Como foi o Desafio Intermodal (a versão longa e apaixonada)

Desafiando o senso comum

Foto: gira-luddista

Na quarta-feira, dia 20, realizamos o primeiro Desafio Intermodal de São Paulo. Além de fazer um barulho e chamar atenção para o Dia Sem Carros, também queríamos mostrar a todos o que nós, ciclistas urbanos, já sabemos. Mas o objetivo não era apenas mostrar que a bicicleta é rápida e tem diversos outros benefícios, também tentamos mostrar de forma prática que em São Paulo existem várias alternativas ao transporte motorizado individual – ou seja, ao carro e à moto.

O Desafio era uma “corrida” entre dois pontos pré-estabelecidos, com percurso livre, a ser feito com diversos meios de transporte (modais): carro, moto, bicicleta e algumas combinações de uso do transporte coletivo. “Corrida” vem entre aspas, porque o objetivo maior era mostrar as diversas possibilidades de deslocamento dentro da cidade, tanto que contamos com sete participantes em diferentes modais.

Com sua agilidade em meio aos carros e um motor para impulsionar o conjunto, a moto chegou na dianteira, como era de se esperar. Mas com pouco menos de 4 minutos de diferença, chegou a primeira bicicleta. Mais 4 minutos, chegou a segunda, que fez um caminho mais longo. Mais 14 minutos até a chegada do ônibus, que ainda chegou dez minutos antes do carro graças ao Passa Rápido. Em seguida a combinação trem+metrô, que precisou de duas baldeações e uma volta bem grande, e por último o ônibus sem corredores exclusivos combinado com o Metrô. Mais comentários sobre o resultado no post abaixo.

Carro e moto

O carro levou quase meia hora a mais que a bicicleta, perdeu do ônibus por 10 minutos e ganhou do trem+metrô por apenas 8 minutos. A moto, além de ter chegado com apenas 4 minutos de dianteira em relação à bicicleta, ainda poluiu mais que o ônibus (vou esclarecer isso em outro post, ainda essa semana). Além disso, a moto continua sendo o modal mais perigoso, com a morte de um motociclista por dia nas ruas da metrópole.

Tudo isso faz repensar não só o uso do automóvel particular como o incentivo que vem sendo dado ao uso da motocicleta, com faixas exclusivas e isenção de zona azul, por exemplo. Apesar de ocupar menos espaço e, dessa forma, contribuir com a “fluidez” que a CET tanto gosta, o uso exagerado desse modal piora em muito a qualidade do ar, contribui com o efeito estufa e traz em sua esteira alguns problemas que também advém do uso do carro: sedentarismo, stress, acidentes e mortes.

Quanto ao carro, além dos problemas acima some-se outros, como o uso excessivo de espaço público para comportar os patrimônios privados de quato rodas, estejam parados ou circulando; falta de convivência e interação entre as pessoas, isolando todos em uma luta individual e egoísta por espaço ou tempo; agressividade; custo de manutenção da malha viária (você tem idéia de quanto está custando o Complexo Viário Roberto Marinho?); vidas de pedestres que se perdem em acidentes fatais (cerca de 750 por ano, segundo dados da CET, sem contar os motoristas e motociclistas, que juntos igualam esse número), ou que se estragam em acidentes com seqüelas (certamente bem mais que esses 1500); o custo causado por atrasos decorrentes de congestionamentos; menor eficiência do transporte coletivo, que deveria ser priorizado já que apenas 30% dos cidadãos de São Paulo possuem automóvel particular.

Foi tudo isso e mais um pouco que tentamos mostrar com o Desafio Intermodal realizado em São Paulo, idéia inspirada no Desafio realizado no Rio 20 dias antes, que por sua vez foi baseado em uma experiência londrina. Nosso maior problema aqui na selva de pedra foi encontrar um percurso que não privilegiasse ou prejudicasse demais nenhum dos meios de transporte utilizados, mas no final conseguimos. O Desafio foi difícil até para a bicicleta, pois havia bastante subida, mas mesmo assim as magrelinhas não fizeram feio. Mas disso já sabíamos antes do início do Desafio. 🙂

A largada

Willian Cruz
André Goldman (SVMA), João Campos e Inácio Guerberoff, na praça que foi nosso ponto de largada.

