Foto: Rachel Schein

Rua em São Paulo foi adaptada para atender alta circulação de pedestres

Com muito mais pedestres que automóveis, espaço viário na Zona Sul foi redistribuído para proteger quem circula a pé

Por Willian Cruz e Rachel Schein

Antes e depois das intervenções: mais segurança para os pedestres. Fotos: Urb-i

Imagine uma rua estreita, onde o espaço foi quase todo dedicado aos carros, com calçadas minúsculas para poder haver espaço para o estacionamento de automóveis. Agora pense que nessa rua há uma estação de trem de grande movimento, fazendo com que 1800 pessoas tenham que passar por ela no horário de pico, caminhando em meio aos carros que estão passando.

Pronto, você conseguiu imaginar o que era a Rua Joel Carlos Borges, no Brooklin, Zona Sul de São Paulo. Ela dá acesso à estação Berrini e está localizada em um importante centro econômico da cidade, com muitos prédios comerciais que atraem trabalhadores diariamente.

Essa versão do apocalipse motorizado só não era pior porque apenas 67 carros passavam por ali nesse mesmo horário de pico, das 7 às 8h da manhã (uma média de 1 carro por minuto). Com tantos pedestres, por que o espaço quase todo do viário continuava dedicado ao automóvel?

Para corrigir essa incoerência, essa rua passou por uma requalificação para oferecer mais segurança e acessibilidade às milhares de pessoas que circulam por ali todos os dias, com alterações no seu desenho que fizeram com que se tornasse mais adequada à circulação dos pedestres. Essa distribuição democrática do espaço, beneficiando a todos os usuários da via, é a base das chamadas Ruas Completas.

Ainda sem os balizadores. Foto: Rachel Schein

Mais pessoas, menos carros

As calçadas, antes estreitas e em más condições, ganharam mais 3,5 metros de largura (1,5 m de um lado e 2 m do outro). Para isso, a área de estacionamento foi sinalizada em verde, se tornando uma extensão da calçada, e a largura da área de circulação dos automóveis foi reduzida, deixando espaço para estender também o outro lado da via.

Além da sinalização horizontal e vertical (solo e placas), as áreas de pedestres foram segregadas com balizadores (como os das ciclovias paulistanas), mobiliário urbano e vasos de plantas, tornando claro aos motoristas que a prioridade de circulação é dos pedestres – como estabelece o Código de Trânsito Brasileiro – e estimulando-os a reduzir a velocidade. Em outras palavras, além de tornar a via apropriada para quem caminha, são intervenções que buscam o acalmamento de tráfego.

Foto: Rachel Schein

Dentro desse conceito de “Traffic Calming”, a rua Joel Carlos Borges ganhou pequenos desvios, chamados de chicanas, uma solução técnica para ajudar a garantir que o novo limite de velocidade de 20 km/h seja respeitado. Análises realizadas pelo Departamento de Transporte do Reino Unido sobre o uso de chicanas como solução de moderação de tráfego indicam uma diminuição na gravidade de acidentes, além de reduzir os acidentes com feridos em 54%.

As duas esquinas dessa rua (Avenida das Nações Unidas e Rua Sansão Alves dos Santos) também foram ampliadas, com mais espaço de calçadas. Essa medida reduz a distância da travessia para os pedestres, reduzindo a área de risco, e faz com que eles sejam vistos mais facilmente pelos motoristas, além de forçar uma redução da velocidade dos carros no momento da conversão.

As áreas para circulação de pedestres foram sinalizadas totalmente na cor verde, o padrão paulistano para área de pedestres, em vez de terem apenas uma faixa colorida como delimitação. E isso por um motivo bastante claro: chamam mais a atenção dos motoristas, deixando bastante clara a prioridade de circulação naquela área e indicando que os automóveis não devem circular ou estacionar ali. A lógica é a mesma adotada até o momento nas ciclofaixas da cidade, com a área reservada apenas para bicicletas sendo totalmente pintada em vermelho.

Foto: SMT

Redistribuindo o espaço

“Era uma rua que sempre teve muito mais volume de circulação de pedestres do que de carros e o espaço não estava distribuído de forma a refletir essa divisão. Então esse projeto buscou uma correção desse espaço”, conta Marta Obelheiro, do WRI Brasil.

