Por que abordar os motoristas de forma positiva (mesmo os piores)

Há motoristas que tiram os ciclistas do sério, principalmente quando colocam suas vidas em risco propositalmente. Nessas horas, manter a calma traz melhor resultado para você e para os outros ciclistas. Saiba por quê.

Gaiola com rodasEstava pedalando pela Av. Estados Unidos, em São Paulo, quando vi uma pickup importada soltando a maior fumaceira. Ela seguia um pouco à minha frente e fui obrigado a aspirar toda aquela fumaça azulada.

Quando o trânsito parou, emparelhei e abordei o motorista com um sorriso, dizendo uma frase que achei que surtiria efeito, já que ele provavelmente tinha orgulho de ter uma SUV importada:

– Um carro bonito desse soltando essa fumaça toda fica feio, hein? – disse sorrindo e em tom de brincadeira.

A conversa seguiu bem, com sorrisos dos dois lados durante todo o tempo. A receptividade foi muito melhor do que eu esperava (na verdade eu estava pronto para sair “fugido”, achando que o motorista poderia partir para a ignorância):

– É, fica, né… – respondeu ele, também sorrindo, meio envergonhado. – Preciso arrumar. É que a bomba de combustível blá blá blá [argumentação técnica irrelevante]. Preciso arrumar mesmo. Mas tenho que trabalhar pra pagar, né…

Pensei em dizer alguma coisa, mas ele já emendou:

– Certo tá você de ir de bicicleta! Não polui, faz exercício… bem que podia ter menos carro na rua pra gente poder andar de bicicleta.

– É verdade. Mas se passarem meio longe na hora de ultrapassar já ajuda pra caramba… [ainda sorrindo]

Nisso o trânsito andou, a gente se despediu e ainda ganhei um “Deus te acompanhe”. Desabafei, fiz gentilmente o cara se envergonhar da fumaceira que o carro dele estava soltando, deixei uma boa imagem do ciclista e ainda passei a mensagem de ultrapassar com uma distância razoável. Valeu a pena ter usado uma abordagem amistosa. Se eu tivesse xingado (olha que dava vontade), não teria conseguido nada disso.

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Numa outra ocasião, estava voltando à noite pela Pedroso de Moraes (também em São Paulo), quase chegando na Faria Lima, quando um carro passa tirando uma fina de mim. Parou uns 5 metros depois. Respirei fundo para me acalmar. Passei para o corredor, parei do lado do motorista, sorri (é, nem eu sei como consegui) e falei, calmamente (por fora), para o rapaz que estava dirigindo e levava um amigo como passageiro:

– Boa noite, tudo bem? Não passa tão perto assim não, que se for um ciclista menos experiente o cara cai só de susto…

– É mesmo, foi mal. Passei muito perto, desculpa.

– Às vezes a gente tem que desviar de algum buraco, dá uma desviadinha com o guidão e numa dessas o carro derruba.

– É mesmo, né? Tem bastante buraco.

Trocamos mais umas duas ou três frases sobre os buracos – um problema comum a ambos e que ajuda a estabelecer uma identificação (algo chamado por alguns de rapport) – e consegui um sorriso dele. Esse certamente vai tomar mais cuidado quando vir o próximo ciclista pela rua.

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Motorista buzinando atrás. Faço sinal com a mão para ele se afastar para a esquerda, mas não mudo minha trajetória em um milímetro. Ele passa longe, com a janela aberta, corpo inclinado para a frente, pronto para me xingar. Eu lanço um “obrigado!”, sorrindo, acompanhado de um joinha. Quebrei o cara, que engoliu o palavrão. 😉 (essa já aconteceu várias vezes)

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banksy flower chuckerAutocontrole

Não sou um exemplo de virtude. Já mandei motorista tomar naquele lugar, gritando isso na janela dele depois de uma tentativa de assassinato claramente proposital. Já senti vontade de espancar alguém que quase tinha deixado meus filhos sem pai.

Mas, tendo como meta fazer das histórias acima meu padrão de conduta, tenho conseguido evitar perder a calma a esse ponto. Melhor para mim e para todos os ciclistas que o motorista verá dali em diante.

Quando o cara encosta atrás e buzina, eu costumo olhar para trás com aquela expressão de “pô, mas você quer que eu faça o quê?”, com o braço aberto, dando de ombros E SORRINDO. Geralmente ele se toca e muda de pista. Às vezes xingando, às vezes tirando fina, mas pelo menos passei um pouco do recado, evitei um stress e talvez até uma briga.

Tenho conseguido ser assim. E olha que pra mim isso é difícil: quem me conheceu aos 20 anos nunca diria que um dia eu seria assim paciente, conversando sorrindo em vez de sentar a mão no infeliz ou arrebentar o parabrisa com um pedregulho certeiro.

