Estacionamento para bicicletas em Nova York. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução

Nossas cidades podem mudar para melhor hoje mesmo – e sem gastar muito

A Secretária de Transportes de Nova York, Janette Sadik-Khan mostra como é possível melhorar as cidades rapidamente e sem gastar muito. Veja como.

Janette Sadik-Khan, a "secretária das bicicletas". Foto: Rachel Schein
Janette Sadik-Khan, a “secretária das bicicletas”. Foto: Rachel Schein

A Secretária de Transportes de Nova York chegou sorridente e bem humorada. Já é a sétima vez que vem ao Brasil e a segunda em São Paulo. Não teve a oportunidade de pedalar aqui, mas veio preparada: por baixo do figurino elegante, ela usava uma bermuda de ciclista.

Janette Sadik-Khan estava em São Paulo, participando do Fórum de Arquitetura e Urbanismo Arq.Futuro, e fez uma apresentação sobre as mudanças que Nova York vem passando desde o início de sua gestão no seminário “A Bicicleta em São Paulo: políticas públicas para transformar a cidade”, promovido pela Frente Parlamentar em defesa da Mobilidade Humana, na Câmara Municipal.

Na sua rápida apresentação, deu um show de simplicidade e boas ideias para a transformação das cidades. “Não é preciso muito dinheiro, dá pra pintar as ruas para determinar quais são as faixas de ônibus, quais são para ciclistas e também a extensão das calçadas para ressaltar a segurança dos pedestres”, aponta. “Não é preciso esperar que só a próxima geração veja os resultados”.

Ruas completas

Para falar sobre o equilíbrio que a cidade deve ter no seu desenho, ela conta que as ruas  devem ser completas. Deve haver espaço para todos os meios de locomoção, cada um com seu papel: “Eu vejo como um balé. Tem que ser um balé, não pode ser uma guerra”, explica Janette. E dessa forma o trânsito será muito mais seguro – para todos.

E de fato o trânsito tornou-se mais seguro em Nova York. O número de bicicletas nas ruas quadruplicou e as mortes por atropelamento diminuíram. “O ponto importante é projetar as ruas para acomodar todos os usuários, criar uma abordagem mais organizada, legitimizar todos os atores do tráfego”, esclarece. “As ruas [de Nova York] hoje estão mais seguras do que já foram nos últimos 100 anos”, garante a Secretária de Transportes da cidade.

Mais ciclistas, menos acidentes

A imagem abaixo, parte da apresentação realizada na Câmara, mostra que quanto mais infraestrutura exclusiva para as bicicletas, mais ciclistas nas ruas e menos ferimentos graves ocorrem com eles. Clique para ampliar.

Mais ciclistas, mais vias para bicicletas, menos ferimentos: em azul a quantidade de deslocamentos em bicicleta (números na coluna direita); em verde, a quantidade de ciclofaixas e ciclovias (números à esquerda); em amarelo, os ferimentos graves (números também na coluna esquerda). Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução
Mais ciclistas, mais vias para bicicletas, menos ferimentos: em azul a quantidade de deslocamentos em bicicleta (números na coluna direita); em verde, a quantidade de ciclofaixas e ciclovias (números à esquerda); em amarelo, os ferimentos graves (números também na coluna esquerda). Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução

Redução de velocidade

No começo do processo de mudança das ruas, uma pesquisa foi feita e descobriu-se que a maioria dos nova-iorquinos não sabia qual era a velocidade permitida nas vias. Uma campanha mostrava ser de 70% a chance de morrer em um atropelamento a 40 mph (64 km/h), enquanto se ele ocorresse a 30 mph (48 km/h) a chance de sobreviver era de 80%.

Um dos cartazes da campanha de redução de velocidade, promovida em Nova York. Imagem: DOT/Divulgação
Um dos cartazes da campanha de redução de velocidade, promovida em Nova York.    Imagem: DOT/Divulgação

Nos bairros, a velocidade foi diminuída ainda mais, para 20 mph (32 km/h, as chamadas Zonas 30), e os moradores entenderam o motivo da mudança.

Em bairros residenciais, a valocidade deve ser ainda menor. Repare na ciclofaixa, apesar da velocidade baixa. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução
Em bairros residenciais, a valocidade deve ser ainda menor. Repare na ciclofaixa, apesar da velocidade baixa. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução

Espaços de convivência

Além de dar opções diversas de deslocamento, Nova York também investiu na transformação dos seus espaços: “A cidade  é ótima para andar a pé, mas não tinha bancos para sentar”, lembra Janette. “Agora conta com múltiplos espaços de convivência, cafés nas ruas, são espaços agradáveis principalmente para idosos e pais com crianças”, completa.

Veja neste vídeo como uma rua foi transformada num desses espaços:

Quando a Times Square foi fechada, “todos disseram que seria o fim do mundo”, conta a secretária, mas o trânsito acabou fluindo melhor porque  a malha da cidade foi organizada. Com o seu fechamento para os automóveis, as vendas no comércio aumentaram em 50% e o valor dos aluguéis nos arredores dobrou.

Pra chegar numa cidade para as pessoas, Janette teve que enfrentar muitas críticas e mau humor, principalmente dos taxistas. Não é facil mudar uma cultura, mas depois da mudança há total apoio da população. “O interessante é que as pessoas abraçaram essa mudança e hoje não seria mais possível voltar atrás, porque a Times Square se tornou muito popular”.

