Matérias positivas sobre o uso da bicicleta indicam nova tendência no jornalismo
Vida Simples, Trip e Página 22 são alguns exemplos de grandes revistas que publicaram edições completas sobre a relação da bicicleta com a cidade.
Relatar uma realidade desconhecida ou distante não é tarefa fácil. Quando um jornalista é incumbido de escrever sobre fatos, cobrir eventos, acompanhar discussões e entrevistar alguém, devemos ter plena consciência de que cada palavra escolhida e vírgula posicionada tem um peso, um valor, uma intenção e, principalmente, uma consequência.
Matérias mal construídas e elaboradas de maneira irresponsável podem ter um efeito catastrófico dentro de qualquer movimento social que se estabelece numa sociedade preconceituosa, desinformada, alienada e preguiçosa.
Quando falamos de minorias e movimentos marginalizados, os reflexos das palavras chegam a estar diretamente ligados à vida dos envolvidos. E aqui cabe dizer que não estamos falando apenas da situação dos ciclistas, mas de ocupações urbanas “irregulares”, dos moradores de rua, dos indígenas, catadores e pessoas que, em geral, estão na linha de tiro das poderosas/grandes/ricas/influentes corporações de interesses obscuros.
Esses são só alguns casos que precisam de um olhar um pouco mais apurado, cauteloso e sensível ao serem reportados.
A bicicleta e a mídia
Ao colocar os mais frágeis – pedestres e ciclistas – como culpados e responsáveis pela própria tragédia, a mídia corrobora e legitima uma guerra (desnecessária) nas ruas. Efeito borboleta ruim, que ecoa de maneira irreparável, de forma que todos saem perdendo.
Por outro lado, temos percebido nos últimos anos que a quantidade de matérias positivas e bem elaboradas sobre o uso da bicicleta e a importância de estimulá-la cresceu absurdamente na imprensa nacional.
Por que isso tem acontecido?
– Aumento considerável do número de pessoas pedalando e, consequentemente, do número de jornalistas (ou familiares próximos a eles) optando pela bicicleta. Isso faz com que o assunto não seja mais encarado como uma “realidade desconhecida e distante”, mas algo mais próximo, que se vivencia ou se vê de perto.
– Os erros mais escabrosos passaram a ser pacientemente refutados pelos leitores, dando visibilidade negativa a grandes veículos e a nomes conhecidos. Isso os força a serem mais responsáveis.
– Acertos passaram a ser reconhecidos e comemorados (daí a importância também do elogio), fazendo com que mais jornalistas se interessem pelo assunto.
– O contato direto e frequente com boas fontes, gerando um fluxo de conhecimento fundamental para ambos os lados.
– Amadurecimento do discurso “cicloativista” e da sua relação com a mídia. Agora, mais do que nunca, conseguimos sentir na pele (e nas ruas) os efeitos de “vender” a bicicleta como uma coisa bonita, lúdica, positiva, boa para todo mundo e para a cidade, um objeto que consegue mexer com os melhores e mais puros sentimentos de uma pessoa.
Isso não significa que não devemos escancarar problemas e mexer na ferida de vez em quando, mas isso deve ser feito em doses conscientes e equilibradas, pois sabemos da tendência e interesse – da imprensa e de leitores – por notícias desagradáveis.
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Recentemente, três publicações de abrangência nacional trouxeram edições completas tratando o uso da bicicleta como meio de transporte e a importância de se questionar nosso modelo falido de mobilidade urbana. As revistas colocaram nas bancas produções inteligentes, que dão um orgulho danado de ler e ter nas mãos.
Página 22
A 67ª edição da Revista Página 22 traz reflexões profundas sobre a construção da cidade e seus deslocamentos.
Mobilidade – como reduzir a distância entre a cidade e as pessoas. Baixe o pdf
“Se não é possível pôr abaixo uma cidade para refazê-la melhor, ao menos mudanças graduais são a chave para desatar o nó entre mobilidade e planejamento urbano”, diz uma das matérias.
Participação de Thiago Benicchio, diretor da Ciclocidade, na matéria Mudança a caminho?
Vida Simples
A Revista Vida Simples de agosto/2012 trouxe uma edição especial comandada pelo jornalista Denis Russo com um compilado de ótimas matérias, leves e divertidas sobre a qualidade de vida em duas rodas. Em agosto de 2008, a VS já tinha lançado um outro especial sobre a bicicleta na cidade. Em março de 2009, uma boa matéria na revista mostrou o exemplo de quatro mulheres que se deslocam pela cidade pedalando.
