São Paulo escondeu seus rios para que os carros pudessem passar
Veja como a cidade transformou os rios em inimigos para favorecer o automóvel, as consequências dessa escolha e as iniciativas que defendem sua recuperação
Quem mora em São Paulo já deve ter visto, principalmente durante o verão, ruas e avenidas alagando e provocando enchentes em regiões específicas da cidade. A cada chuva um pouco mais forte, a cidade entra em estado de atenção, causando transtornos e prejuízos incalculáveis.
Há muitos motivos pelos quais a natureza reage dessa forma e um deles está bem embaixo dos nossos pés: são os rios, córregos e riachos canalizados sob o asfalto, que sofreram com a urbanização desenfreada, ocupação indevida e impermeabilização do solo, para dar lugar principalmente a ruas e avenidas.
Durante o processo de desenvolvimento, os rios que cortavam as cidades passaram de áreas super valorizadas e grandes aliados para serem vistos como obstáculos ao crescimento – já que o processo rodoviarista, do qual somos vítimas, precisava de cada vez mais espaço para justificar sua existência e manutenção.
Sepultamos 4 mil km de riachos e córregos
As áreas fluviais, perfeitas para atravessar a cidade a pé ou de bicicleta devido à sua topografia praticamente plana, foram transformadas nas pistas das famosas Marginais Pinheiros e Tietê (que têm esse nome justamente por seguirem às margens desses rios), além de avenidas como a Nove de Julho (construída sobre o córrego Saracura) e a 23 de Maio (sobre o Itororó).
Segundo o arquiteto e urbanista Alexandre Delijaicov, da FAU/USP, um dos grandes responsáveis pela mudança de paradigma que transformou São Paulo veio da gestão do prefeito Prestes Maia, que governou de 1938 a 1945, e eliminou 4 mil quilômetros de riachos, córregos e suas margens – essas consideradas ótimas opções de lazer em metrópoles como Paris e Londres.
Delijaicov é hoje o responsável pelo projeto de criação de um Anel Hidroviário em São Paulo de 600 km de extensão, conectando os rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí e as represas Billings, Guarapiranga e Taiaçupeba.
“O projeto não é uma fantasia. É economicamente viável. Mas depende uma política de estado”, diz o urbanista.
Saiba mais no site do projeto “Metrópole Fluvial”
Pela recuperação dos nossos rios
Um movimento de reconhecimento e valorização dessas áreas começa a ganhar força em São Paulo. No início de novembro, por exemplo, aconteceu na Vila Madalena o manifesto “Existe Rio em SP“, onde diversos coletivos, grupos, empresas e pessoas promoveram um grande encontro com dezenas de atividades, propondo o despertar da consciência sobre a importância dos nossos rios, dos espaços públicos e comparando a cidade que temos com a que queremos.
O coletivo Rios e Ruas foi o responsável pela expedição feita a pé e de bicicleta, que percorreu o traçado do Rio Verde. Hoje canalizado, o rio nasce na estação do Metrô e entra na Vila Madalena, percorrendo um trajeto que passa pelos dois Becos do Graffiti. Veja fotos.
Entre as reivindicações do Movimento #ExisteRioEmSP está o pedido de construção/instalação de um parque ao longo do Rio Verde. “A proposta do Parque Linear Rio Verde se deu a partir do Termo de Compensação de Impacto Ambiental oriundo do Consórcio Via Amarela. A criação de um parque ao longo do Rio, na Vila Madalena, objetiva resolver o problema das enchentes e preservar o caráter cultural pelo qual o bairro se tornou famoso”, diz o manifesto.
Vendo a cidade com outros olhos
Outro caso interessante é a ciclovia que beira o Rio Pinheiros. Mesmo com poucos acessos e muitas críticas, pedalar por ela tem se mostrado uma ótima oportunidade para ver (e sentir) de perto o que décadas e décadas de descaso fizeram com a nossa biodiversidade. Sair das bolhas de isolamento que a sociedade nos coloca permite perceber e lembrar que somos todos responsáveis pelos rumos que a cidade toma.
“A população paulistana, há décadas, tem sido levada a acreditar que os rios da cidade são inimigos do cidadão, pois trazem mau cheiro, doenças, inundações, impedem a ocupação e prejudicam o fluxo do trânsito. Tal crença tem justificado o progressivo soterramento de uma fabulosa malha hidrográfica que se revela no verão – época das chuvas – quando centenas de córregos e riachos voltam a correr sobre as ruas da cidade”, diz o site do coletivo.
Entre Rios
O documentário a seguir mostra um pouco de como aconteceu toda essa transformação em São Paulo, trazendo um relato histórico sobre o desenvolvimento rodoviarista que modificou tão profundamente a vida e os costumes dos paulistanos. “Entre Rios” foi produzido pelo coletivo Santa Madeira e é um daqueles registros fenomenais que vale a pena rever sempre.
Muito interessante Willian!
Há algum tempo o Prof. DeRose criou uma petição em prol do resgate do Rio Ipiranga, mas na época não obteve muito quorum.
Se achar interessante divulgue.
Um abraço!
http://www.activism.com/pt_BR/peticao/eu-tenho-orgulho-do-rio-ipiranga/38477
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em missão veia-ceara são poucos rios….
thayseluyanne@hotmail.com
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Reportagem muito bem feita sobre a urbanização de São Paulo e o comprometimento dos Rios.
Convido as pessoas a andarem na ciclovia no trajeto centro da cidade, darem uma paradinha na Igreja do Beato Anchieta e visitarem seu museu…que mostra uma maquete do que foi o núcleo colonizador de São Paulo do Piratininga…seguirem o passeio e atravessarem o viaduto do chá de bicicleta…
Visitem a Cantareira, o núcleo do engordador (onde se engordavam os bois antigamente), e o antigo reservatório de água que abastecia sampa, existe ainda a antiga bomba de água, que está agora desativada. Se São Paulo ficou famosa por ser a Terra da Garoa, virou a Terra das Enchentes. É necessário buscar uma reurbanização humanizada, conscientizar a população que a água que vem do céu em forma de chuva ocupa as vertentes e espaços mais baixos na terra…se ocupamos o espaço da água quando seco, quando chuva vai transbordar, é a lei da natureza. Gostei muitíssimo da matéria.
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Tá lá um rio estendido sob o chão! Bem legal esse Entre Rios, gostei pacas. (E doc pra TCC, quem diria.) E quem diria que a nascente dos nossos gargalos de mobilidade tem tudo a ver com a maneira que decidimos “urbanizar” a nossa hidrografia, hein?, ao varrer toda ela pra debaixo da manta alfástica.
Ah, no Vimeo o doc foi upado com definição mais alta e sem o esquecimento do tal do deinterlace: http://vimeo.com/14770270
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Show, show!
Adorei o Entre Rios quando assisti e também gostei muito do texto da Aline.
Parabéns mais uma vez!
Completando o que disse o Cesar Rocha logo ali em cima, os textos do Va de Bike são viciantes como andar de bicicleta!
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Obrigado, Du. 🙂
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Gostei muito e encontrei pelo twitter esse blog.
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Obrigado, Diogo!
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🙂
Comentário bem votado! 9 0
Olá Willian, tenho que concordar com o Cesar. Seus textos estão excelentes. Parabéns!
Comentário bem votado! 8 2
Obrigado, Ricardo! Mas agradeçam também à Aline, esse texto é dela… 😉
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Esse blog tá viciante, sério mesmo. Conteúdo cada vez mais diversificado e atual! =]
Parabéns!
Comentário bem votado! 20 1
Obrigado, Cesar! 🙂
Comentário bem votado! 9 1