Educar versus punir e os conceitos distorcidos

O Denatran determinou que os radares sejam sempre sinalizados claramente, com placas indicativas e disponibilizados de forma visível. Multas que forem aplicadas por radares escondidos não terão mais validade.

A justificativa para isso é sempre a de que deve-se “educar em vez de punir”. Claro, concordo. Não se deve punir alguém que não foi previamente instruído sobre o que se pode ou não fazer, porque estaria-se castigando um inocente. Mas vejamos:

O que é mais importante, decorar o nome da placa ou saber o que fazer ao avistá-la?

– A primeira educação que um motorista recebeu sobre velocidade no trânsito foi na auto-escola. Ou pelo menos deveria ser, se as pessoas não fizessem as aulas só para conseguir o documento e sim para aprender a dirigir direito. E dirigir não é só apertar os pedais e mover as alavancas com o sincronismo correto e saber encaixotar o carro entre dois pauzinhos, como o exame prático exige de nós. Ou decorar a placa que corresponde a “área de campismo”, uma das questões que podem ser encontradas no exame teórico. Muito mais importante é ensinar a respeitar uma placa de “Passagem sinalizada de escolares”, que hoje em dia serve só de enfeite e é afixada nos postes apenas para se cumprir uma determinação legal na sinalização da via. Que motorista diminui a velocidade ao ver uma placa dessas? Que motorista percebe uma placa dessas? Instruir é educar.

Em iniciativa da ONG Ruaviva, “anjos” lembraram os motoristas sobre os limites de velocidade

– A segunda educação que o motorista recebe é a placa que sinaliza a velocidade máxima permitida na via. Se está escrito 60km/h, vamos andar a 60km/h. Informar é educar.

Depois de devidamente instruído e informado, portanto devidamente educado, o motorista recebe uma multa por excesso de velocidade. Se irrita, exibe o belo discurso de que é necessário educar e não punir, fala em “indústria das multas”, diz que a prefeitura enche os bolsos com as multas aplicadas. Ué, mas ele já não foi educado? Se ele não sabe para que serve aquela placa, não deveria dirigir. E quantas dessas multas são realmente indevidas? Quantas multas foram aplicadas em veículos que não cometiam infração nenhuma? Quem está errado, o radar fotográfico ou o motorista?

Enquanto isso, vemos estatísticas como essa, que diz que os atropelamentos são a maior causa de mortes no trânsito em São Paulo. Ou seja, quase metade dos mortos em acidentes de trânsito não estavam nem dentro dos carros! Quem está errado, o pedestre ou o motorista?

Repare que o vídeo dessa reportagem diz que o motorista de um ônibus “perdeu o controle” e atropelou um grupo de pessoas que estava na calçada. A máquina começa a agir sozinha. Diz o repórter que o veículo “desgovernado” derrubou três postes, invadiu um canteiro e passou por cima de um monte de gente. É simples assim, perde-se o controle: o motorista está dirigindo ali, calmamente, atento e concentrado. De repente ele “perde o controle”, como se ele próprio fosse uma das vítimas da máquina demoníaca. Imagine se um açougueiro “perde o controle” do facão que usa para cortar as carnes, ou se um cabeleireiro “perde o controle” de sua tesoura! Mas perder o controle de um carro é sempre uma boa desculpa. De fato, perde-se o controle muito fácil ao dirigir: em uma fechada, no trânsito parado, até ao ver um pedestre que ainda não terminou de atravessar quando o sinal abriu…

No final, a reportagem tenta justificar os atropelamentos mostrando vários pedestres que se recusam a usar uma passarela da região e atravessam em meio aos carros. Claro que há casos em que os pedestres se arriscam, mas os atropelamentos não acontecem apenas em situações assim. Que o diga a família da moça que morreu atropelada por esse ônibus…

E o pior é que o direito do carro particular sobre o espaço público se tornou parte tão integrante da nossa cultura urbana, que muitas pessoas partem do princípio de que o pedestre é que não deveria estar na rua. Por esses dias estava almoçando com alguns amigos quando ouvimos uma freada seca: um carro, ao fazer a curva para entrar numa rua em alta velocidade, quase atropelou meia dúzia de pedestres que atravessavam na faixa. Uma das pessoas na mesa disse, irritada: “mas também, o cara me atravessa com o farol aberto!”. Eu ri e lembrei ele que não há sinal de pedestres naquele cruzamento, que se o pedestre fosse esperar o sinal abrir para ele, não atravessava. Ele não entendeu! Retrucou que “mesmo assim, tem que passar correndo, não pode atravessar devagar assim”.

