Crianças e bicicletas - uma relação para a vida toda. Na foto, ação realizada no dia das crianças na periferia de São Paulo, por Coletivo CRU, Bike Anjo, Mão na Roda e Coletivas. Foto: Coletivo CRU

Cidade de São Paulo incentiva o uso da bicicleta para ir à escola

Em um projeto inovador e com potencial para mudar o futuro da cidade, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo criará 46 Escolas de Bicicleta. O programa é direcionado a alunos entre 10 e 14 anos. Entenda a motivação do projeto, saiba como vai funcionar e veja exemplos lá de fora.

Publicado originalmente em dezembro de 2011

Crianças e bicicletas - uma relação para a vida toda. Na foto, ação realizada no dia das crianças na periferia de São Paulo, por Coletivo CRU, Bike Anjo, Mão na Roda e Coletivas. Foto: Coletivo CRU

Em um projeto inovador e com potencial para mudar o futuro da cidade, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo criará 46 Escolas de Bicicleta. O programa é direcionado a alunos entre 10 e 14 anos, que estudam entre o 6.º e o 9.º ano do ensino fundamental. O Centro de Convivência Educativa e Cultural de Heliópolis e cada um dos 45 CEUs da Rede Municipal de Ensino devem receber 100 bicicletas, num total de 4.600 alunos atendidos.

A ideia é que os alunos as utilizem para chegar à escola. Por sinal, muitas das crianças dos CEUs já utilizam a bicicleta nesses deslocamentos. O uso será opcional e os pais terão de concordar por escrito antes do filho pegar a bicicleta emprestada. “Tudo isso vai ser feito com muito cuidado e zelo, coordenado com os órgãos de trânsito. Os meninos terão aulas de como pedalar nas ruas e serão acompanhados pelos monitores. Como são alunos de CEU, normalmente já moram mais próximos da escola”, contou ao Estadão o secretário municipal de Educação, Alexandre Schneider.

Mais que ceder bicicletas

O projeto vai além da entrega das bicicletas. Para aumentar a segurança, monitores serão contratados para acompanhar os alunos no trajeto em sistema de bike bus, ou seja, em comboio. As crianças receberão itens de segurança, como capacetes e luzinhas. E haverá também atividades e brincadeiras que passarão noções de segurança no trânsito. “A ideia é termos uma mistura de aprendizagem sobre trânsito, meio ambiente e trabalho em grupo”, afirma o secretário.

Além das atividades de coleta de material reciclável para construção das bicicletas, das instruções teóricas e práticas sobre condução de bicicletas nas ruas e dos comboios ou bike buses, haverá atividades lúdicas, que ensinam a ter melhor controle da bicicleta brincando. Um bom exemplo de atividades que podem ser utilizadas são os seis jogos de bicicleta, criados pela Federação dos Ciclistas Dinamarqueses e traduzidos pela Associação Transporte Ativo, com apoio do Instituto Cultural da Dinamarca.

O projeto será implementado em três fases e o valor total, incluindo mão de obra e materiais, deverá ser de cerca de R$ 2 milhões ao ano. “Vamos deixar tudo formatado para que, se a gestão seguinte quiser, o projeto possa até ser ampliado”, diz o secretário. Daniel Guth, coordenador geral do programa, contou ao Vá de Bike que a metodologia será disponibilizada sob o formato creative commons, para ajudar a todas as cidades que queiram implantar programas com estas características. “Muitos programas da Secretaria já são assim, como os cadernos didáticos”, lembrou Guth.

Exemplo que vem de fora

Crianças indo à escola em comboio no Canadá. Foto: Canadian Cycling Association/Divulgação

Apesar de ser um projeto inovador no Brasil, Guth lembra que ações desse tipo já ocorrem em países como a Dinamarca desde a década de 40. Em uma rápida pesquisa, o Vá de Bike encontrou programas de educação infantil no uso das bicicletas no Canadá, Estados UnidosAustrália, FrançaReino Unido, Áustria, Dinamarca, Alemanha e Holanda.

Na Alemanha, a educação nas escolas quanto ao uso da bicicleta começa aos três anos de idade. Na Holanda, as crianças aprendem a compartilhar a via, atuando como motoristas, ciclistas e pedestres durante o treinamento. E segundo a Divisão de Transporte da cidade de Berkeley, “crianças entre nove e dez anos geralmente já estão crescidas o suficiente para conquistar a habilidade de pedalar nas ruas”.

O vídeo abaixo, legendado em português pelo Vá de Bike, mostra como se dá a educação de trânsito em bicicletas para as crianças na Holanda. Ações desse tipo são comuns no país desde 1935! Não é necessária uma licença para usar a bicicleta nas ruas, mas elas ganham um certificado comprovando que estão aptas a fazê-lo.