Times Square, antes e depois da abertura às pessoas. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução
Times Square, antes e depois da abertura às pessoas. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução

Estacionamentos para bicicletas

Não dá pra pensar na bicicleta como meio de locomoção se a cidade não tiver locais adequados pra estacioná-las. Pra isso, novos mobiliários urbanos foram criados.

Estacionamento para bicicletas em Nova York. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução
Estacionamento para bicicletas em Nova York. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução
Paraciclo (suporte) estilizado. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução
Paraciclo (suporte) estilizado. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução

Bicicletas Compartilhadas

O sistema de bicicletas compartilhadas foi instalado somente em maio de 2013, mas o número de pessoas que usam o sistema é cada vez maior. veja quadro:

Gráfico mostra a utilização diária do sistema de bike sharing de Nova York. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução
Gráfico mostra a utilização diária do sistema de bike sharing de Nova York. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução

O custo do sistema, de 47 milhões, foi pago pela iniciativa privada. Segundo Janette, a alta utilização também se deve à proximidade entre as estações.

Perceba a densidade das estações na malha da cidade. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução
Perceba a densidade das estações na malha da cidade. Imagem: Janette-Sadik-Khan/Reprodução

Veja neste vídeo a construção de uma estação de bicicletas compartilhadas em Nova York, em uma área que foi devolvida aos pedestres:

O que podemos aprender para nossas cidades

Na opinião de Janette, é possível  fazer pequenas mudanças com pouco dinheiro e aproveitando a estrutura já existente. Se a malha metroviária não cobre a cidade inteira, é possível investir em melhorias nos ônibus para suprir essa necessidade. E quanto maior a quantidade de opções de deslocamento que você disponibilizar para o cidadão, melhor o trânsito vai fluir. Ela chegou a elogiar o trabalho que tem sido feito pela Prefeitura de São Paulo com as faixas exclusivas de ônibus.

Para o vereador paulistano Floriano Pesaro (PSDB), presidente da Frente, a maior lição é a simplicidade com que Nova York se transformou, com 450 km de ciclovias pintadas:  “Aqui a gente discute a transposição do rio, se nós podemos pintar uma faixa para ciclistas na ponte, e a proposta do o governo é construir uma nova ponte, só para bicicletas”, indigna-se Floriano. Na sua opinião, essa é uma solução cara e difícil. “Vamos facilitar, vamos economizar dinheiro público”, desabafa.

“A gente fica muito engessado na questão de grana”, diz o vereador José Police Neto (PSD), também de São Paulo. “Sem dúvida dinheiro é importante, mas se você não tiver uma boa estratégia, nem muita grana vai resolver o seu problema”, opina.

Assista o vídeo com as diversas opiniões:

Talvez tanto sucesso seja resultado de sua postura desde o início: “Quando fiz a entrevista para o emprego, falei sobre o que eu queria fazer: ciclovias, faixas de ônibus… e o prefeito perguntou por que eu queria ser comissária de trânsito. Eu respondi: eu não quero trabalhar com trânsito, eu quero trabalhar com transporte“, conta Janette.

Em compensação aqui, conforme as palavras do vereador Pesaro durante o seminário, “conseguimos trazer a Secretária de Transportes de Nova York, mas não conseguimos trazer o de São Paulo”, referindo-se à ausência de Jilmar Tatto.

De tudo o que foi mostrado, uma coisa é certa: dá pra fazer muita coisa com pouco orçamento e ver resultados a curto prazo, basta ter vontade e usar a criatividade.

Segundo Ronaldo Tonobohn, superintendente de planejamento da  CET, nós estamos no caminho certo, no tocante à vontade de fazer as mudanças. “Eles levaram 3 anos, talvez a gente leve um pouco menos, talvez um pouco mais… A gente tem que começar a construir, senão nunca vamos saber”, opina.

Algumas mudanças já começaram, mas é preciso mergulhar de vez e fazer rapidamente as mudanças que a cidade precisa. Os erros, demoras e omissões devem ser apontados e cobrados pelos cidadãos, mas temos também que reconhecer os acertos e, sobretudo participar mais ativamente das decisões políticas, oferecendo apoio, indicando caminhos e mostrando que queremos, sim, uma cidade para pessoas.

“As organizações de ciclistas fizeram um bom trabalho nos anos anteriores [às mudanças]”, recorda Janette. “Eles vinham contribuir com sua voz em reuniões de comissões para apoiar os projetos e isso foi muito importante no programa”, relata, reforçando a importância da participação do cidadão nos processos da cidade.

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4 comentários em “Nossas cidades podem mudar para melhor hoje mesmo – e sem gastar muito

  1. A simplicidade e efetividade quando acontece a participação de quem vive os locais onde as mudanças se fazem necessárias. Por exemplo, a discussão de travessias de pontes na iniciativa “Adote Uma Ponte”, tem casos em que soluções podem ser mais baratas, sem ter que recorrer a construção de ciclopassarelas. Na ponte do Jaguaré, por exemplo, há uma solução barata que não necessita ciclopassarela que foi citada aqui no Vá De Bike. A estimativa do custo da obra de uma ciclopassarela: 20 milhões de reais, usar o que existe nas pontes atuais diminui esse custo para ordem de milhares de reais. A solução de uma ciclopassarela além de custar caros, causa custos indiretos, como realocação de famílias que vivem na ponte, uma solução para a antiga ponte do Jaguaré ( demolir ou reformar para a ciclovia ), etc. Fora que deve ter medidas para que a segurança do local, pois é um local também sujeito a crimes e ocupação ilegal.

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