Achei melhor não discutir. Ele não compreenderia se eu tentasse explicar que a prioridade é do pedestre (tanto ética como legalmente), que nem todos conseguem atravessar a rua correndo e que portanto o normal é atravessar andando, que o motorista tem que olhar antes de entrar na rua se tem alguém na faixa que está ali na esquina, bem visível para ele, e tudo o mais. Achei melhor não estragar meu almoço. No dia que um carro cantar pneu em cima dele, duvido que ele se considere errado. Pessoas assim nunca estão erradas, no máximo se enganam… 😉

Saiba mais:
Carro mata, use com cuidado
Ao pedestre, com carinho

10 comentários em “Educar versus punir e os conceitos distorcidos

  1. Adorei ler este texto, ele expressa a minha maior indignação nesses últimos tempos.
    Eu sou motorista, mas eu sempre digo que, assim como vocês ciclistas sao vítimas desses motoristas imprudentes, nós motoristas também somos! Muitas vezes, ando na faixa do meio ou da direita no limite de velocidade. Mesmo assim alguns motoristas insistem em colar na minha traseira pra me apressar.
    Antes de tirar a minha carta, lembro que devorei o livrinho da auto-escola. Estudei tudo, muito mais preocupada em me preparar para o trânsito na vida real do que em ir bem no CFC. Não adianta saber só operar um carro! Tem MUITA coisa em jogo quando você senta no banco do motorista.
    Infelizmente, essa é a realidade do nosso querido Brasil. Todos acham normal comprar carta. Sem exceção. Uma pessoa que não consegue passar em uma prova prática bobinha de direção CERTAMENTE não está preparado para encarar a direção na vida real. Mas infelizmente ninguém pensa nisso. Já pensou se uma pessoa que você ama morre por ser atropelado por um guri que comprou a carta? Pois é! Então não compre a sua, faça por merecer.
    Quanto aos radares, esse é um discurso que já escutei de muitos motoristas e que pra mim nunca fez sentido. Todo mundo fica indignado quando o pardal não é visível. Qual o verdadeiro argumento para que o pardal fique visível? Já não é implícito que quando você está dirigindo você tem que seguir as leis de trânsito? Ou você só segue as leis de trânsito quando tem alguém olhando? Ou pior, você PRECISA de um pardal visível para saber que o limite de velocidade existe? É simples, quem não deve, não teme.
    Sobre pedestres, claro que eles sempre terão a preferência. O problema é que alguns são muito imprudente mesmo. Aqui na minha rua, existem diversas faixas de pedestres e várias opções para atravessar, com farol e tudo. Ao invés de usar essas faixas, eles insistem em atravessar a 20 metros da faixa, onde não há segurança e há 4 pistas com carros vindo de forma intermitente de tudo quanto é direção. Esses dias, eu estava vindo pela rua quando uma mulher decide atravessar no meio com suas 4 crianças pequenas. Nossa sorte é que eu estava atenta, porque a mulher me viu e parou com o susto no meio da via, mas duas de suas filhas se jogaram na frente do meu carro. Sorte que eu já tinha freado. Não teria custado nada a ela caminhar até a faixa e esperar, e se ela não faria isso pela segurança dela, que tivesse feito pela segurança das crianças. Vejam bem, eu não sou o tipo de motorista que vocês relatam, que quer dominar a rua, que se acha melhor que pedestre, de jeito nenhum! E mesmo assim a pedestre me pegou de surpresa e por pouco não consigo parar o carro. Eu respeito pedestres e sei como eles se sentem porque, quando saio do carro, eu também sou uma. Só que parar um carro que já está em movimento nem sempre é uma tarefa fácil, então conto também com a prudência do pedestre para considerar a sua segurança ao atravessar fora da faixa.

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    1. Ju, ótimo seu depoimento, obrigado. Sobre comprar a carta, contribuem com isso os examinadores que arrumam detalhes absurdos para te reprovar só porque você não pagou.

      Eu tive que fazer o exame de direção (de carro) três vezes para conseguir passar. Estava tenso e errava em coisas bobas (e, convenhamos, tem todo um “protocolo”, uma ordem que se você não seguir será reprovado). Mas não paguei.

