Gothenburg: passagem rápida pela Suécia não impediu que viajante se encantasse com o lugar. Foto: Raquel Jorge

Dias truncados e belos: Raquel Jorge se despede da Suécia e parte para a Dinamarca

Colunista relata seu último dia na Suécia, embarcando a bicicleta em ônibus, trem e balsa, num cenário com cavalos, fazendas e um céu incandescente.

Gothenburg: passagem rápida pela Suécia não impediu que viajante se encantasse com o lugar. Foto: Raquel Jorge
Gothenburg: passagem rápida pela Suécia não impediu que viajante percebesse que bikes dominam a paisagem urbana. Foto: Raquel Jorge

Não fiquei tempo suficiente na Suécia para saber com profundidade como é a relação deles com a bicicleta. Mas pude constatar que, ao menos nesta região costeira, barcos e bicicletas dominam o pedaço. A sinalização das rotas é consistente e não me perdi nenhuma vez. No trecho que percorri não encontrei montanhas dramáticas como as da Noruega, nada desafiador, mas também não é plano. Um verdadeiro sobe e desce entre colinas.

A maior parte do caminho foi por estradas secundárias, mas houve momentos de trilha e estradinhas exclusivas para pedestres e bicicletas, passando por pequenos vilarejos de pescadores e algumas fazendas.

O terceiro dia amanheceu feio. Muita névoa e uma garoinha fria. Bateu aquela preguiça. Mas não dava para continuar na muvuca do verão sueco. Fui a primeira a tomar café e pé na estrada!

Continuei pela via 163 sentido sul. Foram poucos os momentos em que vi o mar. A maior parte do caminho não é pela costa, que é rochosa e toda recortada. O mar aparece quando há um vilarejo ou uma baía. Fora isso, só mato. Depois de 22km cheguei em uma cidade linda, mas igual às outras, com canais de água e barquinhos. Preocupada em não me demorar demais na Suécia resolvi seguir viagem. O tempo abriu, sol e céu azul, mas sem (muito) vento.

Segui para Munkedal, menos mar e mais interior. O sol começou a me cansar e perdi um pouco de ritmo. O caminho foi quase todo de fazendas, com cavalos, vaquinhas e plantações de trigo. 32km sem mudar muito e finalmente cheguei. Cheguei e não gostei. Era uma da tarde e pensei: podia ir direto para Gothenburg. Não pedalando, pois não tinha mais perna. Resolvi ir de ônibus e foi aí que a saga começou.

871 para Gothenburg

Fui para a estação, que não passava de um banco de praça e um poste com os horários. O 871 estava para passar e ía para Gothenburg. No ponto estávamos eu, uma senhora com uma mala e um mochileiro. Passou o 878, a motorista nos viu, abriu a porta e disse: o 871 não vai passar aqui, vai passar no ponto do “Sportscenter”, entrem que eu deixo vocês lá (claro que só soube disso porque a senhora da mala me explicou). Subimos e lá fomos para o outro ponto. Chegamos, descemos, esperamos. Eu deitei no banco e fiquei tomando sol. O mochileiro foi ler embaixo de uma árvore. A senhora da mala estava impaciente, andando pra lá e pra cá. Vi que ela começou a fazer várias ligações. Desligou e me contou que por causa das obras na estrada estava tudo um caos. Ela tinha que pegar um trem em Gothenburg e estava arrancando os cabelos. Estávamos esperando há mais de duas horas.

Nisso passa o mesmo ônibus 878 com a motora que havia nos deixado ali – já tinha completado o circuito e estava de volta. Ela, incrédula, abre a porta e conversa com a senhora da mala. É uma longa conversa em que a senhora da mala gesticula e aponta para o relógio. Eu sem entender nada. Sem contar a fome, o cansaço e o fato de que só não explodi porque fiz uns três xixis atrás da moita. Estava com aquela sensação do filme “O Dia da Marmota”, ou “Feitiço do Tempo”, como o filme foi lançado no Brasil. Nele, o protagonista se vê preso em uma realidade que se repete todos os dias, invariavelmente.

Enfim, sobe todo mundo de novo no busão e 20 minutos depois ela nos deixou na estação de trem (que ficava no meio do nada). E aí tudo começou a melhorar – eu nem sabia que havia a opção de ir de trem. Em menos de 10 minutos surgiu um trenzinho lindo no horizonte, moderno mas muito curto. Todo amarelo. Fiquei com um pouco de receio de não deixarem embarcar com bike. Quando ele parou e as portas se abriram corri para o primeiro vagão onde avistei um símbolo de cadeira de rodas (já havia entendido que é onde devo ir). Sem problemas. Prendi a bike, sentei e senti um enorme alívio quando o trem finalmente entrou em movimento. Para frente e avante!

Fechei os olhos e cochilei até chegarmos em Gothenburg. Achei um café na própria estação (que é imensa e linda), entrei na internet, encontrei um hostel razoável e não muito distante, fácil de chegar. Fiz check in, larguei os alforjes e corri achar algum lugar para comer. Qualquer coisa servia! Acabou sendo pizza, em pé, olhando para um céu incandescente.

Cidade plural

Fiquei duas noites em Gothenburg. Cidade deliciosa. Eclética. Tem antigo, tem moderno, tem asfalto e tem mato. Tem de tudo, mas o que mais tem é bicicleta e bar! Ou seja, é uma cidade adorável!

Gothemburg tem o maior parque de diversões da Escandinávia, um imenso e lindo estádio de futebol, trilhas que dão em pequenas praias… e mais uma vez constato que o melhor jeito de conhecer um lugar é pedalando. Você se enfia em qualquer lugar, não fica com medo nem preguiça de se perder, (aliás, se perder – um pouco – faz parte da diversão), pode parar onde e quantas vezes quiser pois não tem o problema de “onde estacionar”. E claro: é seguro.

A cidade tem ruas largas e arborizadas e para se locomover há as bicicletas e os trams. Há muitas ciclovias e muita gente transitando por elas, mas deve-se ficar atento nos cruzamentos, pois os trams trafegam em todas as direções e nem sempre há um farol para atravessar a linha.

Fui no terminal do porto comprar meu bilhete para a balsa. Fiquei com a sensação de que não dei muita chance a este país, foi uma semana meio truncada, com pneu furando, estradas em obras, lugares lotados e barulhentos.

O fato é que apesar da beleza, esta região (remota e distante da capital) não recebe muitos turistas estrangeiros e não encontrei a mesma receptividade que tive na Noruega. Fiquei ansiosa para entrar na balsa e ir para o lado de lá do Mar do Norte! Para o país que, em breve, me ensinaria tudo e mais um pouco sobre mobilidade e bicicletas: a Dinamarca.

Raquel Jorge fez uma cicloviagem de 6.200 km pela Europa, contornando o Mar do Norte e passando por Noruega, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Bélgica e Inglaterra. E ela conta os detalhes aqui no Vá de Bike, da preparação aos desafios do caminho, com dicas para quem tem vontade de ganhar o mundo e informações sobre a mobilidade nos locais onde passou. Veja o que ela publicou por aqui.

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