada para a Estação da Luz mas, segundo Fabio Alvim, do marketing da CPTM, por alguns problemas técnicos não foi viável. Alvim, que acompanhou a montagem, conta que a CPTM está sempre apoiando as iniciativas de integração da bicicleta ao trem. “Hoje em dia a gente tem toda uma uma atenção especial a esse modal de transporte. Temos a ciclovia no Rio Pinheiros, que é bastante utilizada, temos bicicletários em todas as estações novas”, explica.
De fato, em dezembro do ano passado André Pasqualini, o Bicicreteiro, conseguiu um espaço grande na Estação Pinheiros para reformar bicicletas doadas e entregá-las à creche da ilha do Bororé, no caminho para a descida ao litoral – a rota Márcia Prado, circuito conhecido pelos ciclistas paulistanos. O projeto “Bicicletas de Natal” teve o total apoio da CPTM e foi divulgada aqui no Vá de Bike, no final do ano passado. Veja aqui o resultado.
Bicicletas fazem parte de uma obra mais ampla
Intitulada “Sonhos e Pesadelo”, a obra completa conta com mais duas intervenções. Ainda fazendo parte dos “sonhos”, e montada num terreno em frente a estação, grandes cataventos de garrafas PET foram instalados. Segundo o artista “mais se parecem com os moinhos quixotescos e a relação que o cavaleiro tem em relação a o mundo”, referindo a estória de dom Quixote, que se alimentava das próprias ilusões. “Você coloca esses moinhos gigantes num local de difícil penetração, num lugar que está extremamente carregado de forma negativa e você traz esse contraponto visual com escultura leves que propõem uma visão lúdica e onírica”.
Os cataventos e as bicicletas ficarão expostas na região da Cracolândia. “Essa é uma obra completa conceitualmente, porque ela traz vida, traz um lado lúdico pro centro num lugar complicado, um lugar que precisa de vida, e essa obra traz isso num momento em que a bicicleta tá em pauta, tá sendo discutida em todos os lugares do mundo”, opina Nathalia Abbud, produtora da exposição.
“A ciclofaixa passa aqui do lado, também é possível transportar a bicicleta nas estações de metrô e de trem aos domingos, então dá pra fazer passeios de bicicleta para conhecer as obras”, convida a produtora.
O objetivo da exposição, Segundo Srur, é mostrar a cidade como uma plataforma onde ela faz o seu melhor sonho ao seu pior pesadelo se tornar realidade. Da mesma forma que as bicicletas tem essa invisibilidade , a obra que está no Anhangabau, mesmo que seja mais explícita também propõe esse simbolismo de tudo aquilo que é invisível.
Permear entre o sonho e o pesadelo, entre o visível e o invisível remete também a realidade do ciclista urbano, que se desloca com prazer mas invisivel ao trânsito da cidade.
Curiosidades da montagem
Escaladores profissionais foram contratados para a montagem na estação. A maior dificuldade foi o espaço restrito, em função dos cabos de energia e de toda a estrutura da Estação, conta Cassio Pereira, escalador que participou da instalação das bicicletas.
Durante a montagem, não só a curiosidade mas os sonhos de funcionários foram despertados. Uma mulher comentou que sonha em aprender a andar de bicicleta, outra que precisa arrumar uma para o filho. Um funcionário que cuida da manutenção, Luiz Moraes, comentou que gostaria muito de poder se locomover na cidade de bicicleta, mas ainda tem medo: “eu só ando em parques, porque o motorista paulistano é muito estressado e ainda não está acostumado com a bicicleta. Acho que São Paulo ainda não entendeu que a bicicleta e fundamental até para os carros andarem”.
E a equipe era advertida o tempo todo pelos funcionários a não transitarem com as bicicletas pela Estação. É que a sala onde elas ficavam guardadas era lá no fundo, e nada mais prático do que levá-las para o local de instalação pedalando, né? 🙂
Provocações
Não é a primeira vez que Eduardo Srur trabalha questionando a mobilidade urbana. O artista é conhecido por suas intervenções urbanas ousadas, sempre provocando uma mudança do olhar do paulistano em relação à cidade. “Como disse Paulo Klee, o papel do artista é tornar visível o que é invisível”, esclarece Srur.