      O exame de moto tive que fazer duas vezes. Na primeira fui reprovado porque esqueci de levantar o “pezinho” da moto e ele saiu raspando no chão. Eu poderia ter caído, foi justo reprovar. 🙂

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      1. Isso é verdade!
        Os examinadores também reprovam por coisas bobas, e botam tanta pilha nas pessoas que acaba incentivando alguns a comprarem a carta antes mesmo de tentar! Na verdade, isso virou uma grande máfia mesmo.
        Posso dizer que fico muito feliz de ler relatos de quem tirou a carta na legalidade, porque está muito difícil de encontrar gente assim, muito mesmo. O pessoal fala que comprou a carta na maior naturalidade, e isso virou uma coisa tão normal que parece que o povo esquece que isso é ilegal.
        Obrigada por não ser mais um! =]

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  2. Agora, em Brasília, inventaram de gastar mais dinheiro público colocando painéis eletrônicos em vários radares (aqui chamados de “pardais”) indicando a velocidade do carro no momento em que ele passa, isso além da placa que mostra o local do radar.
    Não se trata de simples “lombadas eletrônicas”, que são feitas para a reduzir a velocidade em locais específicos e sempre tiveram esse painel de indicação de velocidade. São radares que agora redundam o que já existem nas placas que os indicam, nas placas de velocidade da via e nas aulas dos CFCs.
    Ou seja, o poder público já sacramentou o fato de que o motorista nem olha mais para o velocímetro colocado bem à fuça dele.
    Algum deputado espertinho (e cheio de multas de trânsito) insistiu em colocar o painel para que não se tenha dúvidas da velocidade registrada no radar, pois muita gente reclamava que via outra velocidade no velocímetro e levava multa injustamente. Só que o governo obriga que o velocímetro seja regulado levemente ACIMA da velocidade real do carro, que seria medida pelo radar. Ninguém percebeu que essa era uma desculpa furada.
    É como você disse, William. Não vale a pena estragar o dia tentando fazer essas pessoas entenderem…

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  3. Tambem concordo, se já existem placas de sinalização para que o delinquente tem que ultrapassar esta velocidade, se o fazer multa nele!!
    È simples assim será que as organizações competentes não percebe que isso é tão simples.

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  4. Ótimo Texto. Essa “cultura do carro” já está enraizada na mente dos “pobres” brasileiros. A lei de proteger o mais fraco é inútil perto da Lei de Gerson, a lei da vantagem.
    “Com um carro chego mais rápido”, “Não paro em faróis e faixas, as ruas foram feitas só para mim”, “é melhor diminuir as calçadas para caber mais carros nas ruas”…!
    Ano passado quando viajei à Romênia a trabalho, fiquei surpreso ao ver que embora seja um país em desenvolvimento do Leste Europeu, os cidadãos têm preferência ao atravessar as faixas, os carros param e RESPEITAM!
    Brasil, o país do futuro da Impunidade e Desrespeito ao próximo!

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  5. ótimo texto.
    pena que as pessoas que entendem o que vc escreve são as mesmas que nao precisam ser avisadas sobre a existencia de um radar :o(
    abraco, meu filho

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  6. Pois é, também sou contra aviso de radar, se tem a placa informando a velocidade da via, pronto e acabou. Tá acima do limite da via, ferro!

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  7. Willian, estou cansado de impunidade, a rua não pode ser apenas dos carros, ela é pública e tem que ser de todos. É fácil culpar os mais fracos, depois que ele não esta mais na Terra pra se defender. Em qualquer lugar civilizado, basta um pedestre ameaçar atravessar a rua que os motoristas param. Por educação, sim e não… Pois eles sabem que se matarem um ciclista ou pedestre, com certeza serão punidos. Aqui não, nesse país esses assassinatos são meras fatalidades. Só vou considerar um acidente se um pedestre se jogar de uma ponte em cima de um carro na marginal, do contrário, um atropelamento em qualquer lugar dessa cidade, a culpa será sempre do motorista, pois por mais que o pedestre esteja “errado” é obrigação dos motoristas, (pelo menos é o que nos ensinam, ou deveriam ensinar, nos CFCs) é que devemos sempre proteger os mais fracos. Apenas no dia em que o governo punir severamente os motoristas é que teremos menos mortes no transito, mas pelo andar da carroagem, as coisas só tem a piorar.

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  8. Todo dia vejo carros “desgovernados” passarem no sinal vermelho e estacionando na calçada. E é obvio que rua não é lugar para se andar a pé. É só pra carro mesmo. Parece que cadeirantes, deficientes visuais e idosos já entendem isso, por isso não saem às ruas.

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