Homenagem a Márcia Prado, em São Paulo e Aracaju

Na próxima sexta-feira, 14/01, pessoas com e sem bicicletas se encontrarão na Praça do Ciclista em São Paulo (veja mapa), para uma homenagem a Márcia Regina de Andrade Prado. Nessa data, em 2009, Márcia foi morta por um motorista de ônibus irresponsável, que lhe tirou a vida covardemente em plena Av. Paulista, como punição pelo “crime” de andar de bicicleta na faixa da direita em uma avenida com três outras pistas disponíveis.

O encontro será na Praça do Ciclista às 18h, de onde as pessoas partirão caminhando até o Memorial Márcia Prado às 20h (veja mapa). A distância é curta, o Memorial fica na mesma avenida, e não pedalaremos, empurraremos as bicicletas na Av. Paulista, pois muitos familiares da Márcia não pedalam e preferem caminhar. Portanto, estar sem a bicicleta não é desculpa para não ir.

Contamos com a ajuda de todos. Se possível levem flores, cartazes, faixas, fotos.

A importância de homenagear Márcia Prado

A importância maior da homenagem é não permitir que um fato como esse seja visto como algo normal, que simplesmente “acontece”, que deva ser aceito bovinamente como preço por andar de bicicleta nas ruas de uma grande cidade. Não! Nos recusamos a aceitar que a cidade seja assim. Vamos continuar nos esforçando para que isso mude.

É preciso relembrar o absurdo do ocorrido e mostrar a todos – motoristas, imprensa, poder público e até mesmo os outros ciclistas – que esse tipo de agressão é intolerável, não será digerido nunca e não pode ocorrer novamente. Não podemos deixar que tamanho desrespeito à vida de uma ciclista se repita por aí. Em lugar nenhum.

Por tudo isso, a homenagem a Márcia Prado é emblemática, significativa e precisa ser realizada. E, além do mais, Márcia era uma pessoa que merece ser lembrada por todos nós.

Homenagem em Aracaju

Também será feita no dia 14 uma homenagem a Márcia Prado em Aracaju, em forma de uma pedalada pela paz. Mirante da 13 de julho, a partir das 19h30.

Sugere-se ir de roupa branca com uma tarja preta no braço, mas isso é opcional. O importante é estar lá. Como diz o flyer ao lado, “se não nos lembramos de nós, ninguém se lembrará”.

Um dia que nos marcou

Lembro até hoje dos telefonemas e mensagens que recebi naquele dia. Primeiro, notícias de que uma ciclista havia sido morta por um motorista de ônibus na Paulista. Hoje temos muito mais meninas pedalando, mas naquele ano e naquele local, era bem provável que fosse alguém que conhecíamos. Alguns ciclistas foram até la para ver de quem se tratava e, constatando que era a Márcia, ligaram para vários outros para dar a má notícia.

Quando me ligaram contando que a vítima era a Márcia e que ela tinha morrido (que me lembre, o primeiro a ligar avisando foi o Vitor do Quintal), me recusei a acreditar e achei que era alguma brincadeira de mal gosto. Quando vi que ele estava falando sério, continuei negando, dizendo “não é possível, deve ser algum engano, tem certeza?”. Mas não adiantava negar: mesmo com sua experiência de pedal nas ruas, Márcia foi morta por alguém que não lhe deu chance alguma de reação, jogando em cima dela oito toneladas de ônibus e achando que isso só lhe daria “um sustinho”, para ensiná-la o conceito distorcido de que as ruas seriam só para veículos com motor.

Levei dois dias para conseguir escrever alguma coisa aqui no Vá de Bike. E nem escreveria, de tão abalado com o ocorrido, não fosse a insistência de amigos, leitores do site e as frequentes perguntas da imprensa. O texto pode ser lido aqui e fala um pouco sobre a mulher que poucos conheceram, sobre o acidente assassinato em plena Avenida Paulista e sobre os absurdos da cobertura inicial da imprensa. Alguns dias depois escrevi um segundo texto, mostrando um pouco a visão que Márcia tinha dos problemas que o ciclista enfrenta na cidade.

