Policial usa arma de choque em um cidadão fantasiado. Imagem: Carlos Edward Campos/Reprodução

PM reprime bloco de carnaval de ciclistas com atropelamento, agressões e prisão em BH

Bloco da Bicicletinha estava concentrado quando a Polícia avançou. Videos mostram uso desmedido da força, com bombas, gás e armas de choque. PM justificou ação

A roda traseira torta denuncia o atropelamento, que foi usado para justificar a prisão de Fernando Tourinho, como se fosse ele o agressor. Imagem: Carlos Edward Campos/Reprodução
A roda traseira torta denuncia o atropelamento, que foi usado para justificar a prisão de Fernando Tourinho, como se fosse ele o agressor. Imagem: Carlos Edward Campos/Reprodução

O Carnaval em Belo Horizonte é nacionalmente conhecido pela alegria dos seus blocos de rua. O Bloco da Bicicletinha, um dos mais conhecidos da cidade, agrupou mais de 500 ciclistas para celebrar a bicicleta durante os festejos de Carnaval, manifestação popular que é uma das marcas da alegria do país. Mas a festa foi interrompida por uma ação violenta e desproporcional.

O bloco estava em seu terceiro ano de desfile no Carnaval de BH, quando, em meio a passagem de ciclistas pela Avenida Augusto de Lima, uma viatura seguiu pela calçada central da avenida. Naquele ponto, com a insistência do veículo militar em passar pelos ciclistas, um dos participantes foi atingido. Ele foi detido (!), sob acusação de ter jogado sua bicicleta contra a viatura e ter desacatado a corporação.

Bomba explode em meio à multidão, enquanto a PM detém Fernando Tourinho. Imagem: Carlos Edward Campos/Reprodução
Bomba explode em meio à multidão, enquanto a PM detém Fernando Tourinho. Imagem: Carlos Edward Campos/Reprodução

Repressão

O trajeto do Bloco da Bicicletinha começou na Rua Sergipe, passando pela Praça da Liberdade e Praça da Savassi, onde é feito o tradicional “zerinho”. De lá, os ciclistas subiram a Avenida Getúlio Vargas e Fernandes Tourinho, parando na também tradicional esquina com Rua Rio de Janeiro. “Tudo na mais santa paz, sem atrapalhar muito a vida de ninguém. Faz barulho? Faz, mas passa. Atrapalha o trânsito? Um pouco, mas nada demais, ainda mais numa noite de quinta-feira”, defende o DJ Tulio Borges.

Próximo à Rua Marília de Dirceu, uma viatura fechou um dos ciclistas que levava uma das carretas de som. O policial que estava no veículo ameaçou prender o ciclista, caso o som circulasse pelas ruas do Bairro de Lourdes, região nobre de BH. “Ele disse que receberam reclamações e que ali no Lourdes ‘é f*, se vocês passarem vai dar problema pra mim, então vou ter que prender’”, conta Tulio.

Para manter o clima pacífico e de festa, o grupo passou silencioso pelo bairro até a desintegração dos ciclistas. A maior parte dos integrantes decidiu esperar pelos outros, na Praça Raul Soares e, quando começaram a se reagrupar, uma viatura tentou forçar a passagem em meio aos ciclistas, o que, segundo Tulio, aconteceu várias vezes durante o percurso. Com a insistência do condutor do automóvel (mas sem qualquer sirene que caracterizasse um atendimento de emergência), um ciclista foi derrubado.

“Muitos ciclistas estavam atravessando para a praça pela faixa de pedestres e surgiu uma viatura da Rotam da PMMG pela via central da praça e sobe pela faixa, jogando o carro bruscamente sobre os ciclistas”, relata Daniel Quintela. “O deslocamento de uma caminhonete de 2 toneladas da PM em direção contraria aos ciclistas foi o suficiente para ocasionar o atropelamento de um dos ciclistas. Ele se levantou do chão sem machucados graves aparentes, com a bicicleta amassada, dizendo que estava tudo bem, levantando as mão para cima. Nesse momento um policial desceu do veiculo pela janela, para prender o ciclista atropelado”, completa Daniel.

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Quando as pessoas se indignaram com o que estava acontecendo, começaram os tiros de borracha, bomba de gás e choques. Fernando foi levado para a delegacia sem que os policiais informassem qual unidade. Durante a confusão, policiais presentes disseram coisas como “você põe o PT no governo, dá nisso”, enquanto deram cacetadas e socos em ciclistas que apenas questionavam a violência dos profissionais. Um dos episódios é o do vídeo abaixo, em que Douglas Resende é agredido por filmar a ação e perguntar qual era ao crime cometido ali.


Após gritar "grava!" para quem estava com a câmera, Fernando, que já estava imobilizado pelo braço,  leva uma chave de pescoço. Imagem: Carlos Edward Campos/Reprodução
Após gritar “grava!” para quem estava com a câmera, Fernando, que já estava imobilizado pelo braço, leva uma chave de pescoço. Imagem: Carlos Edward Campos/Reprodução

Os ciclistas esperaram por informações de Fernando e sua prisão, até que fosse ouvido e liberado. Em entrevista ao jornal O Tempo, Fernando contou ter ficado de 00h20 até 5h30, sendo hostilizado. “Até da roupa que eu estava eles falaram. Fiquei algemado, sentado no chão. Me chutaram, enfim, um horror”, denuncia ele.

