Antes da ciclovia na Paulista, ciclistas pedalavam fugindo de motoristas que não aceitavam sua presença na via. Foto: Willian Cruz

Motoristas de ônibus de São Paulo terão treinamento para lidar com ciclistas

Necessidade de treinamento ganha sentido de urgência após a terceira morte de ciclista envolvendo ônibus na avenida Paulista.

Faixa de ônibus da Ponte das Bandeiras foi sinalizada para indicar a presença também de bicicletas. Foto: Silvia Ballan
Faixa de ônibus da Ponte das Bandeiras foi sinalizada por ciclistas para indicar a presença também de bicicletas. Foto: Silvia Ballan

No último 27 de outubro, mais um ciclista foi atropelado por um motorista de ônibus em São Paulo, no cruzamento da avenida Paulista com a avenida Brigadeiro Luis Antônio. A vítima fatal foi Marlon Moreira de Castro, de 35 anos, que trabalhava como bike courier na empresa Ecolivery Courrieros. O ciclista fazia entregas há cerca de três anos e morava em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. É a terceira morte em um espaço de 700 metros (as outras foram Márcia Prado em 2009 e Julie Dias em 2012) e em todas motoristas de ônibus estavam envolvidos.

Após mais uma tragédia envolvendo ciclista e motorista de ônibus, o Vá de Bike procurou a São Paulo Transporte (SPTrans) para saber se os motoristas das empresas concessionárias e permissionárias responsáveis pelo transporte de passageiros em São Paulo recebem treinamento de direção defensiva e de convivência com a bicicleta no trânsito.

Atropelamento ocorreu no cruzamento com a Av. Brigadeiro Luis Antônio. Foto: Talita Rodrigues
Atropelamento de Marlon Moreira de Castro, o terceiro com morte na avenida Paulista, ocorreu no cruzamento com a Av. Brigadeiro Luis Antônio. Foto: Talita Rodrigues

Proposta em andamento

Em nota, a autarquia responsável pela gestão das linhas de ônibus informou que a Secretaria Municipal de Transportes (SMT), por intermédio da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e da SPTrans, já vem preparando uma proposta de programa específico de formação para motoristas de ônibus com foco na relação com os ciclistas.

A ideia será apresentada às empresas de ônibus (concessionárias e permissionárias) que, na sequência, poderão realizar os cursos aos seus condutores. A nota informa ainda que, por causa da implantação das ciclovias na capital paulista, já estava prevista essa atenção especial ao convívio entre ciclistas e os demais atores no trânsito. Na próxima semana o grupo de trabalho da SMT terá mais um encontro para a elaboração do programa.

A SPTrans orienta empresas operadoras a cumprirem cronograma de treinamento e reciclagem profissional que prevê cursos de direção perigosa e direção defensiva. Além disso, também desenvolve treinamentos específicos para que as concessionárias e permissionárias do sistema de transporte apliquem para todos os seus operadores. Esses treinamentos ocorrem até duas vezes ao ano.

O Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss) também desenvolve atividades de treinamento em conjunto com as operadoras do sistema.

Pressão

No fim de julho, o empresário Roberson Miguel, do Jardim Peri, zona Norte de São Paulo, quase se tornou mais um mártir do trânsito. Ele foi ameaçado quando pedalava pela avenida Sumaré, sentido Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. Durante quilômetros, o motorista da linha 209P/10 Cachoeirinha-Terminal Pinheiros, da viação Sambaíba, jogou o coletivo contra o ciclista, que teve que se refugiar na calçada em alguns momentos.

“Eu vou matar o próximo ciclista que eu cruzar!”, foi o que Miguel ouviu do motorista (leia o relato completo aqui). Após quase acontecer uma briga, já no ponto final, o empresário fez uma reclamação ao fiscal presente, além de levar o fato ao site da SPTrans e ao SAC da Sambaíba. Em resposta a Miguel, a autarquia e a empresa informaram que o funcionário foi advertido e passaria por treinamento.

