Colégio particular consegue na justiça retirada de ciclovia em São Paulo
Em frente ao Madre Cabrini, motoristas podem agora estacionar por até 15 minutos, colocando em risco a vida de ciclistas – sobretudo os que sobem a rua.
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) retirou na madrugada de quinta-feira, 12 de maio, o trecho de ciclovia localizado em frente ao colégio Madre Cabrini, na Vila Mariana, em São Paulo. A mudança na sinalização ocorre em razão de determinação judicial, que exigia que a estrutura que protege ciclistas fosse retirada em até 72 h, sob pena de pagamento de multa diária.
Não conseguimos acesso à justificativa da determinação judicial, que não está aberta aos cidadãos. Mas soubemos que uma das indicações (que por sinal foi a adotada) era de que a área em frente ao colégio fosse sinalizada de forma a permitir a parada de veículos, de maneira semelhante a um “paire ônibus” (área de embarque e desembarque de passageiros de ônibus), autorizando os motoristas a estacionarem por até 15 minutos com pisca-alerta ligado.
Na configuração anterior, uma área de desembarque havia sido demarcada, como mostra a foto que abre esta matéria. A ciclovia, nesse ponto, havia sido sinalizada como uma enorme faixa de pedestres e tinha cerca de metade da largura dos demais trechos, forçando uma redução de velocidade das bicicletas. Agora, na prática a ciclovia deixa de existir na frente da escola.
Vidas em risco
O potencial de atropelamento com essa nova configuração é muito grande. Embora seja parecida com o que ocorre em locais onde há pontos de ônibus, nestes o veículo que para sobre a área compartilhada se retira após alguns segundos; numa porta de colégio, por outro lado, forma-se uma fila de carros. Não adianta o ciclista esperar: quando aquele carro sair (o que pode demorar), há outro logo atrás, e mais outro, e outro ainda, até que todos os embarques e desembarques daquele horário sejam feitos.
Nessa situação, quem estiver de bicicleta terá de sair em meio aos carros que transitam pela faixa ao lado, o que é especialmente perigoso para quem estiver subindo a rua, pois estará de frente para os automóveis que vêm descendo. Nos momentos em que ocorrerem as habituais filas duplas (que apesar de serem infrações, sabemos serem comuns), os ciclistas terão que circular na faixa esquerda da rua – e na contramão quando estiverem subindo a rua. Muitos deles acabarão por subir pedalando pela calçada para não correr esse grave risco de morte.
Vale lembrar que não se soube de nenhum atropelamento de pedestres por ciclistas durante todo o período em que a faixa de bicicletas permaneceu no local.
Área pública, uso privado
Se o colégio precisa receber seus clientes praticamente dentro do estabelecimento, deveria ter criado área de embarque e desembarque dentro de seu terreno, em vez de depender do uso do espaço público para fins particulares. A instituição possui área interna de circulação de automóveis, que deveria ser adaptada para tal fim. Da forma como age há meio século, o Madre Cabrini utiliza uma área que deveria ser de todos para providenciar uma facilidade particular a seus clientes.
Depender do espaço público para o sucesso de seu negócio é um erro estratégico grosseiro, pois a qualquer momento ele pode ser resgatado para o uso comum a que se destina.
Exigir na justiça a retirada da ciclovia é uma atitude extremamente anticidadã, que não condiz com uma instituição de ensino, sobretudo católica.
Histórico de intolerância
A ciclofaixa vem sendo contestada pelo colégio Madre Cabrini desde que foi sinalizada, em 2014. Estivemos no local logo nos primeiros dias da implantação, acompanhando a saída de alunos, e percebemos que apesar de não haver conflitos os pais e mães de alunos eram agressivos com os ciclistas e os funcionários insistiam na tese de que “não havia planejamento”, apesar de toda a sinalização cuidadosamente implantada.
Em fevereiro de 2015, a escola conseguiu um mandado pedindo a retirada da ciclovia, com justificativas bastante discutíveis e carentes de coerência, que poderiam até ser usadas para impedir a circulação de carros naquela via. Chegaram a afirmar que a rua seria “estreita e curta”, apesar dela possuir espaço para três faixas de rolamento e comprimento de quase 1 km.
Poucos dias depois, a liminar foi suspensa pelo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), revertendo o entendimento da 1ª instância. O magistrado entendeu que se evidencia “risco de dano à ordem, à segurança e economia públicas”. “Nesta medida, ainda devo ponderar que existe, in casu, o chamado efeito multiplicador, pois são inúmeros os estabelecimentos (como escolas, hospitais etc) enquadrados na mesma situação jurídica da autora, o que recomenda a cautela quanto à produção imediata de efeitos de uma liminar. Portanto, presentes os requisitos legais, o caso é mesmo de deferimento da almejada suspensão dos efeitos da liminar”, expôs no documento.
Incoerência de valores éticos e religiosos
O colégio Madre Cabrini é mantido pela Associação Madre Cabrini das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, uma entidade católica.