“Metade do bloco já estava na praça Raul Soares e metade chegando ainda, quando os policiais aceleraram em cima dos ciclistas. Eles atropelaram uma pessoa e aí quem estava perto se juntou em volta. Foi quando desceram da viatura e começaram a disparar dezenas de bombas”, relatou a repórter Luiza Muzzi, na mesma matéria.

Um repórter do jornal gravou imagens do momento da prisão, mas aparentemente teve de parar de filmar depois que um policial se aproximou e o questionou.


Justificativa

Em resposta, a Polícia Militar de Minas Gerais gravou este vídeo para explicar o episódio, afirmando que foi acionada por moradores e que “ciclistas estavam desrespeitando a Constituição e a Lei”. No vídeo, o Tenente-coronel Gilmar Luciano Santos acusa os ciclistas de terem jogado uma bicicleta e tentado agredir os policiais, dizendo ter sido dada voz de prisão “para o ciclista e para todos que estavam perturbando e agredindo os policiais militares”. “Foi necessário o uso diferenciado da força, também com uso de gás [bombas] e de elastômero [balas de borracha].


Em nota, a PMMG também disse que “o evento (o desfile do Bloco da Bicicletinha) não foi comunicado a nenhum órgão oficial, tampouco ao Batalhão de Trânsito. Porém, a Polícia Militar, de imediato, buscou organizar o trajeto de tal sorte que não houvesse maiores prejuízos a outros segmentos da comunidade que já estavam reclamando pelo barulho e baderna, sobretudo no direito constitucional de ir e vir, pois, muitas pessoas estavam tentando retornar as suas casas após o turno de serviço”. A Belotur, por outro lado, informou que apesar de “permitir ao poder público o planejamento da festa quanto à infraestrutura e apoio necessários”, o cadastramento dos Blocos de Rua “não é obrigatório e que ocorre de forma espontânea”.

Policial usa arma de choque em um cidadão fantasiado. Imagem: Carlos Edward Campos/Reprodução
Policial usa arma de choque em um cidadão fantasiado. Imagem: Carlos Edward Campos/Reprodução

Vale reforçar que interromper momentaneamente a passagem de automóveis em uma rua, com inúmeros outros caminhos e maneiras para se deslocar em uma cidade, não pode ser considerado, de forma alguma, uma obstrução do direito de ir e vir, ainda mais como justificativa ao uso da força. A esse respeito, a Anistia Internacional possui um manual sobre “o uso da força e de armas de fogo pelos agentes da lei”, em que condena o uso indiscriminado de gás lacrimogêneo e a agressão a pessoas que não oferecem perigo, além de defender restrições ao uso de balas de borracha.

Os ciclistas prometem buscar justiça. “Nós, integrantes do Bloco da Bicicletinha, vamos acionar a corregedoria da PM e MP, para que eles tomem as medidas cabíveis e necessárias diante de policiais e uma guarnição (Rotam) que não sabem o que é proteger a cidade e o cidadão!”.

Na noite anterior ao ocorrido, o desfile do bloco Chama o Síndico fechou não apenas um dos cruzamentos mais importantes do centro de Belo Horizonte, mas também várias ruas ao redor, sem que houvesse repressão. Já os ciclistas, que ocupavam uma praça, foram tratados de maneira diferente. Se a polícia age com dois pesos e duas medidas, é preciso perguntar à corporação: qual carnaval é permitido?

3 comentários em “PM reprime bloco de carnaval de ciclistas com atropelamento, agressões e prisão em BH

  1. Parabeés a PMMG. O uso da força deve atender aos pressupostos da legalidade, da necessidade, da proporcionalidade, da moderação e da conveniência, todos comprovadas pelos videos.
    Não querem ser comfrontados pela polícia? Então aprendam a só se posicionar dentra da legalidade e parar com o vitismos patético. Se conhecem seus direitos, obrigatoriamente deveriam conhecer seus deveres também.
    Mas uma vez, PARABÉNS aos colegas de farda.

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  2. Interessante, a roda que amassou foi a traseira, logo o ciclista atropelou a viatura de ré. CONTA OUTRA!
    Quem atropela um carro com uma bicicleta? Alguns PMs ultrapassam o limite da falta de preparo e adentram na mais pura desonestidade para justificar seus atos. A injustiça foi cometida justamente por aqueles que deveriam servir a lei.
    A função básica da PM é garantir ao povo segurança para exercer seus direitos. PM que bate em manifestante, em folião, em quem quer que seja está fazendo exatamente o oposto do que deveria. Eles têm que proteger o folião, proteger o manifestante para que eles exerçam seu direito a se manifestar livremente.
    Ainda que o ciclista tenha cometido alguma infração, atropelamento é uma resposta absurdamente desproporcional.
    Infelizmente esse tipo de comportamento por parte da polícia tem grande apoio e incentivo por grande parte da população. Até agressões à alunos e professores, que pediam por educação, foram aplaudidas por muitos.
    E o comentário sobre o PT foi a cereja do bolo, o cara foi atropelado por uma viatura, o que isso tem a ver com posição politica? Parece que hoje todos os problemas do mundo são culpa de um único partido.

    Comentário bem votado! Thumb up 9 Thumb down 0

  3. Pingback: as bicicletas

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