Ciclista pedala na ciclovia da R. Vergueiro, junto ao canteiro central. Meta é implantar 400 km até o final de 2015. Foto: Rachel Schein/VdB

Como a falta de gasolina fez um crítico das bicicletas se tornar ciclista

A greve dos caminhoneiros mudou a rotina de muita gente. Em alguns casos, para melhor.

“Estou sem gasolina para percorrer o trajeto até o trabalho. Tem como você vir aqui amanhã cedinho e me acompanhar até a empresa?” Foto: Willian Cruz/VdB

Por Anderson Augusto (Ciclonauta)

Tenho um amigo e cliente, carrodependente, que é crítico do meu estilo de vida desde que me conhece, com uma esposa usuária de SUV que mal me cumprimenta por eu ser ciclista (ela também odeia motoboys). Ele é empresário do ramo têxtil, ela é dona de ateliê de moda brega. Ele trabalha há menos de 8 km da residência (caminho reto e sem muitos altos e baixos), ela está a pouco mais de 4 km de distância. Tanto ele quanto ela demoram, às vezes, mais de 40 minutos para percorrer estas distâncias.

No domingo 27 de maio [em plena greve dos caminhoneiros, com postos de combustível fechados na cidade sem ter seu produto para vender], fui entregar um notebook que consertei para ele. Pouco tempo depois da entrega, no meio da conversa, ele me confidenciou: “agora admito que você sempre esteve certo em trocar o carro pela bike”. Eu agradeci a nova postura, pois não é fácil admitir isso. Ela disse que jamais trocaria o conforto do carro dela para chegar “fedendo vinagre” no ateliê, que as clientes dela são pessoas chiques, finas, que não gostam de gente pobre, que anda de bicicleta e motos. Fiquei quieto, só ouvindo os adjetivos odiosos vomitados pela distinta dama.

O marido me puxa de lado, pede desculpas e me pede o seguinte favor: “Estou sem gasolina para percorrer o trajeto até o trabalho. Tem como ver se minha bike está boa para rodar amanhã? Ela está parada há uns 5 anos!” Olhei tudo, enchi pneu, por sorte tinha óleo na mochila, lubrifiquei a corrente, limpei selim e manoplas/manetes. Enfim, dei um talento básico para dar o start. Ele ainda me pediu: “Tem como você vir aqui amanhã cedinho e me acompanhar até a empresa? Não estou muito seguro de fazer isso sozinho. Vou te pagar, viu?!” Respondi que faria isso totalmente de graça, pelo simples prazer de ter mais um ciclista nas ruas, poluindo menos e tendo mais saúde. Ele agradeceu e disse que disso não abriria a mão, mas enfim…

Foto: Rachel Schein/VdB

No dia seguinte, 6 horas da manhã de uma segunda-feira fria, cheguei à porta. Fui atendido pelo mais novo ciclista, com roupas de competição. Subi, tomei um café com ele, aos olhos irritados da esposa odiosa de me ver compartilhar uma manteiga importada em um brioche, com um café cujo o preço do quilo ultrapassa os R$ 50. Descemos e lá fomos nós.

Ensinei a dar “seta” com as mãos, a prestar a atenção com pedestres que atravessam fora da faixa, a dar “bom dia” a todos os (5) ciclistas que cruzaram nosso caminho (algo que no início foi a contragosto). Chegamos em incríveis 32 minutos, de acordo com o Garmin dele e seu “Rolex” dourado (que devia ter mandado tirar antes de sair de casa). Nem ele acreditou, muito menos a dúzia de funcionários/colaboradores, que já se encontravam na porta da empresa.

Aliás, a chegada foi mais que interessante. Ao me avistarem, alguns funcionários que já me conhecem foram me cumprimentar e brincar que cheguei cedo pela primeira vez, mas ninguém reparou quem era o outro ciclista. Até ele tirar o óculos e o capacete, ao que todos emudeceram. Só depois do comentário do rapaz da guarita (um dos dois ciclistas da empresa desde tempos remotos), todos se deram conta de quem era: “Teve que acabar a gasolina para o patrão perceber que vir de magrela é mais rápido?!”. O empresário sorriu amarelo e disse que está mais pensando na saúde do que na gasolina. Nem assim deu o braço a torcer.

Resultado: ele disse que eu não precisava ir à tarde, ele retornaria sozinho. Se sentiu bem e nem acreditou na rapidez, mesmo tendo vindo muito devagar por entre ruas tranquilas que ele nunca observou! Depois ainda enviou uma mensagem pelo WhatsApp, pouco depois de eu ter saído da empresa. ACREDITEM: ele deixou a carteira em casa e nem se lembrou de levar uma muda de roupa para voltar a ser empresário. Aliás, nem deve ter tomado uma ducha no vestiário, pois nem suou tanto. Escreveu ainda que aproveitaria para almoçar em casa, para pegar os objetos esquecidos.

*Na pressa esqueci GoPobre e celular carregando em casa e não pude registrar este icônico momento [as fotos dessa página são ilustrativas]. Mas ele tirou uma selfie comigo ao chegar na empresa, para possível ódio da cheirosa esposa dondoca.

15 comentários em “Como a falta de gasolina fez um crítico das bicicletas se tornar ciclista

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    1. Mimimi mimimimi

      E você sabe?

      quem se arrisca todos os dias de bike numa cidade hostil, atrasada e medíocre como SP são heróis, pois só o fato de NÃO estarem poluíndo e agredindo a natureza para se deslocar, merece toda a prioridade e respeito. A mesma coisa para o pedestre.

      Seu veículo está agredindo e poluindo o ar que todos nós respiramos, ocupando 80% do espaço publico, gera poluição sonora, tudo para transportar no máximo 5 pessoas por veículo.

      Quem troca o carro pela bike merece todo o respeito.

      Então não fale merda, se resuma a SUA MEDIOCRIDADE CARROCRATA LIXO

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    2. Acho que o tom foi mais de desabafo depois de ouvir tantas vezes que quem pedala é pobre e cheira a vinagre… depois de tantos olhares atravessados de crítica… não é porque é ciclista que tem que aturar desaforo.
      A madame estilista podia inclusive aproveitar o novo modal e lançar uma linha de trajes próprios para cycle chic, saias estilosas, calças bacanas.

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    3. Ninguém é melhor do que ninguém, mas o modal poluente é responsável por doenças respiratórias em crianças e mortes diárias de idosos.

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  2. A vida ensina, mesmo se for através da dor, pois não sabemos o dia de amanhã.

    “Nunca deve-se dizer que dessa agua não bebereis….”

    Espero que ele considere a bike pelo menos como uma boa alternativa….

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  3. Não vou negar que me soa a fanfic! hahaha
    Espero mesmo que seja uma história real e que esse novo colega espalhe a notícia e recrute mais carrodependentes pro nosso lado da força!

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    1. Isso tudo aconteceu de verdade, eu estava lá eu vi, eu era o guidão da bicicleta!

      Ele ainda não contou que no dia seguinte todos na fábrica foram de bicicleta e quando chegaram lá estavam todos mais dispostos e felizes fizeram um flash mob de Shine Happy People do REM!

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