Consequências

Violência gera violência – e isso não é só retórica ou filosofia oriental. Mesmo que eu arrebente o espelho ou espanque um motorista que tentou me matar, ele não vai aprender nada com isso, não vai servir de lição. Só vai servir para aumentar sua raiva de ciclistas. Provavelmente ele colocará em risco o próximo que tiver o azar de estar na frente dele, que pode ser uma pessoa com pouca experiência e equilíbrio, um idoso, uma criança, podendo ter resultado fatal.

Que às vezes dá vontade de bater, ô se dá… 🙁 Mas não quero fazer parte da retaliação a outra pessoa que poderá haver depois, nem indiretamente, nem de longe. Toda ação tem consequências. Não quero criar ou amplificar um absurdo e injustificável ódio generalizado a ciclistas. Nosso papel tem de ser o oposto, o de diminuir essas arestas, pelo bem de todos nós.

Se for possível conversar de maneira agradável, com um sorriso, tratando o imbecil que tentou te matar como um amigo mal orientado, o resultado será muito mais positivo. A pessoa pode até aprender com isso, repensar sua atitude e até se envergonhar do que fez, por passar a te ver como uma pessoa e não mais como um obstáculo.

O resultado disso será melhor para você e também para os outros ciclistas que aquela pessoa encontrar dali em diante. Você não os conhece, mas eles também são seus irmãos.

58 comentários em “Por que abordar os motoristas de forma positiva (mesmo os piores)

  1. William,
    Poucos dias atrás passei pela mesma situação de um carro soltando muita fumaça, e pra piorar era subida, ao chegar do lado do motorista disse “Amigo, faça um favor, pra mim, pra você e pra todo mundo? Regula esse motor, ta poluindo demais, pedalar perto de você é pior que todos os cigarros que eu já fumei na minha vida.” ele deu um sorriso amarelo e disse que realmente precisava parar o carro e arrumar várias coisas e que iria dar prioridade a regulagem do motor, mesmo porque ele sabia que motor desrregulado consome muito mais combustível. No final ainda ganhei um “Vai com Deus”.

    Eu tento agir assim sempre, mas confesso que tenho dificuldade de me controlar quando percebo que a atitude foi proposital.
    Nesse vídeo que eu fiz, o primeiro motorista (que vem na contra-mão) se eu tivesse algo na mão para atacar nele eu juro que teria arremeçado, como estou filmando para trás não dá para perceber tanto, mas o motorista vinha na contra-mão ultrapassando em local proibido, me vendo e não quis nem saber, jogou o carro em cima mesmo. Já o segundo caso eu não achei que o motorista fez de sacanagem e por isso consegui conversar com ele, mesmo ele não querendo aceitar o fato de que colocou minha vida em risco acho que ele vai tomar mais cuidado.

    Esse vídeo é o segundo de um vlog que estou começando a montar mostrando as situações diárias que vivemos, dando dicas de como andar de bike no trânsito e de lugares interessantes para ir de bike, além de outras coisas.

    http://www.youtube.com/watch?v=n7F8vqSUTi4&feature=plcp

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  2. Um fato acontecido ontem: Estava indo ao trabalho e numa determinada rua vejo um carro parado em fila dupla, como havia um grande movimento fiquei alerta e é lógico que um dos veículos saiu rapidamente da sua faixa e… fechou este que vos escreve. Poucos metros a frente parado no sinal estava a criatura ao celular, abordei-o esplicando que sua desatenção quase me jogou ao chão, ele com a costumeira cara de bunda disse que é assim mesmo, outro dia a noiva de um amigo dele “matou” um ciclista que cortou a frente dela! Argumentei se achava justo penalizar alguém “executando-o”? Mais uma cara de bunda e abriu o sinal, para parar no outro! Parei ao lado dele e disse-lhe que de toda forma desejava-lhe um excelente dia e um bom trabalho. Arranquei-lhe um sorriso – a fórceps – e seguimos em frente. Ganhei o dia também, afinal meu desejo era de tomar-lhe o maldito celular e enfiar-lhe na “cara”. Uma atitude positiva com certeza melhorou o dia de todos, inclusive de quem testemunhou todo o evento.

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  3. “Esse certamente vai tomar mais cuidado…”

    Juro que quando comecei a ler essa frase, o final era diferente… rs

    Chover no molhado dizer que sua atitude é a correta e na minha opinião essa é a verdadeira “evolução” que os ciclistas tem que buscar.