A primeira homenagem, em 2009

Foto: Mario Amaya

Na noite seguinte após sua morte, ciclistas, amigos e familiares realizaram a primeira das homenagens, com velas e flores, mesmo debaixo de forte chuva. Todos caminharam, os ciclistas empurrando suas bicicletas, da Praça do Ciclista até o local do acidente, onde depositaram velas, flores, choraram abraçados, rezaram pela amiga que se foi (enquanto escrevo isso, preciso controlar a emoção para uma lágrima não escorrer do meu rosto), em um momento de saudade e amor – por ela e pelos colegas presentes.

A PM apareceu com várias viaturas e armamento pesado. Não sabiam o que pretendíamos ao fechar a avenida e vieram preparados para o confronto. Mas ao notar que a manifestação era pacífica, foi compreensiva com os sentimentos dos que estavam ali e permitiu que a homenagem fosse feita em pleno asfalto, no ponto exato do acidente assassinato, ajudando a desviar o tráfego e a evitar conflitos com motoristas. Apenas pedia aos ciclistas que liberassem duas faixas de rolamento das quatro existentes na avenida.

Aos motoristas que passavam pelo local, eram distribuídas flores por meninas e rapazes com capacetes, capas de chuva e lágrimas no rosto. Ao final da homenagem, um minuto de silêncio debaixo da chuva na Av. Paulista, que terminou com o estrondo de um raio caindo ali por perto, como se alguém lá em cima participasse da homenagem. Momentos que nunca esqueceremos.

As pessoas que participavam da homenagem choravam e se abraçavam, consolando uns aos outros, fortalecendo seus laços e decidindo lutar por uma cidade melhor, onde ameaças à vida deixem de ser praticadas por motoristas como punição a quem usa a bicicleta na rua.

Veja outros relatos dessa homenagem no site da Bicicletada. Uma boa matéria foi publicada aqui.

A Ghost Bike

A ghost bike de Márcia Prado, logo após a intervenção de novembro passado.

No dia seguinte, 16 de janeiro de 2009, uma bicicleta branca foi colocada no local, uma homenagem conhecida no mundo todo como ghost bike. Além da bicicleta, foram plantadas flores no canteiro, com a ajuda de alguns meninos de rua que, talvez por já terem perdido alguns amigos tão cedo na vida, acharam bonito o que estávamos fazendo e quiseram participar.

A bicicleta branca, posteriormente presa em baldes de concreto enterrados no canteiro, continua no local até hoje. Junto com a bicicleta, foi colocado na época um totem com textos e frases que contavam a quem passa pelo local quem Márcia era e o que havia ocorrido ali. Recentemente foi colocada uma placa na bicicleta.

Depois dessa homenagem, já foram colocadas algumas outras ghost bikes em São Paulo:

Foto: Polly

As Ghost Bikes de São Paulo

A primeira Ghost Bike foi instalada no final de 2007, na Av. Luis Carlos Berrini, um dos principais eixos comerciais e de negócios da cidade. Foi retirada em poucos dias (acredito que tenha sido retirada até no dia seguinte). Ficava em um bairro nobre, em frente a um banco de luxo e não foi bem compreendida. Era feia, ruim para os negócios. Sumiu rapidamente

A segunda Ghost Bike paulistana foi a de Márcia Prado, na Av. Paulista. Continua lá até hoje, recebe manutenção constante e será objeto dessa homenagem. A Ghost Bike da Av. Paulista virou atração turística: muita gente para ali para ver de perto, entender o que aconteceu e puxar assunto com algum ciclista que esteja no local, solidarizando-se.

A terceira Ghost Bike foi instalada em novembro de 2009, em homenagem ao ciclista Fernando Martins Couto e ao gari Antônio Ribeiro. Para incluir o gari na homenagem, foi afixada uma vassoura de varrição de rua junto à bicicleta. Ambos estavam conversando na calçada, aguardando para realizar a travessia, quando foram “colhidos” por um ônibus em alta velocidade. Na instalação dessa Ghost Bike / Ghost Broom, estavam presentes ciclistas, garis, familiares da vítima e bastante gente que passava pelo local. Essa bicicleta branca também continua lá até hoje.