Inconformado com a resposta protocolar, Miguel fez um mobilização online para pressionar o secretário Jilmar Tatto para o treinamento e capacitação de motoristas de ônibus. Três meses após a quase tragédia, nenhuma resposta foi recebida. “A pressão cresceu bastante depois da morte do Marlon. E vamos aumentar por todos os meios possíveis para que o secretário Tatto nos ouça.” Até o momento, mais de 560 pessoas assinaram a petição.

Assine aqui a petição pela realização de treinamentos com motoristas de ônibus em São Paulo

"O negócio é sério", afirma motorista que passou pelo treinamento. Imagem: Roberta Soares/Reprodução
“O negócio é sério”, afirma motorista que passou por treinamento em Recife (PE). Imagem: Roberta Soares/Reprodução

Capacitação

Diferentes cidades do Brasil já ministraram ou estão realizando treinamento de motoristas de ônibus. Salvador (BA), Recife (PE), Porto Alegre (RS) e Florianópolis (SC) são alguns exemplos.

A formação, no entanto, é diferente da realidade das ruas, pois acontece no pátio da própria empresa de ônibus. Os motoristas pedalam bicicletas fixadas em cavaletes especiais, portanto estáticas e não sujeitas a trepidações, buracos e ondulações de terreno, nem do desequilíbrio provocado pela ultrapassagem em alta velocidade e a uma distância reduzida. São justamente essas condições que oferecem risco a quem pedala nas ruas e que já resultaram na morte de ciclistas por todo o Brasil.

Em São Paulo, o ciclista André Pasqualini é protagonista do primeiro treinamento realizado com motoristas de São Paulo, em 2009, com o apoio da SPTrans. Na época, foi registrada queda nas mortes de ciclistas envolvendo ônibus em quase 70%, após o curso. “O treinamento tem que ser melhorado. Uma das falhas foi que, como eles ficaram a cargo das empresas, infelizmente nem todas o repassaram como deveriam”, diz André.

Já trabalhando em sua reformulação, em abril de 2012 Pasqualini realizou novamente um treinamento em parceria com a SPTrans. Foram três grupos formados por 15 multiplicadores (instrutores dos motoristas), um de cada consórcio que trabalha na cidade, 10 motoristas de ônibus e 10 motoristas de ônibus de linhas de São Paulo que também eram ciclistas – alguns usavam também a bicicleta como meio de transporte para chegarem ao trabalho.

Segundo Pasqualini, durante a dinâmica, os motoristas comuns e principalmente os multiplicadores viam o compartilhamento entre ciclistas e motoristas de ônibus como um problema. “Por outro lado, o grupo formado por ciclistas motoristas, além de não encontrarem nenhuma dificuldade no compartilhamento, assumiam enquanto motorista toda a responsabilidade pela segurança dos demais ciclistas da via”, conta. A difrença se dava porque este último grupo conhecia a realidade dos ciclistas e tinham noção exata de quais eram as situações que poderiam colocar em risco quem estava de bicicleta.

Treinamento pretende formar cerca de três mil rodoviários. Foto: Gabriel Lima/AGECOM
Treinamento pretende formar cerca de três mil rodoviários em Salvador (BA). Foto: Gabriel Lima/AGECOM

Atuação

De acordo com a SPTrans, quando ocorre  um incidente com vítimas envolvendo veículos da frota operacional do sistema de transporte público, a equipe do Programa de Redução de Acidentes em Transportes (Prat) é acionada. São profissionais treinados em curso de acidentes de trânsito da Secretaria Nacional de Segurança Pública junto ao Instituto de Criminalística (IC) da Polícia Científica em São Paulo.

Essa equipe comparece ao local  da ocorrência para fazer um Relatório Preliminar de Acidente (RPA). Quando possível, são colhidos depoimentos de envolvidos e testemunhas, tiradas fotos dos veículos e da sinalização viária e feito um croqui do local. Na SPTrans, é montado um processo no qual são anexadas cópias das ocorrências registradas na polícia. O material segue para a equipe Prat, que avalia os dados tecnicamente, incluindo o comportamento do motorista do ônibus.