Consciência sobre riscos e consequências

Alexandre Schneider (esq.) e Daniel Guth, indo ao trabalho de bicicleta em um dia útil qualquer. Ao centro, Renata Falzoni. Foto: João Lacerda

Alexandre Schneider, secretário municipal de educação, sabe o que está fazendo. Schneider usa a bicicleta para ir ao trabalho três vezes por semana, em um percurso de 10km, transpondo novamente essa distância no final do expediente. Mora em uma bairro com muitas subidas e trabalha em uma região com tráfego intenso. Daniel Guth, coordenador-geral do programa, tem uma longa história com a bicicleta, seu principal meio de locomoção. Entre outros projetos, participou ativamente do projeto e implantação das Ciclofaixas de Lazer e está sempre em contato com ciclistas e cicloativistas.

Ambos sabem bem o que é usar a bicicleta como meio de transporte, suas dores e delícias, seus riscos e recompensas. Não foi um projeto tirado da cartola para impressionar a opinião pública e mostrar serviço. Esses dois (e tantos outros envolvidos no projeto) têm plena consciência de que a bicicleta JÁ é utilizada como meio de transporte na cidade, inclusive para ir à escola. Principalmente na periferia.

Um projeto como esse é importantíssimo para a cidade e para as pessoas. Ajuda os alunos a terem maior consciência sobre o uso da bicicleta nas ruas, fazendo assim um uso mais seguro e correndo menor risco. E essa conscientização tem efeitos colaterais vitais para nossa cidade e nosso futuro: além de tornarem-se adultos que pedalam de forma mais segura nas ruas, ainda que venham a desistir da bicicleta essas crianças terão a consciência de que ela é um meio de transporte legítimo, válido e que merece respeito. Compreenderão, quando adultos, que uma pessoa numa bicicleta não deixa de ser uma pessoa. Nossa cidade se tornará mais humana, nosso trânsito menos agressivo, nosso futuro mais agradável.

Não devemos ver esse projeto como uma ação que coloca vidas em risco. Pelo contrário, ele as protege. Quem não percebe essa característica, fecha os olhos para as mudanças que nossa sociedade precisa. Precisamos de mais ações como essa, que ajudem a construir uma cultura de aceitação da bicicleta na cidade e ajudem a formar o caráter de nossas crianças. Isso pode salvar vidas. Mas por não ser um resultado mensurável, muitas pessoas preferem ignorar, pois não se encaixa em suas certezas.

Fase I – Valorização dos atuais ciclistas da Rede

Muitos alunos e pais já chegam pedalando à escola, principalmente nos CEUs, equipamentos criados para integrar à vida comunitária dos bairros. Outros tantos gostariam de fazê-lo, mas não têm onde deixar a bicicleta. A bicicleta é parte do cenário da cidade, principalmente na periferia. Quem circula só no centro expandido e vê a vida de dentro de um automóvel talvez ainda não tenha percebido, mas quem mora em bairros mais afastados ou tem a bicicleta inserida na sua vida, sabe.

Pensando nisso, a primeira fase do projeto consiste em implantação de paraciclos e bicicletários e prospecção de eventos para fomento e divulgação do uso da bicicleta. Também já estão ocorrendo reuniões frequentes com entidades do setor, para planejamento do programa.

Fase II – Início da implantação do Programa e aquisição das bicicletas

Esta fase do programa visa proporcionar aos alunos ampla conscientização sobre sustentabilidade por meio da utilização de bicicletas ecológicas e do acompanhamento de seu processo de fabricação, contemplando os seguintes aspectos: recursos materiais, meio de transporte, saúde e qualidade de vida, economia, sustentabilidade, violência e convívio social.

As oficinas educativas, nessa fase, priorizarão a reciclagem, a sustentabilidade e o uso da bicicleta como meio de transporte de casa até o CEU. Dessa forma, ajudamos as crianças a se tornarem adultos melhores, conscientes do ciclo dos produtos, reciclagem, meio ambiente, convivência no trânsito e relação com a cidade.

Todas as turmas poderão participar da coleta dos materiais recicláveis, numa espécie de “gincana ecológica” entre os Centros Educacionais Unificados. A cada 30 dias, será levado em cada CEU um caminhão equipado com um triturador, que fará com que todo o material recolhido se transforme em flocos de PET, para ser entregue nas cooperativas da região. E a contagem da quantidade de PET corresponderá ao número de bicicletas conquistadas, chegando ao limite de 100 bicicletas por CEU.

As bicicletas

Cada Centro Educacional ficará responsável pela distribuição das bicicletas, considerando as idades entre 10 e 14 anos. Os critérios para distribuição ainda serão definidos mas, como se trata de patrimônio público, cada aluno beneficiado terá a responsabilidade de devolver a bicicleta ao final do ano letivo, no mesmo estado de conservação. A Secretaria de Educação fará a revisão dessas bicicletas periodicamente.

