Justiça já havia negado liminar que proibiria ciclistas de descer a Santos

Ecovias não se conformou com recusa de uma primeira liminar e resolveu tentar novamente, insistindo em negar a circulação dos ciclistas

Cicloturistas ocupam as pistas da Interligação, por elas já estarem livres de carros quando ali chegaram. Foto: Willian Cruz

No último dia 10 de dezembro, milhares de ciclistas foram impedidos de pedalar de São Paulo até Santos. Um dos motivos foi o deferimento de um liminar a pedido da Ecovias. Vamos tentar explicar da maneira mais simplificada possível algumas circunstancias sobre os acontecimentos e, mais uma vez, esclarecer por que a responsável pelos danos causados aos ciclistas e a todos usuários do SAI (Sistema Anchieta-Imigrantes) é apenas e tão somente a concessionária.

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A liminar negando o deslocamento

Já foi explicado em outro texto aqui no Vá de Bike que a Ecovias é a responsável pela segurança dos usuários e cabe a ela a intermediação com os diversos órgãos públicos para a instalação permanente ou temporária de instrumentos para garantir a locomoção segura no trecho concedido.

Vivemos em um Estado de Direito, ou seja, só há direitos e obrigações decorrentes da Lei (e não do mero arbítrio de quem quer que seja). Para fazer valer as pretensões da Ecovias de impedir os ciclistas de transitarem na área de concessão foi necessária a propositura de uma ação judicial (distribuída em 05/12/2017 – processo 1005241-59.2017.8.26.0157).

Neste ponto é preciso entender algumas noções básicas de direito (calma, é algo bem básico). As ações judiciais possuem em regra duas partes (autor e réu) e após ouvir as partes e proferir diversos despachos e decisões que impulsionam o processo, há a prolação de uma sentença (ou seja, o Juiz diz quem teria o direito discutido). Em face das decisões e da sentença podem ser interpostos recursos, mas isso é outra história. Uma garantia básica do processo é a formação do que chamamos de contraditório (ou seja, é preciso ouvir a outra parte).

Então qual o motivo de ter sido deferida uma liminar apenas com os argumentos da Ecovias? É simples:

A situação descrita pela concessionária foi tão catastrófica e urgente que incutiu no Juiz o receio de que pudesse acontecer algo realmente grave.

Ciclistas prosseguiam em paz pelo acostamento na Rodovia dos Imigrantes, dentro de seu direito previsto em Lei. Foto: Willian Cruz

A Ecovias possui um enorme poderio econômico e tecnológico e, assim, deve ter apresentado gráficos, projeções e fotos escolhidas a dedo para tentar demonstrar que o risco à segurança do ciclista é a existência dos próprios ciclistas na área de concessão.

 

O processo em que foi deferida a liminar vai seguir seu trâmite normal até receber uma sentença.

Justiça já havia negado uma primeira liminar

É importantíssimo que todos saibam que em 25/10/2017 a Ecovias havia entrado com uma ação (processo 1027612-57.2017.8.26.0564) tentando impedir os ciclistas de fazerem uso da área concedida. Vocês conseguem imaginar qual foi o resultado desta ação?

No dia seguinte à propositura da ação foi prolatada uma sentença de indeferimento liminar do pedido da Ecovias, ou seja, as alegações eram tão descabidas que sequer foi autorizado o desenrolar do processo.

Destaco trecho da argumentação utilizada na sentença:

“Notícias colhidas da rede mundial de computadores não autorizam o Juízo a presumir que os requeridos pretendam cometer abusos, transpondo os limites do direito de reunião pacífica ‘sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente’.

O exercício do direito constitucional não configura turbação e eventual excesso porventura cometido por algum ciclista deve ser coibido pela Força Pública, independentemente de qualquer manifestação judicial.

A requerente, aliás, possui estrutura que lhe possibilita realizar a sinalização e direcionamento dos participantes do passeio ciclístico para pistas seguras, sem prejuízo da circulação dos veículos automotores, que podem ser encaminhados para circulação em pistas de rodagem diversas.”