Pelas páginas desta edição especial, você encontra gente inteligente como Paulo Saldiva, Natália Garcia e Renata Falzoni, além de muitas experiências bacanas que valem a pena serem lidas e apreciadas, por exemplo, a descoberta do Acre como a “Copenhage Brasileira”.
* Esta edição ainda se encontra nas bancas no momento de publicação desta matéria (setembro/2012), talvez por isso não a encontramos disponível para leitura na internet.
Trip #201 de 2011
Ano passado a Revista Trip também lançou uma edição inteira com a temática da bicicleta na mesma pegada leve, divertida, informativa, prazerosa e – por que não – sexy da magrela.
As capas propostas pela revista e a entrevista inédita com o autor de “Diários de Bicicleta”, David Byrne, chamaram a atenção do público e da mídia, provocando muita polêmica e, por tabela, boas discussões nas redes sociais.
“A bicicleta vai criar um tipo de status mais sutil e musical”
David Byrne, escritor e ex-Talking Heads.
Faça um jornalista se apaixonar pela bicicleta
A ONG Transporte Ativo publicou algumas dicas de como melhorar a relação entre quem busca promover a bicicleta e a mídia. Uma delas é inspirada na experiência do dinamarquês Mikael Colville-Andersen que, para tornar a bicicleta mais atraente, tem promovido o seu uso simples e cotidiano com fotografias de pessoas comuns pedalando ao redor do mundo. Mikael ficou conhecido por iniciar o movimento chamado de “Cycle Chic“.
Adote um jornalista você também! 🙂
EM RELAÇÃO À MATÉRIA DO DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, RESPOSTA: “O CERTO É-QUANTO MENOS CARRO,MENOS ACIDENTES!” GOSTO DE BIKE!!
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Bom isto é verdade! Você tocou em um ponto importante, O que a gente tem para ajudar na mobilidade Urbana de verdade é maquiado mesmo, as Ciclovias que seriam realmente a coisa mais importante para o ciclista poder cruzar bairros e a cidade, é quase ZERO!Tirando a boa Ciclovia da Radial Leste que corta alguns bairros e talvez a do Pinheiros, não sobra mais nada, tudo bem que as Ciclofaixas dentro de parque e em avenidas de fim de semana é bacana para reunir familias, as pessoas se exercitarem e até mesmo promover a bicicleta, mas na prática de mobilidade durante a semana mesmo é inútil. Pintar o asfalto e encher de cone com hora marcada é FÁCINHO! FÁCINHO! Até eu faço isto, quero ver é começar a criar Ciclovias 24hs, decente, de verdade! E parar com a maquiagem!
Bom Pedal a todos !
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Bom, eu tenho uma hipótese um pouco mais concisa pra isso, pelo menos em relação à São Paulo:
O Kassab tem promovido algumas mudanças cosméticas no viário urbano em favor da bike, como já sabemos. Essas mudanças não ocultam seu franco caráter eleitoreiro, já que ele teve dois mandatos pra fazer isso e não o fez. Avanços tímidos, às vésperas do sufrágio.
Estadão e Folha cobrem isso à exaustão, em um momento em que a rejeição do candidato Serra, associado à continuidade de Kassab (tanto simbólica como formalmente) cresce sem parar, especialmente na classe média dita “tradicional”, a classe B, seu último reduto.
Estadão e Folha são amigos de longa data do ex-governador, basta ver o quanto o governo despejou em verbas de publicidade nesses dois veículos. Aliás, no governo Serra, ele comprou lotes e lotes de Veja, a revista amiga desses jornais, e distribuiu nas escolas públicas. A mesma Veja que lança capa positiva de Kassab e cita “avanços” na política de mobilidade urbana pra corroborar a injustiça a que ele supostamente se submete.
Enfim, a cobertura melhorou porque os grandes grupos de mídia do Estado tem grande interesse na vitória de Serra e usam os avanços cosméticos em mobilidade urbana pra tentar estancar a rejeição dele junto a classe média.
