Sem Ecovias, Audiência Pública trouxe propostas para descida a Santos
Novos fatos vieram à tona, tornando ainda mais claro como foi mal intencionada a ação da Ecovias contra os ciclistas. Saiba quais os próximos passos
REPRESSÃO NA SERRA DO MAR |
---|
Mesmo com ausência da Ecovias, Audiência Pública trouxe propostas para a descida a Santos |
Justiça já havia negado liminar que proibiria ciclistas |
Alckmin sugere “pedalar no parque” |
Protesto contra a repressão a ciclistasbloqueou Imigrantes (16/12 - fotos e vídeo) |
"Falta de segurança" é argumento para proibição? |
Ecovias conduziu ciclistas à Anchieta, onde seriam atacados com bombas de gás |
Afinal, quem causou toda essa situação? |
Vídeo coletivo mostra detalhes da repressão |
Galeria de fotos - descida e repressão |
Próximos passos |
Ecovias e autoridades estaduais serão convocadas a se explicar na Assembleia Legislativa, sendo obrigadas a comparecer (saiba mais) |
O que os cerca de 200 ciclistas esperavam era uma conversa com a Ecovias e as autoridades estaduais sobre a repressão ocorrida na descida a Santos desse ano, na busca de uma resolução para o impasse causado pela concessionária. Mas, apesar do convite, nem a concessionária, nem os órgãos estaduais enviaram representantes para dialogar.
Assista ao vídeo com a íntegra da Audiência Pública, mais abaixo nesta página
A Audiência ocorreu mesmo assim, com forte presença de coletivos e grupos de ciclistas, advogados, vários deputados e um representante da Defensoria Pública.
Os ausentes…
De acordo com os organizadores da Audiência Pública, foram convidados o Secretário de Estado de Logística e Transporte, Laurence Casagrande Lourenço, o Diretor Geral da Artesp, Giovanni Pengue Filho, o Superintendente do DER, Ricardo Volpi, e o Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Mas não compareceram, não enviaram representante e não justificaram a ausência, ignorando completamente a Audiência Pública.
Também convidado, o diretor presidente da EcoRodovias (empresa holding controladora da Ecovias) não compareceu e avisou que não haveria representante da empresa nem da concessionária – demonstrando com isso que não há interesse no diálogo, apenas na proibição, por mais que isso contrarie a legislação vigente.
… e os presentes
Da sociedade civil, estiveram à mesa Willian Cruz, do Vá de Bike; Carla Moraes, integrante do coletivo Bike Zona Sul e membra da Câmara Temática da Bicicleta (grupo do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte que debate questões relativas à ciclomobilidade com a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes); Renata Falzoni, do Bike Legal, também comentarista e jornalista da TV Gazeta e da Rádio CBN; e Rene José Rodrigues Fernandes, da Ciclocidade.
Diversos grupos de pedal, coletivos de ciclistas, advogados que pedalam e cidadãos independentes também estiveram no encontro, muitos deles pedindo a palavra e trazendo informações importantes para a discussão.
Deputados estaduais de três partidos estavam à mesa: Alencar Santana Braga e Enio Tatto, ambos do PT; Davi Zaia, do PPS; e Sebastião Santos, do PRB. Esteve presente ainda o deputado federal Nilto Tatto, também do PT. Apesar da Audiência Pública ter sido convocada pelos dois deputados do PT, a presença de parlamentares de outros partidos demonstra que a questão chamou atenção dentro da casa. Outros deputados que estiveram na audiência e se manifestaram: Carlos Giannazi, do PSOL; Luiz Fernando T. Ferreira, Luiz Turco e Marcos Martins, do PT; Deputadas Beth Sahão e Márcia Lia, também do PT.
De acordo com os deputados presentes, só não havia mais deles na sessão porque estava sendo votado o orçamento de 2018, que demandava presença no plenário. Alguns, inclusive, ficaram em apenas parte da audiência, mas tempo suficiente para entenderem a gravidade da situação e a importância de se buscar um entendimento.
Rafael Pitanga Guedes, Defensor Público do Estado, também esteve à mesa.
Como fomos conduzidos ao local da repressão
Após a abertura protocolar da sessão e depois da fala de alguns dos deputados, foi exibido o filme criado coletivamente pela Massa Crítica SP, que mostra como foi a repressão durante a tentativa de descida a Santos. Se você ainda não assistiu, assista.