Caso seja comprovado que o motorista do coletivo não dirigia defensivamente, o mesmo é afastado preventivamente da operação e bloqueado no Cadastro de Operadores. Ele só poderá voltar a dirigir um ônibus depois de apresentar comprovante de reciclagem no curso de Direção Defensiva, atestado de sanidade física e mental e exame psicotécnico, todos com data posterior ao acidente.

A SPTrans informa ainda que a equipe do Prat não apura responsabilidades do ponto de vista policial ou criminal. Esta investigação fica a cargo da Polícia Civil.

O que diz a Lei

Art. 201. Deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinquenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta:

Infração – média;

Penalidade – multa.

Art. 220. Deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito:

(…)

XIII – ao ultrapassar ciclista:

Infração – grave;

Penalidade – multa.

Veja também
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14 comentários em “Motoristas de ônibus de São Paulo terão treinamento para lidar com ciclistas

  1. A MALES QUE VEM PARA O BEM…

    Recife uma cidade pequena que só adquiri coisa ruins das Cidades grandes, por exemplo,
    Recife adquiriu o transito de SP, esse mal, nos faz obrigar a sair de casa de
    bicicleta que fazem a saúde . 🙂

    OBS: Vale lembrar motoristas de Recife, ainda existe os mal educados, cavalos, por favor
    nos respeitem, falo de carros pequenos e motorista de ônibus.

    A semana um carro bateu em meu guidó, o pior não aconteceu porq Deus sempre
    está comigo , amém !

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  2. Olha , já tive problemas com onibus , mas não senti tanto que estão despreparados. Os piores , de longe , são alguns Taxista.Com estes a briga é diaria.Alguns deles não desviam de jeito nenhum mesmo pedindo que se afaste.Um deles me disse que a rua não era lugar de bicicleta.Não vou nem dizer aqui o que respondi.Outro que devemos tomar cuidado são as motos.Tem alguns loucos despreparados que se acham e que se sentem afrontados.

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  3. Sinceramente, contesto a eficácia de repassar essa importantíssima tarefa de conscientizar e educar os motoristas para as empresas terceirizadas. Muito provavelmente elas não darão a atenção do qual o assunto exige e, por serem independentes entre si, terão métodos diferentes de como abordar a mesma questão. Por se tratar de um grupo de profissionais que vivem, cotidianamente, no trânsito caótico de São Paulo deveriam passar por um treinamento muito mais estruturado e controlado pelos órgãos que, ao contrário de terceirizarem a responsabilidade, deveriam aceitá-la por completo e garantir que, desde a primeira vez, seja feita com qualidade. Realmente, não gostaria de ver mais uma leva de comentários baseados em “pelo menos começaram a fazer algo.”

    Sim, pelo depoimento do Pasquilini por menor que ação seja ela já pode assumir por resultados, mas isso não é suficiente. Como já comentado por outros leitores, apenas UM caso de desrespeito pode resultar numa tragédia. Ter certeza da aplicação do curso é essencial. Espero estar redondamente enganado, ainda mais que não há algo estipulado oficialmente.

    Toda vez que saio de bike pelo menos um motorista de ônibus desrespeita a distância mínima de 1,5m. Felizmente a maioria respeita, pelo menos é a minha impressão aqui nos bairros da Zona Norte. O mesmo não posso afirmar sobre os carros, esses, várias vezes, chegam a me ultrapassar em alta velocidade guardando uma distância inferior a 30 centímetros tudo para parar no sinal vermelho a uns 30 metros mais a frente; onde os ultrapasso. Até hoje nunca conversei com um para saber o motivo, mesmo tendo oportunidade, apenas troquei olhares (já recebi giro de motor como desafio). Espero que não sejam as chamadas “finas educativas”.

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    1. Quanto a eficácia…

      A questão colocada por Gui Borducchi é bastante relevante.

      De nada adianta o motorista ser treinado para respeitar as regras de trânsito relacionadas a bicicleta se o sujeito é constante pressionado a cumprir metas ainda tendo o extremo stress causado pela profissão.

      Imagina ter que conduzir um trambolho daquele, com o barulho do motor do lado o tempo todo, sendo responsável por monte de gente, stress do trânsito, calor, desconforto e ainda ter que respeitar ciclista… Rsssss.

