Multa para quem pedala em grupo não está prevista em lei
A aplicação dos dispositivos legais sobre racha a ciclistas é ilegal e fere direitos constitucionais. Entenda a Lei e saiba como se proteger dessa arbitrariedade.
Matéria de jan/2017, atualizada após o vídeo original ser retirado do ar
Um vídeo do Youtube intitulado “Lei prevê multa de R$ 3 mil a ciclistas que pedalarem em grupo nas ruas e rodovias sem autorização” vem causando polêmica nas redes sociais. Na reportagem da Nordestv Notícias, da Nordestv/Band, a Polícia Rodoviária Federal que atua naquele estado avisa que impedirá a circulação de grupos de pedal, utilizando-se do artigo 174 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Lei não tem ciclistas como objetivo
Causam espanto dois pontos nesse vídeo:
- Um veículo de imprensa afirmando categoricamente que “Lei prevê multa de R$ 3 mil a ciclistas que pedalarem em grupo nas ruas e rodovias sem autorização”
- Um agente público que atropela a boa interpretação da Lei e a aplica de maneira a violar direitos individuais
Ressaltamos que, embora esteja prevista a possibilidade de aplicação de multa a condutores de bicicleta no CTB, isso jamais foi regulamentado pelo legislativo federal e sequer foi essa a notícia. Por isso, o título da notícia é incorreto e causa impressão errônea acerca do que é noticiado.
O fato que deveria ser noticiado é que a Polícia Rodoviária Federal está aplicando em ciclistas, por analogia, dispositivos legais que preveem penalidade para motoristas quem pratiquem “racha”. A intenção do legislador não foi nem de perto punir ciclistas, conforme se pode ler na tramitação do projeto que gerou essa alteração no artigo 174 do Código de Trânsito (veja aqui). Isso fica claro no parecer do Senador Vital Rego, na Comissão de Constituição e Justiça (grifos nossos):
Trata-se de proposta destinada a agravar as sanções para as infrações que, juntamente com o dirigir alcoolizado, proporcionalmente mais matam e mutilam: o racha, o “cavalo de pau” e as ultrapassagens irresponsáveis.
[…]
Com essa experiência em mente, propomos recortar do presente PLC os dispositivos mais controversos, os penais, com vistas à pronta aprovação da parte que possui maior consenso, qual seja, o aumento das multas previstas para as infrações de trânsito mais graves, dada a ansiedade com que a população aguarda a efetividade de tais medidas.
A gravíssima infração (como todo rol de infrações) e a pesada multa jamais foram pensadas para bicicletas, mas para veículos automotores. A Lei foi modificada para desestimular homicidas potenciais a participar de práticas que a população supostamente ansiava em ver coibida: o racha.
Coibindo o uso da bicicleta
O que parece é que o poder público torce a legislação existente para evitar a reunião de grupos de pedal que treinam em rodovias (em que a prática é permitida) e ruas, e a imprensa local, por seus próprios interesses, divulga informação imprecisa sem consultar qualquer fonte que não seja o agente de polícia e o ciclista.
Porém, toda legislação que regula a relação entre o cidadão e o Estado (Administrativo, Penal, Tributário), principalmente no que se refere a coibir direitos deste, somente admite interpretação restrita, ou seja, a analogia para prejudicar e penalizar o cidadão é proibida.
Neste propósito, é no Princípio da Igualdade que reside a primeira agressão dos direitos fundamentais. Aplicar legislação específica para motoristas de veículos automotores a ciclistas é uma afronta à proporcionalidade. Não são iguais, portanto o tratamento diferenciado é necessário. E o próprio CTB é muito claro neste ponto, por exemplo, com a regra de que o maior deve proteger o menor.
Aliás, se a Lei não quisesse tratar especificamente do motorista de veículo automotor, por que a medida administrativa seria “recolhimento do documento de habilitação e remoção do veículo”?
Se a Lei não estivesse tratando especificamente de veículos automotores, por que o artigo 263 do CTB prevê a cassação do documento de habilitação no caso de reincidência no prazo de doze meses?
Direito de pedalar
Como já se ressaltou bastante aqui no Vá de Bike, a reunião para a prática esportiva em local público é permitida, contanto que não se trate de prática competitiva (para a qual é necessária a autorização pública). Sequer poderia ser diferente, pois se trata da Liberdade de Locomoção e Reunião, prevista na Constituição Federal:
Art. 5º
[…]
XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
A reportagem induz ao entendimento que, para se reunir para prática esportiva não-competitiva sem autorização do poder público, você será equiparado ao infrator que participa de rachas competitivos com veículos automotores.
A inconstitucionalidade na medida do poder público demonstra que existe discricionariedade na aplicação da Lei. Assim, as autoridades policiais, ao exigirem que o ciclista peça autorização prévia para pedalar em grupos em via pública (sem mesmo deixar claro o que pode ser considerado grupo), coíbem a prática e atentam contra as liberdades individuais dos atletas profissionais e amadores.
O que fazer
Considerando que a Lei, como vimos, não proíbe a prática em grupo do ciclismo, seu impedimento pode ser entendido como cerceamento ao direito de locomoção de maneira direta. Considero ser possível a promoção de ação de Habeas Corpus preventivo, para que seja emitido um salvo conduto aos ciclistas que queiram realizar seus treinamentos.
Não há como prever qual será a resposta do judiciário a tal pedido, porém é certo que é possível, a partir deste meio, levar a discussão até os tribunais superiores e atingir repercussão geral. Não tenho notícia de qualquer tentativa nesse sentido, mas vale lembrar que o Habeas Corpus é uma ação que pode ser promovida por qualquer cidadão, independente da representação de advogado (embora seja bastante recomendada).
Ainda acrescento que, uma vez penalizado, o ciclista tem o direito de se defender em todas as esferas administrativas e judiciais. O resultado das decisões judiciais nessas defesas poderá formar jurisprudência que irá definir como a questão será interpretada daqui para frente pela justiça.
Fernando TorresAdvogado formado pela PUC-SP, com Pós-graduação em Direito dos Contratos, mais de 10 anos de advocacia e 7 anos como mediador de conflitos. Ciclista desde a infância e apaixonado por bicicleta, é consultor do Vá de Bike sobre questões legais que envolvam o uso da bicicleta. |
Medida que parece que foi saído do período militar que coibia agrupamentos de pessoas por representar ameaça à ordem pública.
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Na verdade quem perturba o trânsito são os carros… Perturbam e restringem a circulação dos demais usuários, principalmente do transporte público que deve ser priorizado, inclusive isso está previsto nas leis também. Portanto teu comentário inverteu todo o sentido de quem tem prioridade no trânsito… pedestre- ciclista e demais meios de locomoção não motorizados – transporte púplico e só então o automóvel…
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Se o artigo cita suspensão do direito de dirigir e apreensão do veiculo já não pode ser aplicada a ciclistas, pois o sujeito pode não ter carteira de habilitação pra ser suspensa. Fica claro que o artigo é destinado para veículos automotores, como o advogado citou nesta matéria, e comparar bicicletas a veículos automotores é arbitrário. Eu mesmo se vender minhas duas bikes não pago metade da multa, ficaria lascado.
No demais, como se aplicaria o art. 253-A pra um grupo grande de pessoas fazendo caminhada, apreensão dos tênis e aplicação de multa?
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O vídeo é tão ridículo que começa dizendo “A substituição da bicicleta pelo carro foi, e é incentivada…”
BICICLETA pelo CARRO? Não seria o contrário?
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