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  4. Eu sou um LOUCO por bike,faz uns dez anos que parei de usar onibus pra ir de bike pra todo lugar aqui de Bauru sp!!Vou pro trabalho de bike mesmo na chuva!!A vida de ciclista não é facil!!!Ja levei varias fechadas,ja cortaram minha frente varias vezes…eu nao me irrito com barbeiragens,mas eu fico furioso quando vejo que é de propósito,é dificil manter a calma!!!Mas brigar nao resolve!!O jeito é contar ate tres e continuar pedalando!!!

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  5. É Willian, eu perdi a razão semana passada, bem no dia das crianças. Coloquei a vida de outras pessoas em risco, além da minha. Não costumo perder a paciência, mas depois de tentativas sucessivas de assassinar um dos meus colegas (éramos trÊs), o sangue subiu. Me envergonhei do que fiz, me desculpei com eles, mas esse seu texto me fez ter vontade de sentar no canto da sala de novo, sozinho, com um chapéu em forma de cone na cabeça…

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  6. William, “ouvir” de você, que é um exemplo a ser seguido, que tem vontade de mandar o motorista ‘lá pra lá’ é um alivio! Tenhp pavio curto, mas a bike está me ajudando a exercitar a paciência… Vou experimentar as abordagens positivas que você relatou e sei que, mais uma vez, também estarei tentando passar a boa imagem de nós, corajosos ciclistas da Pauliceia. Abraços!

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  7. tenho 55 anos e a minha grande frustração é não saber andar de bicicleta, mas admiro quem sabe andar, e oro por vocês, porque sei das grandes dificuldades encontradas nas ruas por vocês. um abraço a todos.

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    1. Sebastiana, tenho amigos que começaram a andar depois dos 50. Se é algo que você tem vontade, não desista! Há muitos grupos especializados em ensinar desde o básico.

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  8. É isso ae amigão!!!
    Temos que gerar gentileza pra ela voltar, sou responsavel por uma bicicletaria no Itaim Bibi ( k9 sports) fico feliz por sua conduta e isso reflete muito a maneira de como gostariamos de ser tratados melhor no transito..vamos fazer a diferença sempre!!!
    Sucesso

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  9. Aqui no RJ a pouco tempo uma empresa de táxi passou a fazer uns táxis especiais que levam o cadeirante em sua própria cadeira, são umas Doblos adaptadas, coisa legal mesmo… mas voltando ao caso, levei uma fechada sinistra de um destes táxis, se não fosse minha experiência em MTB teria caído feio sem duvida, fui obrigado a entrar na rua junto com o táxi apoiado com o ombro na lateral do carro…
    Parei ao lado do cara que sequer tinha me visto e perguntei se ele tinha muitos clientes e tal… E já sai falando antes dele responder:
    Não deve ter muitos clientes não, vc anda por ai tentando colocar mas pessoas na cadeira de rodas… na mesma hora ele “lembrou” do que tinha feito comigo na ultima esquina e pediu mil desculpas… sorte dele não ter feito isso a uns 5 anos… é tão caro um espelho de Doblo….
    Abc
    LP

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  10. Total de acordo com o Willi!

    Busca levar a essência deste espirito entre os amigos da bici, mas nem sempre o pessoal leva a sério. Acontece que qualquer motivo é uma lembrança para um motorista pensar duas vezes ao passar por um ciclista e respeita-lo. Muitas vezes nem noção do perigo esses caras têm, acostumado a “tirar fina” (como diz o paulista hehe) dos próprios carros nem se dão conta do perigo para nós ciclistas.
    Nosso dever é trazer segurança para nós ciclistas e para o trânsito, irritar um motorista não vai ajudar nesta tarefa.

    Vi por acaso um programa na tv sesc esta semana sobre os problemas no triansito entre carro vs bici. Para minha surpresa falava-se mais em ódio que paz, relatos de ciclistas dando porrada na cara de taxistas com capacete e por ai vai. Como trazer respeito com toda essa ignorância?

    Certa vez quando trabalhava em londres com um dos caras mais respeitados por lá no setor de transportes alternativos (Andrea Casalloti) trocamos muitas idéias sobre esses pequenos gestos de educação (tão raros no mundo e especialmente aqui, no Brasil) que levam um motorista qualquer pensar duas vezes antes de “tirar fina” do próximo ciclista.

    Vamos gerar educação e respeito, se é isso que buscamos =D

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  11. Só pra partilhar com um comentário: Certa vez, um motorista tirou “aquela fina de mim” e parou mais a frente.

    Eu o alcancei e falei.
    “Olha amigo, se você me matar, será preso, entendeu? Não pense que por ser acidente não é assassinato!”…..O sujeito, claro, ficou fulo e saiu falando um monte enquanto eu me afastava.

    Fiquei feliz por não ter xingado-o de nada, mas gostaria de ter sua presença de espírito e dizer algo melhor….mas como pensar nisso com o coração na boca?

    Aí está um desafio pra vida.

    Abraços!

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