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      1. Sim, realmente. Para fechar a folhinha… Eu não gostaria de virar panqueca porque o motorista estava estressado =b

        Eles estão constantemente em conflito com diversas responsabilidades e, pelas primeiras sugestões que podem a ser praticadas, a própria empresa que cobra as metas (baseadas em tempo e número de viagens) é responsável pela conscientização do respeito à vida. A minha dúvida é: qual ela dá mais prioridade quando o empregador cobra por resultados? O lado mais fraco sempre sai perdendo…

        Concordo, o lado do motorista é importante e, claro, não pode ser deixado de lado em momento algum.

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    2. Na periferia, e, na divisa de municípios, tem o problema que os motoristas de ônibus, não são na sua totalidade de município, são intermunicipais. Então se for na lógica, terá que treinar também estes motoristas de ônibus intermunicipais que é do Estado. Então, ou leva esta questão para o estado ou para a federação, aí recai no CNT, Código Nacional de Trânsito.

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  4. Caros,

    Uma questão que vejo pouco ou quase nada discutida é a pressão sobre os motoristas no cumprimento dos “horários” para cada viagem.
    Acho o treinamento fundamental, sobretudo para gerar mais empatia aos motoristas, colocando-os do nosso lado nas ruas.

    Mas se a métrica do trabalho deles ainda for viagemXtempo eles provavelmente seguirão acelerando. O que acham?

    Abraços!

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  5. Verdade seja dita, os motoristas brasileiros melhoraram bastante de uns anos pra cá. O grande problema é que existe uma meia duzia de malucos que pensam estar acima da lei, como eles aprontam de tudo e sempre falam que foi um acidente, cometem várias atrocidades sem preocupar com a vida do seu próximo. Se nossas leis punissem com vigor esse tipo de motorista e tirasse esses elementos da rua, teríamos um transito infinitamente melhor, mas se depender do Judiciário e do Legislativo, vai demorar décadas pra isso acontecer.

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    1. Ou seja, achar que ciclofaixas irá dar mais segurança, é exagerar, dá falsa impressão de segurança, além de ser um gasto público desnecessário. Este dinheiro deve ser usado na implantação de ciclovias de verdade, com separação física efetiva. Ciclofaixas ode causar mais problemas que soluções. Aliás 400km de ciclovias, não deveriam considerar as ciclofaixas, sobre esse ponto de vista.

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  6. Ônibus ultrapassar a bicicleta sem tomar uma distância segura é realmente a ocorrência mais frequente.
    Mas também há um outro tipo de situação de risco bastante comum:
    Quando o ônibus e o ciclista chegam em um cruzamento e o ciclista para para o ônibus entrar na outra via, o ônibus começa a faze a curva mas como é um veículo longo a sua traseira vai entrando na curva se aproximando do ciclista. Às vezes a traseira do ônibus chega tão perto do ciclista que ele se vê obrigado a subir na calçada para não ser atingido.
    Eu já chegei a ser tocado algumas vezes pela traseira do ônibus, como estava parado não houve problema mas o susto é grande!!!

    Acho que boa parte dos motoristas de ônibus respeitam ciclistas. Só que o problema é que se 100 motoristas respeitam nada acontece e todos são felizes, o problema é quando apenas 1 motorista não respeita e dependendo da situação pode levar a um acidente grave.

    No fim do dia nem vamos nos lembrar da quantidade de motoristas que nos respeitaram, mesmo porque, nem percebemos direito estes motoristas, mas vamos nos lembrar perfeitamente de 1 único motorista que nos deu uma fechada perigosa.

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    1. É verdade, muitos + muitos mesmo respeitam, a grande maioria respeita, e até hoje lembro de uma mulher com um fiesta que quase encostou o retrovisor no meu guidão.

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  7. Faz falta a vários motoristas de ônibus o treinamento necessário para conviver não apenas com ciclistas, motoristas, pedestres, e até mesmo com os passageiros transportados.

    São diversos os abusos diários que eu vejo sendo cometidos.

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