Justiça proíbe aumento de velocidade em São Paulo: “retrocesso social”, afirma juiz
Mudança passaria a valer dia 25 de janeiro. Prefeitura precisará apresentar estudos comprovando que não haverá aumento de acidentes e mortes.
A Prefeitura de São Paulo foi proibida pela justiça de aumentar os limites de velocidade nas Marginais Pinheiros e Tietê. A gestão João Doria (PSDB) pretendia aplicar a mudança a partir do dia 25 de janeiro, aniversário da cidade.
A decisão liminar foi concedida na sexta-feira, 20 de janeiro, em resposta à Ação Civil Pública movida pela Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade). O pedido baseou-se principalmente na falta de garantias, por parte da administração municipal, de que a medida não colocaria em risco à vida de quem circula por aquelas vias.
“Não dá para testar programas desse porte em vidas humanas”, resume Rene Fernandes, diretor da Ciclocidade. “Quando o presidente da CET fala do programa Marginal Segura, considera melhorar a fluidez do tráfego e o número de veículos, mas ignora a possibilidade de atropelamentos e colisões que vão ocasionar lesões corporais e mortes”, completa.
Retrocesso social
Na decisão judicial, o juiz Luis Manuel Fonseca Pires afirma: “A redução de velocidade nas marginais qualifica-se como um ato que se integra num programa que se estende por anos (…), uma sequência de ações voltadas a um escopo claro, a segurança do trânsito e a preservação de vidas (…) e não podem ser ignorados sem que haja substancial fundamentação, sob pena de caracterização de um retrocesso social.”
No primeiro ano após a redução do limite de velocidade, as mortes nas marginais caíram 52% – 33 mortes a menos que no período anterior. São 33 famílias que deixaram de perder um ente querido, sem contar tantas outras pessoas que viveriam com sequelas ou amputações pelo resto de suas vidas. São pessoas e famílias que continuam vivendo como sempre viveram, sem suspeitar de seu destino anterior.
Milhares de pedestres por dia
“As Marginais Pinheiros e Tietê são talvez os corredores por onde mais circulam pessoas, em todos os modos de transporte”, afirma a associação. O discurso de que não há pedestres e ciclistas na marginal não resiste a uma rápida espiada nos números levantados por duas contagens de pedestres e ciclistas, realizadas em conjunto pela Ciclocidade e pela Cidadeapé (Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo), que apoia a Ação Civil.
Em apenas um ponto da marginal Pinheiros, mais de 19,3 mil pedestres circularam entre 6h e 20h. Na ponte da Freguesia do Ó, na Marginal Tietê, foram 643 ciclistas. “Esse número é superior à população de mais da metade dos municípios brasileiros”, aponta a instituição.
Estudos não foram apresentados
“Não é possível a derrogação súbita de um projeto”, declara o juiz em sua decisão, “sem que haja estudos que revelem alternativas à mudança da política pública, o que deve contar com uma fundamentação contextualizada da razão pela qual a política pública adotada deve ser interrompida, ou melhor, direcionada em sentido contrário ao que se orientava.”
Em diversas ocasiões, o secretário Municipal de Mobilidade e Transportes afirmou existirem estudos que comprovariam que a mudança nos limites de velocidade não traria um aumento de colisões e atropelamentos. Entretanto, esses estudos nunca foram mostrados – nem mesmo na apresentação oficial do plano operacional “Marginal Segura”.
Por outro lado, em 2015 a secretaria apresentou estudo demonstrando o contrário. O documento esclarecia que:
- o risco de morte cresce com o aumento de velocidade
- a energia dos impactos é maior em velocidades mais altas, o que causa mais danos materiais e ferimentos
- a distância que um veículo se desloca até que o motorista consiga reagir e iniciar a frenagem também aumenta
Curiosamente, o documento sumiu do site da CET. Precavidos que somos, guardamos uma cópia, que pode ser baixada aqui.
Defesa
A prefeitura tem 30 dias para apresentar a defesa, “sob pena de serem presumidos como verdadeiros os fatos articulados”. Em nota, a administração municipal declarou que a liminar será cumprida – ou seja, as velocidades não serão aumentadas, ao menos nesse momento. Mas já avisa que recorrerá da decisão.
Entretanto, sem a apresentação de estudos que convençam a justiça sobre o que o prefeito João Dória, o secretário Sergio Avelleda e o presidente da CET João Octaviano Neto vêm afirmando – que o aumento dos limites de velocidade não incorrerá em mais acidentes e mortes -, será difícil cumprir a polêmica promessa de campanha.
Nenhum dos três se comprometeu a rever o programa caso o número de acidentes volte a aumentar com a mudança.