Como estragar uma boa notícia

Não gosto do jornal Metro e sempre deixo isso claro a quem comenta comigo sobre algo que leu nele. Na minha opinião de leitor – e tenho todo o direito de tê-la – o jornal é opinativo, quando por definição deveria ser informativo. Mas em vez de ficar discursando contra um determinado veículo de imprensa, até porque outros veículos fazem o mesmo com frequência e, principalmente, não é esse o objetivo deste blog, vou mostrar a vocês meu motivo de hoje para reclamar do Metro.

O jornal em questão publicou uma matéria falando sobre o assunto que comentamos aqui ontem. Há a foto de um ciclista e o assunto foi dividido em três pequenas partes, cada qual com um título, como podem ver na imagem ao lado (clique para ampliar).

“Viagens de bicicleta dobram e tempo de trajeto aumenta”

Esse primeiro título já me causou estranhamento. Como assim “tempo de trajeto aumenta”?? Tanto nas informações divulgadas no site do Metrô, quanto nas que foram disponibilizadas pela Secretaria de Transportes Metropolitanos, não encontrei essa informação. Não entendi, a princípio, de que cartola eles tiraram.

Mas, num exercício de boa fé, tentei supor que tiveram acesso a uma versão mais completa da pesquisa, com todo um detalhamento numérico e estatístico que eu não encontrei, e a partir daí conseguiram derivar essa informação. Ora, quem anda de bicicleta sabe que o aumento no trânsito não influencia tanto assim no tempo da viagem de bicicleta! Claro que se você pegar uma grande avenida vazia de madrugada e, para comparar, pegar a mesma avenida às 19h, vai demorar um pouco mais para cruzá-la no segundo caso, mas não é essa a comparação. A comparação étempo com trânsito” em 97 contra “tempo com mais trânsito” em 2007. E, nesse caso, não dá tanta diferença assim.

Mas ainda supondo que existisse essa informação sobre o aumento de tempo nas viagens de bicicleta, há de se convir que a quantidade de viagens quase dobrou e, portanto, muito mais gente está usando a bicicleta. Certamente, há pessoas que hoje realizam percursos mais longos do que faziam antes, porque agora se sentem bem mais à vontade com esse tipo de veículo. Há também novos ciclistas, que fazem hoje caminhos mais longos que os ciclistas de então.

Mostrou-se muito mais aceitável, a mim pelo menos, crer nisso do que no trânsito dos carros causando lentidão no trânsito das bicicletas. Quem pedala no trânsito sabe que em um dia de trânsito pesado, não há demora adicional significativa para chegar ao destino de bicicleta; sabe que nem sempre o caminho mais curto (e rápido) é o mais agradável ou mais seguro; sabe que com o tempo, a prática e o conhecimento das alternativas de percurso, a gente às vezes opta por caminhos que levam mais tempo para percorrer, mas que nos estressam menos e representam menor risco.

Eu posso dizer que meu percurso hoje é uns 15% mais demorado que a rota que eu usava quando comecei a vir de bicicleta, no trajeto que faço de casa ao trabalho. E sei que essa demora é exatamente porque descobri caminhos melhores, com menos subidas, tráfego de carros mais lento e menos volumoso, menos ônibus, mais árvores, menos barulho, menos fumaça e menos stress. Não quero bater um recorde de tempo, quero chegar em casa sorrindo e sem stress – e não é à toa que esse é um dos motivos pelos quais eu deixei o carro para usar a bicicleta.

Depois de pensar em tudo isso, relendo uma matéria do Metro que fica logo acima dessa, intitulada “paulistano perde cada vez mais tempo no trânsito”, percebi o motivo do erro do Metro. A Pesquisa O/D mostra o aumento de tempo para o transporte “coletivo” e para o “individual”, porém essas duas categorias compreendem transporte motorizado, diferente do que entendeu o jornalista do Metro. No trecho a seguir, que na página do Metrô fica logo abaixo da informação sobre o aumento dos tempos, percebe-se que “coletivo” e “individual” correspondem apenas a meios motorizados de transporte: “… houve inversão da tendência de queda da participação do transporte coletivo em relação ao total de viagens motorizadas. Em 2007, foram realizados 13,9 milhões de viagens diárias por transporte coletivo (55%), enquanto que o modo individual totalizou 11,3 milhões (45%)”.

