Homenagens a ciclistas que se foram, ghost bikes buscam reflexão sobre respeito, infraestrutura e segurança. Foto: João Magalhães

Ghost Bikes, na França ou no Brasil

Mesmo com cultura ciclística e respeito, Paris também tem ghost bike. Veja a reflexão sobre respeito e segurança que a bicicleta fantasma trouxe a João Magalhães.

Homenagens a ciclistas que se foram, ghost bikes buscam reflexão sobre respeito, infraestrutura e segurança. Foto: João Magalhães
Homenagens a ciclistas que se foram, ghost bikes buscam reflexão sobre respeito, infraestrutura e segurança. Foto: João Magalhães

Por João Magalhães

A bicicleta é uma representação física, uma materialização do que a “liberdade” significa para nós: o direito de ir e vir, de sermos e estarmos onde quisermos e quando quisermos. Algo que buscamos com tanta gana. A bicicleta é alegre, ágil, ligeira e ao mesmo tempo frágil e simples. Assim como a própria vida humana.

Em Paris também há ghost bikes. Vi uma em um movimentado cruzamento, em um bairro tipicamente residencial de Paris, Le Temple, na área central da cidade. Por ali passam milhares de ciclistas todos os dias, homens e mulheres de idades variadas, em sua maioria em deslocamento para o trabalho. Ciclistas que basicamente utilizam a bicicleta em sua mobilidade, bem vestidos: homens de terno, mulheres de salto.

Já tinha visto ghost bikes em São Paulo e ver uma em Paris causou surpresa, desconforto e reflexão. Porém, pensando melhor, na verdade ninguém jamais se acostumará com uma ghost bike. E ela foi criada justamente para isso: causar impacto. Uma bicicleta branca, imóvel como um epitáfio urbano, sinalizando que naquele local uma vida foi interrompida abruptamente, precocemente, sem necessidade. Essa é a missão da bicicleta fantasma: não deixar que aquela vida desperdiçada caia no esquecimento. Ela deve manter motoristas, ciclistas e pedestres alertas.

Segundo o site ghostbikes.org, a primeira bicicleta-homenagem desse tipo foi criada em 2003 em St. Louis, Missouri, nos Estados Unidos. Isso mostra que essa manifestação em forma de memorial é relativamente recente. O site chama atenção especial para o fato de que todos nós ciclistas pedalamos por ruas e estradas pouco seguras, e que todos corremos os mesmos riscos. Além disso, também destaca o poder que uma bicicleta fantasma exerce. O impacto dela nas pessoas, silencioso, quase velado, é tão forte que a rotina de fazer este memorial-bicicleta, mesmo que triste, será sempre repetida enquanto for necessário. Aqui no Vá de Bike você tem instruções sobre como instalar uma ghost bike, junto a uma lista de todas que já foram feitas em São Paulo.

A bicicleta branca que vi parada, presa e exposta permanentemente em um poste na Rue de la Republique cumpre seu papel. As pessoas que passam por ali não podem (ou não conseguem) ignorá-la. Para nós, ela fala “olhando nos olhos”. A maioria dos países da Europa é bike friendly, com estrutura, cultura e segurança para se pedalar. Em Paris toda essa condição favorável está presente, mas mesmo assim a bicicleta fantasma é real. O que dizer do Brasil então? De cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, onde motoristas de automóveis, ônibus e caminhões circulam em altíssima velocidade, ignorando a fragilidade do ciclista à sua frente?

Além da necessidade de um maior respeito ao ciclista e de estrutura viária adequeada, uma das lições que podemos tirar da ghost bike francesa é a importância de pedalarmos seguros. Seja visto nas ruas, seja notado. Embora os motoristas tenham responsabilidade legal e moral de proteger a vida de quem está pedalando na via, o comportamento de quem está na bicicleta pode aumentar sua segurança e até mesmo melhorar essa relação com quem dirige. Um ciclista responsável, pedalando com atenção, respeitando as leis de trânsito mesmo que seja apenas num passeio de domingo, tende a chamar atenção de forma positiva. Pode soar como coisa de “ciclochato”, mas pedalar com consciência é muito importante, principalmente nesse momento de transição que estamos vivendo, onde temos mais gente começando a sair de bicicleta às ruas. Dê o bom exemplo na bike; por incrível que possa parecer, você pode estar salvando a vida de alguém.

A Shimano é uma das maiores empresas do mundo no mercado de bicicletas. E nós que trabalhamos diretamente com bike, incentivando e promovendo o uso e a cultura da bike, temos dever de chamar atenção para esse aspecto. Em Paris ou em São Paulo, em Nova York ou no Rio de Janeiro, pedale seguro. Respeite e seja educado, inspirando os motoristas a retribuírem esse respeito e educação, e não se arrisque sem necessidade. Somos a parte mais frágil do trânsito depois dos pedestres e, até que o poder público e os próprios motoristas de veículos automotores entendam melhor todos os benefícios que as bicicletas trazem, cuide bem de você, dos pedestres, da sua bike e de todos os seus amigos ciclistas. Em algum lugar do mundo, sabemos que uma ghost bike estará lá, cumprindo seu papel. Mas o que queremos de verdade são as living bikes – ciclistas vivos.

João Magalhães começou a trabalhar pela bicicleta em 2004 e essa tem sido sua principal ocupação.
Usa a bicicleta todos os dias e é coordenador de comunicação da Shimano.

1 comentário em “Ghost Bikes, na França ou no Brasil

  1. Texto claro e lúcido, parabéns. Sempre sou a favor da convivência pacífica entre todos, e digo não às guerras entre os meios de transporte.

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