Quando cheguei no local da largada, por volta das 17h15, já havia muita gente da imprensa por lá. TV, jornal impresso, internet. Entrevistavam os participantes, queriam saber o que era o desafio, como iria funcionar, qual o objetivo, como era nosso dia-a-dia na bicicleta, como fazíamos nos dias de chuva, etc. Muitas perguntas, muitas vezes mais por curiosidade do que para compor a matéria. Me perguntaram sobre o equipamento, sobre o comportamento nas ruas e queriam saber até o que eu levava na mochila. Fizeram até filmagem fake com a motorista, dando uma volta na praça.

Na largada, os veículos deveriam estar estacionados, o que incluía as bicicletas. Os participantes sairiam do meio da praça. Na chegada, também seria necessário estacionar o veículo utilizado. Às 18h15, a largada foi dada. Mari foi buscar o carro que estava estacionado ali perto; Rodrigo “Zenga”, nosso motociclista, foi pegar sua moto; João Campos se dirigiu à estação de trem, distante cerca de 200 metros; Inácio e Renata foram andando até o ponto de ônibus; Cinthia e Aruana montaram desafiadoras em suas bicicletas e pedalaram empolgadas, mostrando ao mundo porque se decidiram pela bicicleta. O chão molhado pela tempestade do começo da tarde não assustou nossas valentes representantes de duas rodas.
Uma menina e sua bicicleta

Willian Cruz
Aruana e Cinthia,
momentos antes da largada

Cinthia fez o percurso que chamamos de “vias tranqüilas”, perfazendo 13km. Atrás dela, seguiram o André Pasqualini e o Ardilhes Moreira. Este, além de ciclista, é repórter do portal G1 e escreveu duas matérias sobre o evento (aqui e aqui). Foi o único repórter que topou encarar o Desafio Intermodal junto com os participantes ciclistas – e não fez feio, tendo chegado na cola da Cinthia.

A partir da Berrini, eles pegaram uma das paralelas à Bandeirantes para que pudessem cruzá-la mais para cima, pegaram a R. Ribeirão Claro (creio eu) até a Hélio Pellegrino, viraram nela à direita e subiram até a República do Líbano. Entraram no Parque do Ibirapuera pela IV Centenário, cruzaram o parque, atravessaram a Brasil no Monumento às Bandeiras (empurra-empurra), passaram por trás da Assembléia Legislativa, subiram a Abílio Soares direto até a Paulista, cruzaram a ponte sobre a 23 até chegar na Vergueiro e a desceram até a Pça. João Mendes. De lá viraram à esquerda para pegar a R. Riachuelo até o final, saindo quase na 23 de maio e subiram uma ruazinha à direita que já sai do lado da Prefeitura.

Outra menina, outra bicicleta

Aruana, sem medo dos carros em sua capa amarela esvoaçante, fez um percurso de 18km ao qual demos o nome de “grandes avenidas”. Atrás dela seguimos eu e uma moto da TV Globo, que filmou algumas das imagens mostradas aqui. Da Berrini, seguimos pela Funchal, depois Juscelino, República do Líbano até o “empurra-empurra” e fizemos a volta no monumento (e nesse momento, por uma enorme coincidência, encontramos a Cinthia com dois ciclistas que a acompanhavam, foi um momento muito legal). Seguimos pela Brasil, subimos a Rebouças, descemos a Consolação, Xavier de Toledo, Viaduto do Chá, Prefeitura. Alguns comentaram que talvez fosse melhor termos subido a Brigadeiro, mas enfim: subir a Rebouças ultrapassando os carros parados não tem preço… 😉

Em certos momentos, a moto ficava para trás de nós e tinha que abrir caminho na base da buzina, pedindo para os carros aumentarem o espaço. É que o guidão das bicicletas é mais estreito e a qualquer momento nós podemos parar e levantar facilmente uma das rodas no chão para acertar seu posicionamento e conseguir passar em algum lugar mais estreito. Claro que isso só dá pra ser feito com os carros parados, afinal nossas vidas valem mais que vencer uma corrida despretensiosa como o Desafio Intermodal; quando eles se punham em movimento, nós nos colocávamos no nosso lugar, ocupando espaço suficiente para sermos respeitados e não nos arriscando ao lado de carros que certamente não haviam nos visto.