A missão da Associação faz referência a “contribuir para a defesa e a promoção da vida de crianças, jovens e adultos”. Como valores, são elencados “compaixão, justiça, solidariedade, responsabilidade social e ambiental”. Mas a decisão consciente de negar segurança na circulação das pessoas que se deslocam em bicicleta demonstra falta de compaixão. Deixar de reconhecer o direito de todos os cidadãos ao espaço público não é algo muito justo, além de demonstrar falta de cidadania. Ignorar as dificuldades de deslocamento e os riscos à vida de outras pessoas que não os seus configura falta de solidariedade. Priorizar o uso do automóvel em detrimento da bicicleta denigre sua alegada responsabilidade ambiental.
Já o Colégio tem como missão “educar crianças, adolescentes e jovens (…) contribuindo para a formação de cidadãos comprometidos com a promoção da vida.” A instituição de ensino deveria, portanto, apoiar e incentivar a proteção da vida daqueles que circulam de bicicleta em frente ao local. Exigindo a retirada da ciclovia, demonstram que não se importam com a segurança dessas pessoas, tampouco com suas vidas, tendo como mais importante retirar o metro de travessia de ciclovia entre a calçada do colégio e o embarque nos carros. Os valores do colégio são os mesmos da Associação, acrescidos de “espiritualidade”, portanto cabem as mesmas considerações do parágrafo anterior.
Como Filosofia Educacional, o Colégio destaca a “Educação do Coração” pregada por Madre Cabrini que, segundo o texto, tem “ênfase na formação para a cidadania”. Nota-se o belo exemplo de cidadania ao tratar o espaço público como particular e ao sobrepor necessidades individuais às coletivas.
A Revista Madre Cabrini, publicação da instituição de ensino, dá algumas recomendações importantes para “educar seu coração e sua mente para a felicidade”, que talvez as Irmãs da Associação devessem levar mais a sério. “Eduque sua mente para desvendar o misterioso caminho de sair das zonas de conforto e alcançar o encontro consigo mesmo no encontro com outras pessoas”, diz o texto. “Que você possa se desprender dos velhos paradigmas, ideias cristalizadas sem sentido”, lê-se em outro trecho. Assim como a procuração que permitiu aos advogados procederem com o primeiro mandado de retirada da ciclovia, esse texto é assinado por uma Irmã, neste caso nada menos que a presidente da Associação Madre Cabrini.
Opor-se às ciclovias é negar a proteção oferecida pela área segregada, pois a bicicleta é frágil frente ao tamanho e velocidade dos demais veículos nas ruas. É opor-se à melhoria na qualidade de vida dos cidadãos; aos benefícios à saúde e ao meio ambiente; à economia de gastos municipais com saúde, congestionamentos, acidentes de trânsito e construção de viário para automóveis; à democratização do uso do viário e do acesso à cidade; à redução da poluição sonora e atmosférica; à redução dos congestionamentos e da lotação dos transportes coletivos; a uma cidade onde idosos e crianças possam se deslocar pelas ruas pedalando. É desconhecer que o novo Plano Diretor Estratégico de São Paulo, que tem força de Lei Municipal, define em uma de suas diretrizes que o uso de bicicletas deve ter prioridade sobre o uso do automóvel. É ignorar que a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que tem força de Lei Federal, tem também como uma de suas diretrizes a prioridade do uso da bicicleta sobre o do automóvel e, ainda, a construção de ciclovias. Mas é, acima de tudo, opor-se à proteção à vida, algo que nunca se esperaria de uma associação de irmãs católicas missionárias que pregam compaixão, justiça e solidariedade.
Veja também |
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18 razões para apoiar a implantação de ciclovias |
Preconceito contra ciclistas |
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A ciclovia é bidirecional.
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Claro que não. Ela é bidirecional, separada do fluxo de automóveis. Fico na dúvida se você não tem capacidade de compreender a situação ou se faz de bobo de propósito.
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Percebo que não há nenhum planejamento na construção de ciclovias, mas entendo que um um ótimo planejamento tende a contribuir e diminuir o trânsito em São Paulo.
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Sempre tive uma rinite alérgica que me incomoda, e a cada ano que passa ela piora mais e mais. Quando levanto de manha, dá pra ver pela janela aquela camada preta no horizonte, dividindo o céu da terra. O nível de poluição vem subindo na capital e parece que em ritmo acelerado, basta ver as crianças pequenas que antes viviam feito bicho solto, hoje não passam sem um inalador dentro de casa. Infelizmente, estamos acabando com o clima do nosso planeta e vejo uma parcela grande da população que não tá nem ai pra isso, ninguém apresenta soluções pra melhorar o caos que estamos, mas acham totalmente aceitável ficar 1h sozinho dentro de um carro pra percorrer 10kms. Eu já cheguei a conclusão que estamos caminhando pra níveis caóticos, já perdi as esperanças nessa cidade, meu grande projeto de vida é me aposentar e cair fora daqui, pra rodar no meio do mato com minha MTB, curtindo a brisa fresca e o verde da natureza.
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muda para o campo, que tudo isso passa
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