Ou seja, a argumentação utilizada na sentença que afastou os interesses da Ecovias converge exatamente para o que os ciclistas sempre defenderam: abusos devem ser contidos e é atribuição da concessionária promover a segurança do usuário ciclista.

Consequências

O ocorrido em 10/12/2017 foi previsível. A intenção desmedida de impossibilitar o acesso dos ciclistas ao Parque Estadual da Serra do Mar (caracterizada em promoção de diversas ações repetidas) mobilizou a polícia, que montou bloqueios que causaram a interdição de diversas pistas de rolamento. Resultado: dezenas de quilômetros de congestionamento desnecessário no Sistema Anchieta Imigrantes.

Como fatores de insegurança causada pela Ecovias, destaco que houve ciclistas descendo pela contramão da rodovia Anchieta e outros, exaustos após horas de espera, pedalando na contramão do acostamento da Imigrantes em direção a São Paulo.

Esses são mais alguns fatos que demonstram que a Ecovias possui uma confusa estratégia de gestão da área concedida e, em casos de relevo, incute no usuário a responsabilidade que cabe à concessionária.

Pelo Parque Estadual da Serra do Mar, ciclistas fogem das rodovias sob concessão da Ecovias. Foto: Willian Cruz

Para se ter ideia da desproporção das medidas tomadas pela Ecovias, a trajetória dos ciclistas foi desviada e afastada da entrada do Parque Estadual da Serra do Mar, local com rota alternativa para se chegar ao litoral.

Talvez eu seja um tanto esperançoso demais, mas com estratégias mínimas de segurança poder-se-ia realizar o deslocamento de milhares de ciclistas até a entrada da Estrada da Manutenção com tranquilidade.

Em resumo: a concessionária não mede esforços para impedir os ciclistas de trafegarem com segurança rumo ao litoral e isso gerou enormes gastos de dinheiro público com mobilização de forças especializadas da polícia, bem como enorme custo emocional a milhares de ciclistas e motoristas que ficaram retidos por horas no SAI. Sem contar o prejuízo financeiro ao comércio e serviços da baixada santista, que deixaram de receber milhares de clientes naquele dia.

Guilherme Moraes
Paulistano, possui parentes em São Vicente/SP e já morou no litoral, mas atualmente vive na capital. Desde 2008 usa a bicicleta diariamente pela cidade e, sempre que possível, viaja pedalando até alguma cidade próxima. Já perdeu as contas de quantas vezes pedalou de São Paulo para a baixada. Se formou em Direito e foi advogado por alguns anos. Possui especialização em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura e hoje é servidor do Tribunal de Justiça (TJ-SP).

2 comentários em “Justiça já havia negado liminar que proibiria ciclistas de descer a Santos

  1. O motivo é segurança dos ciclistas, mas ai o povo volta pedalando na contra mão da rodovia, ou seja, em momento nenhum a ecovias esteve preocupada com a segurança, não organizou o mínimo necessário. Interessante que no dia 15/11 nós descemos para Peruibe pela serra do cafezal num grupo grande de ciclistas, nós enviamos oficia a Autopista que nos apoiou prontamente. A policia rodoviária destacou um carro de apoio, nós descemos a serra em comboio ocupando uma faixa com o carro de apoio atrás, enquanto a segunda faixa ficava livre pros motoristas descerem, não tivemos nenhum susto, todos desceram bem, o transito fluiu, os policiais foram super legais e os funcionários da autopista deram até água pra gente, foi um passeio super gostoso e familiar. Ano que vem certamente faremos de novo, pois tivemos um apoio maravilhoso e a Autopista foi muito acolhedora. Uma pena que esse percurso até Peruibe é bem duro, precisa de um preparo físico bom, não é qualquer pessoa que pode descer, pela serra do mar é mais fácil e bem mais bonito, porem essa é uma possibilidade que a gente nem cogita, tente mandar um oficio pedindo apoio da Ecovias pra ver o que eles te respondem.

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  2. Quanto mimimi.
    Esta postura de que “tudo nos é devido” é um dos comportamentos que resulta neste pé no freio do Brasil.
    Reclamar, reclamar e esperar que o “sistema” resolva o problema.

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