A quarta Ghost Bike foi em homenagem a Manoel Pereira Torres, um senhor que atravessava uma avenida pela faixa de pedestres, com o sinal fechado para os carros, quando um motociclista em alta velocidade furou o sinal vermelho pela faixa de ônibus e lançou Seu Manoel a vários metros de altura, a ponto dele bater no semáforo. A bicicleta foi pendurada no alto de um poste e, até onde sei, também continua por lá até hoje.

As bicicletas brancas são utilizadas em muitos países. Visite o site Ghostbikes.org e veja quantas manifestações semelhantes já foram feitas ao redor do mundo.

No more ghost bikes

Que não sejam necessárias mais Ghost Bikes! Mas, enquanto forem, faremos o possível para que essas mortes lamentáveis não sejam em vão. É necessária uma conscientização urgente do poder público, especialmente da CET, da SIURB e da Secretaria de Transportes do Município. Não adianta fazer vista grossa: o ciclista existe, faz parte do trânsito, trafega por todas as regiões da cidade o dia todo, tem o mesmo direito de se deslocar que os donos de automóveis e motocicletas. E o mesmo direito de chegar vivo em casa no final do dia.

Outras homenagens a Márcia Prado

Uma rota cicloturística foi criada com seu nome, ligando São Paulo a Santos, pelo caminho em que ela fez uma de suas últimas cicloviagens. Veja como foi a última descida, no final do ano passado, com centenas de ciclistas.

De tempos em tempos, ciclistas e amigos renovam o Memorial Márcia Prado, como ficou conhecido o local entre os ciclistas, colocando novas flores, cartazes e placas. Essas atividades também são realizadas todo ano no dia de seu aniversário, 17 de novembro. Em novembro último, por exemplo, foi plantada uma jabuticabeira no canteiro onde está afixada a bicicleta branca.

Homenagens já foram realizadas também em outras cidades, como Aracaju (SE) e Belém (PA), por pessoas que não a conheciam pessoalmente, mas que compartilham do sentimento de perda de alguém que vivia a vida como nós, sobre duas rodas sem motor em uma grande cidade, e que se revoltam contra a impunidade em crimes de trânsito bárbaros como esse – e como tantos outros, com anônimos que não recebem nem uma nota no jornal a não ser para dizer que “causaram lentidão” com seus corpos inertes caídos no asfalto.

A proósito, a Bicicletada de Aracaju se identificou tanto com o ocorrido que homenageia Márcia todos os anos, no dia 14 de janeiro. Os amigos e familiares da Márcia agradecem. Somos todos um.

Márcia Prado nunca será esquecida. E continuará sendo uma inspiração para as novas gerações de ciclistas e cicloativistas, que lutam para que tenhamos cidades mais humanas e receptivas ao ciclista, onde a bicicleta tenha seu lugar garantido nas ruas e assassinos como esse motorista não ameacem mais a vida de pessoas por detrás de um volante.


11 comentários em “Homenagem a Márcia Prado, em São Paulo e Aracaju

  1. Acho tudo isso uma podridão. Começando dos nossos governantes que não está nem ai com o que acontece. Sou ciclista desde 1978 sempre viajei e presenciava muitos erros de certos motoristas. Já era pra ter alguma mudança não acham???? Todas as vezes que passo de bike na Paulista rezo um Pai Nosso a esta nossa colega, amiga e lutadora. Onde quer que voce esteja agora Márcia Prado esteja na PAZ com muita LUZ.

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  2. É uma pena saber que todos os dias vários ciclistas morrem nas ruas do Brasil. Somos protegidos por uma linha imaginária que nos separa de imprudentes detrás de volantes.. pessoas sem respeito nenhum ao próximo.
    Hoje a bicicletada aqui em Aracaju vai ser bem emocionada, mas tenho certeza que Marcia estará feliz e emanado boas energias para todos os ciclistas!

    PAZ E LUZ!

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  3. Lastimável!! O pior é saber que aqui em Curitiba tbm somos mto desrespeitados pelos motoristas, em especial os de ônibus, bem como a “gangue dos taxistas curitibanos”!
    Já fui atropelado 6x em um ano, em Curitiba, por sorte estou aqui escrevendo em solidariedade à este fato.
    CHEGA DE GHOST BIKE!!!
    RESPEITO AOS CILISTAS!!!

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