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Pedalada Pelada! Já que tocaram no assunto ! O sujeito ou a sujeita, vai lá pra Av.Paulista, tira a roupa e fica pedalando fazendo a maior algazarra com a BUZANFA de fora!!! KKKKKKK Olha podem me dar mil motivos, falar que é uma expressão, que é uma maneira de chamar a atenção, que é um protesto que é feito na Europa também, pode dar mil desculpas, mas para mim é uma coisa de muito mal gosto! Talvez se os cicloativistas que chegam nestas vias de fato extrema, parassem para pensar melhor antes de tomar uma atitude Bizarra destas, não daria pano para manga para os meios de comunicação criticar. Sinseramente quando passa na teve a tal Pedalada dos Pelados, eu sinto VERGONHA de colocar meu capacete, pegar minha bike e sair de casa para passear ou trabalhar! Protestos grotescos como estes ao invés de passar uma imagem séria acaba é passando uma imagem ridicula do movimento ou do protesto em questão! Existem maneiras e mais maneiras de se protestar ou chamar a atenção! Fala sério! Mas emfim a BUZANFA é de cada um e cada um faz o que quiser com ela, só não adianta reclamar depois!
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ótimo texto Aline!!!!
Justamente falei sobre o “lado positivo” no blog do bicyclop na última sexta feira
Coincidência?
Não foi!
Exatamente o que Aline traduz aqui,
“… nos últimos anos que a quantidade de matérias positivas e bem elaboradas sobre o uso da bicicleta e a importância de estimulá-la cresceu absurdamente na imprensa nacional…”
Simples assim 🙂
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William:
Concordo 100% com você e talvez não tenha sido claro. O que quis dizer, sendo específico, foi que no momento em que o texto questiona “Por que isso tem acontecido?”, faltou, na minha opinião, apontar o hype como um dos fatores.
Kiko:
É a sua percepção, beleza. Mas não concordo. No meu ponto de vista, há sim um pouco de resistência por parte daqueles que se consideram da “velha guarda”. Seja ela manifestada conscientemente (e eu já ouvi e li comentários absurdos sobre “aqueles que pedalam só pelo hype”), seja ela inconsciente, como pode ser o caso da omissão da menção ao hype no texto acima.
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Muito legal! De fato talvez existe uma moda da bicicleta mas também os empresários que mandam em tudo na grande mídia devem ter percebidos que eles podem ter funcionários mais produtivos com uma cidade mais sustentável, com mais bicicletas… Tem muito dinheiro para fazer. Não existem só fábricas de automóveis no Brasil.
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Oi Aline.
Gostei do texto, mas acho que ele poderia ser mais abrangente. E o comentário acima abordou justamente o ponto que eu acho que ficou faltando: O BIKE HYPE.
Me parece que há – ao menos dentre os ativistas – um certo preconceito em se assumir a obvia constatação que A BICICLETA ESTÁ NA MODA. Simples assim.
Há algum problema nisso? No meu ponto de vista, não. Apenas constato que fomos resumidos a um ícone – como já foram uma vez os carros e depois as motos – que representa um determinado estilo de vida. E que a propaganda se usa desse ícone pra vender qualquer coisa – de lingerie à apartamentos.
Não que isso me cause algum problema. Mas acho mais honesto assumir essa condição e tirar o máximo de proveito que der dela!
E seguir pedalando…
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Tem razão quanto ao hype, mas acho que são duas coisas distintas. Tem muitas matérias escritas só para surfar na onda, como aquelas que vemos por aí recomendando cotoveleira e joelheira. 🙂 Mas os casos citados pela Aline referem-se a matérias/edições realmente imersos na cultura ciclística, escritos por quem aceitou molhar os pés na maré ciclística ou, no mínimo, acompanhar muito de perto.
Quanto à bicicleta vender de tudo, é verdade. Vende até carro: faça uma moto elétrica leve e dobrável, coloque no porta-malas do modelo de automóvel mais novo e aguarde a viralização. 😉
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Cara,
eu não vejo muita resistência da galera em aceitar esse novo status q a bicicleta tem alcançado. Tudo que o ciclista sempre quis foi ser visto e ter espaço. Tai a pedalada pelada pra comprovar. Acho difícil neguinho achar ruim que entre mais gente pra aumentar a massa. Esse era o plano. Ninguem vai falar q fulaninho “traiu o movimento”. hehehe
Mas acho sim que esse hype deve ser mais e melhor explorado. Não importa se a pessoa começa a pedalar pra não poluir ou por causa da Kate Perry… O importante é que passe a ver a bicicleta como uma opção de transporte. Acho q esse hype, moda ou seja lá o que for, é a cartada final e deve ser usada com inteligencia pra sedimentar de vez o status de “meio de transporte” da bike.