Em 2008, seis bikes coloridas foram suspensas em cabos de aços, na Avenida Paulista, levando o olhar do paulistano a prestar atenção em algo que passava despercebido na cidade:
Na semana que antecedeu o dia mundial sem carro, em 2012, Srur instalou uma carruagem na Ponte Estaiada, na Marginal Pinheiros. Propôs também uma corrida entre a carruagem e um carro de alta potência, pilotado por Ingo Hoffmann. Ambos saíram da estação Granja Julieta, o artista de carruagem pela ciclovia e piloto pela pista expressa da marginal: percorreram 2,7 km e chegaram empatados.
Para Srur, do ponto de vista artístico, a carruagem é a representação mais adequada para a mobilidade urbana em sao Paulo: a imobilidade. Durante sua pesquisa ele descobriu que o carro, num congestionamento, se desloca em São Paulo a 20km/h, que ironicamente é a mesma velocidade de uma carruagem nos tempos do império.
“A carruagem tem um brasão lateral formado por dezenas de logomarcas de carros e montadoras de veículos, para mostrar que não importa o carro que você tenha, você está imerso no caos da mobilidade urbana de São Paulo”, justifica Srur. “E dentro dela você tem um personagem: um passageiro solitário, dentro de uma grande carruagem. isso representa o paulistano, solitário, isolado da cidade, dentro do seu carro”.
Sobre a escolha do local para a instalação da obra, contesta sobre a ponte estaiada representar um cartao postal: “Essa ponte é um símbolo da cidade, mas isso denuncia uma carência do paulistano por símbolos ou espaços na paisagem urbana que a gente se identifique. Então qualquer mudança na paisagem que é imposta, a gente aceita. A ponte Estaiada não resolve a urgência da mobilidade urbana, não permite que ciclistas andem nela, custou muito caro e está do lado do Rio Pinheiros – esse sim um ícone de descaso e abandono da nossa cidade. O rio Pinheiros é um dos rios mais poluídos do mundo”, afirma.
Em 2006, o Rio Pinheiros também foi palco de dezenas de caiaques coloridos, que promoveram um curto-circuito visual na cidade. Nas últimas semanas da exposição, os caiaques juntaram-se ao lixo que fica no rio, alterando a composição da obra, e mais uma vez tornando visível o que é invisível. Afinal, os rios não se integram à nossa cidade e permanecem esquecidos, ali do nosso lado o tempo todo. Sem contar os inúmeros rios que foram cobertos por concreto e asfalto, invisíveis em todos os aspectos.
As instalações permanecem na cidade até o dia 30 de maio. Pegue sua bike e passe pelos locais para dar uma olhada!
Sonhos: bicicletas na Estação Júlio Prestes e cataventos em frente à estação
Pesadelo: torre com ratos no Vale do Anhangabaú
Para conhecer melhor as obras de Eduardo Srur, visite seu Tumblr.
Veja também nossa galeria de fotos dessa exposição.
Opa eu vou!
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vai rolar este pedal Srur dia 21?
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Vai sim, Silvia, veja aqui!
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Cara, que massa! Adorei as “intervenções” desse Eduardo Srur, que desconhecia. A de 2008 então… nossa, pirei! Aliás, tudo relacionado à intervenção-bicicleta, como prática (de acalmamento) ou como arte (provocativa), pra mim ainda é uma grande novidade, estou redescobrindo a magrela há apenas um mês, com andanças regulares (dia sim, dia não) nas madrugadas e finais de semana, como preparativos para o dia a dia mais pesado. E agora tudo deve estar nos conformes ao Código de Trânsito, né?
Mas por falar em intervenções… Não é que me bateu uma ou duas idéias ao ler esse post, pra intervenções quando do fechamento, hum, semafórico? Assim:
1) Amo aquelas buzininhas antigas, e imaginei um monte delas tocando, de trim-trim-trins disparando e o motorista lá tentando descobrir de onde elas vêm. Ou seja, pra dar “visibilidade” ao sonora. Ou melhor, pra atiçar e treinar a procura da visibilidade através do sonoro!
2) Amo encontrar aqueles poeminhas, tipo haikai, em ponto de ônibus, postes, muros, etc. Então, que tal criá-los com motes ciclistas e distribuí-los aos motoristas que aguardam o sinal abrir, nos moldes das propagandas de imóvel? Já pensei no primeiro (se já não pensaram antes, pois é paráfrase de um famoso): “A bicicleta é importante, porra!” rs.
3) Hum, também pensei em intervenções holográficas, mas… Vixi, deixa pra lá. Poderiam se tornar um sério risco ao trânsito.
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