A ideia de requalificação começou em 2014, com o lançamento do Concurso 3 Estações, organizado pelo WRI Brasil em parceria com o USP Cidades, que convidou arquitetos e urbanistas a desenvolverem ideias para qualificar o entorno de três estações do metrô de São Paulo: Berrini, Vila Olímpia e Santo Amaro. A proposta vencedora para o entorno da Berrini foi desenvolvida pela Urb-i e implementada agora como parte das atividades da Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono – onze cidades brasileiras que, até o fim do ano, irão desenvolver projetos de Ruas Completas. que priorizem tanto o transporte ativo como o coletivo. O WRI Brasil fornecerá suporte técnico para essas mudanças, ao longo deste ano.

“A Rua Joel Borges segue o conceito de Ruas Completas em que a prioridade é dos pedestres”, explica Paula Santos, coordenadora de Mobilidade Urbana e Acessibilidade do WRI. Essa requalificação foi feita em pouco tempo e com custo relativamente baixo, com base em materiais como tinta, sinalização vertical e mobiliário urbano, uma forma de permitir que as pessoas possam vivenciar a nova estrutura antes que sejam feitos investimentos maiores.

Foto: Rachel Schein

Futura ligação cicloviária

Segundo Carolina Guido, urbanista da Urb-i, essa é a fase temporária do projeto, com estratégias de baixo custo como a pintura de solo. “Na primeira fase do projeto fizemos um evento apresentando a rua dessa forma pra usuários e moradores. Agora estamos na fase temporária, onde durante 2 anos vamos fazer medições e estudos para analisarmos as melhorias necessárias para transformá-la num projeto permanente, que será a terceira e última fase do projeto”, esclarece.

O projeto prevê futuramente intervenções urbanas na rua Sansão Alves dos Santos e reforma da Praça General Gentil Falcão. “É através da praça que será feita a conexão entre as ciclovias da Berrini e Marginal Pinheiros, algo que faz todo sentido”- conta Carolina.

“O modelo de dar prioridade aos automóveis já mostrou que não funciona e não é sustentável, então a gente busca um espaço melhor dividido, mais igualitário, com prioridade aos pedestres, ciclistas e transporte coletivo”, conclui Marta.

Ruas Completas

Elementos de uma Rua Completa. Fonte: WRI Brasil

O conceito de Rua Completa busca o desenvolvimento urbano orientado para a mobilidade de baixo carbono, construindo cidades e espaços urbanos que priorizem os deslocamentos a pé e de bicicleta, que não emitem gases de efeito estufa.

De acordo com a WRI Brasil, não existe um modelo padrão de Rua Completa. Cada uma evolui a partir de uma série de fatores locais que influenciam o desenho final, como tipos de usuários, uso do solo existente e planejado, desejos da comunidade e orçamento disponível.

Conheça os elementos que podem ser contemplados por um projeto de rua completa:

  • nivelamento da via com as calçadas
  • medidas moderadoras de tráfego
  • acessibilidade universal
  • sinalização clara e orientada ao pedestre
  • mobiliário urbano (lixeiras, bancos, postes de iluminação etc.)
  • faixas de segurança
  • estreitamento das travessias e ilhas de refúgio para pedestres
  • diminuição da oferta de estacionamento gratuito para carros
  • ciclovias e/ou ciclofaixas
  • faixas de ônibus
  • acesso facilitado aos pontos de parada do transporte coletivo
Limite de velocidade na via foi estabelecido em 20 km/h. Mas sem fiscalização, raramente será cumprido. Foto: Rachel Schein

Segundo a proposta, no caso de baixíssima velocidade (a máxima permitida na Joel Carlos Borges é de 20km/h) não há necessidade de ciclovia, já que os ciclistas conseguem segurança suficiente para compartilhar o espaço com os veículos motorizados que circulam por lá.

Entretanto, na opinião do Vá de Bike, a proteção dos ciclistas com alguma forma de segregação, ou pelo menos com uma sinalização ostensiva sobre a prioridade das bicicletas, acompanhada de fiscalização do comportamento dos motoristas, deve sempre ser buscada. Isso porque crianças, idosos, pais levando os filhos e ciclistas menos experientes ou com restrições motoras (caso das handbikes, por exemplo) podem não se sentir à vontade para trafegar junto com os automóveis, pois sabemos que uma simples placa indicando o limite de velocidade não é suficiente para adequar o comportamento de quem trafega de carro. Apesar disso, consideramos a iniciativa excelente e um exemplo que deve ser replicado por toda a cidade.

Vídeo

Estivemos na Rua Joel Carlos Borges no Dia Mundial Sem Carro (22 de setembro), ocasião em que ela foi fechada aos carros e teve colocação de grama sintética no espaço que seria reservado aos automóveis. Tivemos oportunidade de conversar com Carolina Guido e Meli Malatesta, que nos explicaram o conceito e a importância de um projeto como esse. Veja como foi nossa transmissão ao vivo.


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