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A bicicleta hoje em dia virou tudo, meio de transporte, meio de se exercitar e meio de moda ou estilo para alguns. A bicicleta sempre existiu mas a sombra, e sempre foi vista como coisa de adolecente, criança, nunca foi muito levada a sério, a partir do momento que começou a se proliferar as Ciclovias, Ciclofaixas , o Cicloativismo, a Questão da mobiidade Urbana e uma enxurrada de gente comum pedalando nos finais de semana nas Ciclofaixas, Parques fez a bicicleta renascer , aparecer para a sociedade e para a midia que de um jeito ou de outro sempre acaba divulgando mais e mais o uso da bicicleta, não tinha como não ser notada e nunca se vendeu tanta bicicleta como hoje, quando viamos tanta gente de cpacete a alguns anos atrás nas ruas??? E hoje com o numero cada vez mais crecente de adeptos, era normal a midia começar a falar bem, a bicicleta começar a ser mais bem encarada pela sociedade como um instrumento de mobilidade Urbana de verdade, e tudo vai virando consequencia, mais alguns anos até a mentalidade dos motoristas que torcem o nariz para a bicicleta irá mudar, pois não vai ter um lugar onde vc não olhar que não terá uma bicicleta rodando!
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Valdemir, tenho para mim que o ponto de ruptura na posição antagônica generalizada da imprensa foi este momento:
http://vadebike.org/2011/02/tentativa-de-assassinar-ciclistas-em-porto-alegre/
Repare em como as matérias foram tendenciosas. Nos dias que se seguiram, com a indignação que ganhou as ruas de cidades no Brasil e no exterior (link abaixo), essa tendência teve uma rápida quebra:
http://vadebike.org/2011/03/mais-manifestacoes-pelo-que-ocorreu-em-porto-alegre/
Não que hoje todas as matérias sejam positivas: temos até jornalão usando eventualmente colunistas para expor indiretamente sua posição contrária à bicicleta nas ruas, mesmo tendo várias matérias com enfoque positivo, que se devem sobretudo pelo bom trabalho de alguns de seus jornalistas.
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Adorei a revista vida simples e trip, vou procurar ler a outra tbm
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Olá Aline, tudo bom? Sou jornalista e adoro andar na bicicleta(dobrável). Pedalo por lazer e também para ir ao trabalho.
Acho equivocada a ideia de comparar ciclistas com minorias realmente excluídas e que a mídia fortalece o não uso de bicicletas. Permita-me explicar o ponto de vista de quem está do outro lado do balcão.
Em um jornal, notícia é algo novo e inusitado (news) e quase não há tempo para se escrever matéria com um olhar mais doce. Andar de bicicleta é muito legal, mas quase não rende matérias NOVAS, não vende. Muitas vezes, por mais que o repórter goste da ideia de defender o bom uso de bikes, algum editor derruba esse tipo de pauta, porque não interessa o grande público. (O mundo anda de carro)
Já as revistas trabalham para públicos específicos e mesmo assim são poucas as publicações sobre o assunto, pois também não se vende muito. Nestes veículos, o jornalista tem TEMPO de sobra para escrever, apurar e dar acabamento que achar necessário ao material.
Para terminar, escrever sobre algo distante não é tão difícil assim. Escrevo sobre futebol e nem por isso tenho que ser jogador. Achei a matéria criticada acima excelente. Ela traz um dado curioso, faz críticas a infraestrutura da cidade e alerta sobre os perigos de se pedalar no trânsito. Sejamos realistas eles acontecem quase todos os dias.
Acompanho este blog e acredito que um visão menos romântica da mobilidade urbana seria um prato cheio para vocês
Um abraço e até a próxima.
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Houve também uma edição inteira da AU sobre bicicletas e mobilidade.
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Felipe, tentei encontrar essa edição da AU, mas não consegui. 🙁 Creio que a Aline também não tenha tido acesso, por isso não pôde avaliar e incluir na matéria. De qualquer modo, nosso texto pretendeu mostrar alguns exemplos, não elaborar uma lista completa. 😉
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Essa edição da AU traz muita informação sobre urbanismo (ciclovias, ciclofaixas, bicicletários e paraciclos) e modelos ideais de ruas que garantam o máximo de mobilidade urbana. Vale a pena dar uma olhada.
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Boa Aline!
é exatamente disso que precisamos. Reforços positivos. Não vamos fazer ninguém largar o carro falando que ele é ruim. É como falar pra um fumante que cigarro é ruim e faz mal. Precisamos seduzir o motorista com nossas qualidades, pra fazer ele querer virar casaca. Trazer pra perto de nós os símbolos como status, modernidade, economia, velocidade, qualidade de vida, liberdade, etc… que a gente tanto vê nas propagandas de carro, mas que tem “colado” cada vez menos pra eles.
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