A recepção

Willian Cruz
A bicicleta, que chegou quase junto da moto, causou espanto aos jornalistas

Quando cheguei na frente da Prefeitura, o destino final, fiquei anestesiado com a presença massiva da imprensa. Tinha até carro com antena em cima para transmitir ao vivo. Cada participante que chegava era rodeado de repórteres e o Thiago, que cuidava da cronometragem, tinha que ficar atento para marcar os tempos. O Secretário do Verde e do Meio Ambiente da cidade, Eduardo Jorge, estava lá para cumprimentar pessoalmente cada participante que chegava e para prestar informações à imprensa, função esta encampada também pelo incansável Thiago Benicchio.

Foi bastante divertido e conseguimos divulgar nossa mensagem (mesmo que ela tenha saído um pouco distorcida em alguns veículos de comunicação). Fomos para casa felizes, com a sensação de ter realizado algo grande. Antes de ir embora, ainda passamos no local onde seria feita a Vaga Viva para sonhar com a sexta-feira que chegava. Valeu a pena.

Mais informações sobre o Desafio Intermodal nos posts abaixo e no site Apocalipse Motorizado.

13 comentários em “Como foi o Desafio Intermodal (a versão longa e apaixonada)

  1. Legal Crux e obrigado pela resposta.
    Fico contente em saber, pois derruba os possíveis argumentos contra o uso da bike.
    Só não acho que a “corrida” é despretenciosa, ela tem a pretensão sim de incentivar um maior uso da bicicleta e com isso trazer a série de benefícios que conhecemos.
    Abraços

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  2. Danilo, as leis municipais já obrigam a contemplar ciclovias nos novos projetos de avenidas. Mas veja o exemplo da Av. Águas Espraiadas, que foi renomeada para “Jornalista” Roberto Marinho (o que, por sinal, parece ter contrariado a Lei Municipal 13.180, de 27 de setembro de 2001): ao construir a avenida original, foi feita uma ciclovia de CEM METROS na última quadra da avenida (entre a Berrini e a Nações Unidas). Pronto, cumpriu-se a lei…

    Mais do que leis, é preciso conscientização de que o uso da bicicleta é bom até para quem nem pensa em subir em uma. Afinal, bicicleta não ocupa espaço (diminuindo os congestionamentos para os carros) e não polui (tornando mais limpo o ar que os motoristas também respiram).

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  3. Jupercio, eu acompanhei pessoalmente uma das ciclistas e garanto que as leis de trânsito foram respeitadas. Ela pedalou rápido, sim, mas sem apelar: chegamos até a desmontar da bicicleta para atravessar a Av. Santo Amaro na faixa de pedestres.

    Todos os participantes do Desafio Intermodal eram pessoas que conhecem bem as leis de trânsito e as respeitaram na realização do evento. Nessa corrida não havia Dicks Vigaristas.

    Como eu disse no texto, nossas vidas valem mais que vencer uma corrida despretensiosa como essa. Não valeria a pena furar um sinal vermelho ou pegar uma rua em contramão, como eu acredito que não valha também no nosso dia-a-dia.

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  4. Eu só uso a bicicleta, para casa, trabalho, cinema, qualquer coisa. É muito mas rápida, vc faz um exercício e anda muito mais rápido que os carros. O único inconveniente é chegar suado em qualquer lugar. Com a chegada do verão esse é o pior impecílio para que novas pessoas queiram experimentar a bike.

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  5. Acredito que nas novas obras deveria ser obrigado o planejamento de ciclovias ou ciclofaixas. Isso não era obrigatório por uma lei municipal? Porque não incluir as faixas para bikes e meios não motorizados, que poderiam até ser compartilhadas com pedestres como em Curitiba, nas obras do complexo Roberto Marinho e no Expresso Tiradentes (o fura-fila). Abs e parabens pelo blog.

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  6. Realmente, no transito pesado das cidades de hj, quem vai de bike sai ganhando. Sempre me reveso qdo vou pro trampo (dia c/ carro / dia c/ bike) e naum me arrependo. Pena q muitos motoristas naum tem o menor respeito pelos ciclistas.

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