Pode ter sido má fé, mas acredito mais em um texto escrito com pressa por alguém que passou adiante seu ponto de vista como se fizesse parte dos fatos, sem perceber. Faltou ler direito e, com a falta de entendimento, foi passada uma arraigada opinião pessoal, a de que bicicleta não é melhor que carro no trânsito.

“Transporte coletivo ocupa mais espaço”

O título desse trecho dá a entender, para quem não ler o texto que vem a seguir, que o transporte coletivo ocupa mais espaço nas ruas. Disso deriva o entendimento de que, ocupando mais espaço, os ônibus atrapalham os carros.

Ao ler o texto e ver o gráfico que está mais acima na página (não mostrado nessa foto), percebe-se que mais gente está usando transporte coletivo que há dez anos. Proporcionalmente, há menos gente usando o carro e mais gente usando transporte coletivo.

O espaço que o transporte coletivo ocupa, portanto é no gráfico, ou na proporção de utilização. Nada claro, não é mesmo? Ok, pode não ter sido uma escolha proposital para denegrir o transporte coletivo… Mas, como no título anterior, fica a dúvida: foi falta de experiência do jornalista, que sem entender direito do que se está falando escreve títulos ambíguos, ou essa ambiguidade foi proposital?

“50% das famílias continuam sem carro”

O terceiro título também pode ser interpretado de duas formas. A mim, me pareceu uma reclamação, do tipo “poxa, que chato, 50% das famílias continuam sem carro”. Novamente, pode ter sido apenas falta de prática de quem escreveu os títulos, mas é o tipo de coisa que me incomoda e muito nesse jornal. Mesmo que não seja a intenção, fica a impressão de que o objetivo é moldar o entendimento do leitor para bater com a do jornalista, do editor ou, pior, dos anunciantes.

 

Só para comparar…

Vejam a abordagem dessa matéria. Nem parece que as duas foram feitas com base nos mesmos dados. Nesse segundo caso, primeiro entenderam os dados e depois escreveram. E olha que ela foi publicada em agosto do ano passado e pela Veja São Paulo, de onde eu geralmente não espero muita coisa também!

5 comentários em “Como estragar uma boa notícia

  1. Óbvio.
    Esse jornal (e o concorrente dele) cotidianamente vêm encartados na sobrecapa com anúncio de carros. Marcas, revendedores, financiadores. Não causa nenhuma surpresa a mim o teor da matéria, aliás da forma como sempre que mencionado o assunto trânsito por esse veículo.
    O fato é que vivemos uma euforia consumista (e o endividamento que é a sua consequência) e o carro faz parte desse momento especial. É praticamente comemorado o fato de que 50% das famílias ainda poderão comprar um carro – que promissor esse mercado, não? – e os problemas do trânsito são comentados por ‘especialistas’ com declarações geralmente fora de qualquer contexto.
    Não tenho esperança de encontrar opinião isenta e menos ainda favorável a políticas coerentes de mobilidade urbana. Vejo apenas divulgação de boatos para ‘orientação’ de mercado imobiliário e mais financiamentos de carros. O transporte é um detalhe a menos. Aliás, o que seria do Jornal Metro sem os congestionamentos onde eles são distribuídos?

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  2. É a inércia do pensamento dominante, que leva os autores dessas publicações a escreverem sempre as mesmas asneiras, mesmo que disfarçadas de um jeito ou outro. Tá na hora de mudar o disco dessa cultura tupiniquim.

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  3. É, Cássio, às vezes sou um pouco azedo mesmo. Nesse caso, o que me azedou foi a falácia de que o tempo de trajeto para as bicicletas aumentou, tanto no título como no texto que se seguiu. Talvez no terceiro título eu tenha mesmo exagerado, mas “transporte coletivo ocupa mais espaço” também é o fim da picada, né? Até porque quem ocupa mais espaço é o transporte individual motorizado. Se o coletivo ocupasse o maior espaço físico na cidade, estaríamos bem melhor.

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  4. Sinceramente, Willian, apesar de ser bastante crítico não levei os títulos da matéria para o mesmo lado que você. Porém tenho que concordar que o título principal é tendencioso.

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