As bicicletas têm o quadro feito em bambu. São leves, autossustentáveis, não enferrujam, não precisam de amortecedor, solda, ou pintura e serão customizadas para o programa. Itens de segurança também estarão inclusos, como capacete e luzinhas.

Fase III – Gestão das Escolas de Bicicleta

A Secretaria de Educação receberá indicações de como deve ser feita a gestão compartilhada das Escolas de Bicicleta. O objetivo é chegar a um projeto único e, na medida do possível, consensual. As indicações deverão contemplar as seguintes etapas:

1) Mapeamento das ciclo-rotas utilizadas para se chegar ao CEU.

2) Monitoria do percurso ou bike-bus, que corresponde a organizar comboios levando os alunos até o CEU, aumentando a segurança e promovendo convívio e integração.

3) Módulos de atividades:

  • Noções de trânsito, segurança e compartilhamento;
  • Brincadeiras lúdicas (como os 6 Jogos de bicicleta da Transporte ativo);
  • Atividades corporais (equilíbrio, postura, resistência);
  • Os estilos e modalidades de bicicleta (BMX, Speed, downhill, flatland, etc.);
  • Oficinas de mecânica e montagem de bicicleta;
  • História e Cultura da Bicicleta (auditório dos CEUs);
  • Festivais de integração familiar aos finais de semana, com atividades diversas

Para indicar uma proposta, a Secretaria de Educação estará à disposição das entidades e da população até o dia 18 de dezembro, através do e-mail escolasdebicicleta@prefeitura.sp.gov.br. O mesmo contato está disponível para dúvidas, sugestões e críticas.

8 comentários em “Cidade de São Paulo incentiva o uso da bicicleta para ir à escola

  1. Na situação atual, nas grandes cidades, o uso da bicicleta como meio de transporte para ir e vir ao trabalho, ainda é para os chamados “peões”. Antes de qualquer coisa estes municípios tem a obrigação de montar uma estrutura de segurança e fluidez para o uso diário de bicicletas, com bicicletários para guardá-las. No meu entender deve haver a ciclovia ou a ciclofaixa segura e ao longo destas os bicicletários. O condutor então chega ao bicicletário, guarda a bicicleta e vai à pé ao seu trabalho. Da forma que os bicicleteiros usam este veículo hoje, cometendo várias irregularidades, sem proteção trata-se de colocar a raposa no galinheiro. Os bicicleteiros devem também ser ensinados a respeitas as regras do trânsito e o pedestre. Não esqueçam que passear de bicicleta ou participar das bicicletadas com batedores e itinerários pré-determinados é uma coisa, mas o ir e vir ao trabalho é outra muito diferente. Incentivar o uso indiscriminado da bicicleta chega a ser uma brincadeira de mau gosto por causa da falta de estrutura viária. Já observaram como os bicicleteiros de hoje trafegam? Agota, os ciclistas no seu lazer é diferente, porém, neste caso não há horário para chegar e nem para voltar. Os nossos peões bicicleteiros, não todos, mas muitos, ainda dão uma parada no boteco para beber cachaça. Além da fa\lta de estrutura de segurança e fluidez, há também a falta da cultura da bicicleta. A escola das bicicletas é uma boa. Fazer da bicicleta no dia a dia um modal de transporte é tenebroso. E ainda há o problema da ciclovia compartilhada com o pedestre. Vai ser uma loucura!

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  2. O projeto é muito, muito, muito bom. Diferentemente do Luiz, não acho que, da forma como previsto, seja como jogar as crianças e adolescentes às feras. Atualmente, como é sabido, há aprox. 500 mil deslocamentos de bicicleta por dia na cidade de São Paulo. Poderia ser mais seguro? É claro. Mas equiparar a rua a uma arena é fazer analogia que, além de não condizer com a verdade, amedronta, assusta e tem a única – e deletéria – consequência de manter as coisas como estão, de imobilizar as pessoas, de impedir que elas ajam, mudem de postura e, portanto, mudem nossa cidade para melhor.
    Sem medo, gente! Tenhamos coragem. A rua é nossa! Temos que fazê-la mais humana! Incentivar as crianças a usá-la é a forma mais eficaz para tanto. Parabéns pelo projeto. Parabéns mil vezes. Será um sucesso. Tomara que seja expandido para todas as escolas públicas (inclusive as estaduais) num curto espaço de tempo.

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  3. Incentivar o uso de bike para o transporte diário nas ruas de SP é como atirar a população de ciclistas numa arena de leões para ser devorada sem qualquer arma para auto-defesa. É preciso MUITA conscientização, MUITA multa, MUITA sinalização, várias prisões de motoristas assassinos, até que seja seguro ao poder público incentivar essas práticas. Antes disso é plena irresponsabilidade.

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