Na sequência, Willian Cruz, do Vá de Bike, demonstrou através de fotos como a concessionária Ecovias conduziu os ciclistas ao local onde seriam reprimidos pela polícia (essa explicação pode ser vista aqui ou no vídeo do final da página, a partir dos 12:10). A concessionária teve ao menos duas oportunidades de retornar as pessoas à capital paulista, se tivessem bloqueado pontos específicos do trajeto, mas o bloqueio acabou ocorrendo apenas no acesso à Anchieta, onde foram mantidos sob o sol por cerca de duas horas, até finalmente serem atacados com bombas e jatos de água.
Tendo que desocupar o local desesperadamente, muitos cruzaram pistas de rodovias com carros em movimento, tendo que fazer uma viagem de volta mais longa do que haviam se preparado, depois de consumir a água que tinham durante a espera sob o sol do meio-dia. Abalados, não foram poucos os que pararam pelo caminho, sem condições físicas e psicológicas para continuar, tendo que apelar para parentes, amigos ou até desconhecidos para conseguir uma carona e retornar a São Paulo.
Carla Moraes também contou como foi tentar fazer a viagem e ser barrada e reprimida pela Polícia de Choque, destacando que o que ocorreu foi “uma emboscada” e “uma atitude truculenta e desmedida”. Ela relatou que, se todos tivessem sido liberados, em 30 ou 40 minutos estariam no litoral. “A gente via o pessoal na estrada com sede, com fome, cansados, exaustos.” Muitos dos ciclistas que desceram na contramão da Anchieta estavam na verdade fugindo com medo das bombas, contou Carla. Seu relato pode ser visto na íntegra a partir dos 31 minutos do vídeo.
Os subterfúgios para conseguir a liminar
Willian Cruz também contou como uma primeira liminar foi negada à Ecovias e como a concessionária abriu outra ação na sequência, na expectativa de que outro juiz concedesse o impedimento à viagem dos ciclistas. A primeira ação foi, inclusive, foi negada no dia seguinte à sua abertura, com a justificativa de que a lei permitia o trânsito de ciclistas e isso bastava. Era essa a determinação judicial que deveria ter sido cumprida.
Outro ponto levantado durante a explicação foi que a liminar que impediu os ciclistas se baseou em um erro de interpretação da Lei. O juiz “confundiu” o conceito de passeio utilizado no Código de Trânsito (que significa calçada) para alegar que o “passeio ciclístico” só poderia ocorrer com autorização e sinalização, quando o texto da Lei fala sobre a permissão de circulação em calçadas.
É no mínimo curioso que um juiz não consiga interpretar corretamente o texto da Lei, sobretudo com a definição de passeio explicitada no Anexo I do CTB – que funciona como um glossário para esclarecer os conceitos e justamente evitar esse tipo de equívoco.
Renata Falzoni questionou se o juiz que concedeu uma liminar em cima de um artigo errado responderá por isso de alguma forma, dadas as consequências que essa decisão teve. “A gente tem que saber o que vai sair daqui de efetivo”, reforçou.
Advogados ciclistas
O ciclista e advogado Kristofer Willy trouxe mais detalhes sobre o malabarismo jurídico da Ecovias (vale a pena assistir sua fala, a partir de 1:41:00 no vídeo). E afirmou: “essa decisão irresponsável do doutor juiz Celso Morgado gerou aquela batalha campal.”
“Quando eu cheguei no posto policial, eu mostrei uma decisão judicial e me mostraram outra. Quem consultasse na internet veria que existia um processo que permitia e outro que não permite.”, relatou Willy. “Eu vou levar isso pro Conselho Nacional de Justiça, porque a gente não pode simplesmente aceitar que uma concessionária fique distribuindo processos aleatoriamente na justiça até conseguir a decisão que ela bem entende.”
Fernanda Sartori, também ciclista e advogada, endossou a fala de Kristofer e reforçou que o juiz que concedeu a liminar tomou ciência do resultado do processo anterior e, conscientemente, o ignorou. “Quando veio a contestação e os advogados do Eduardo [citado como réu] alertaram e trouxeram cópias dessa ação anterior ao processo, o juiz tomou conhecimento da existência de um processo anterior. Por que o juiz, tendo conhecimento desse fato, não declinou da competência, ou revogou a liminar, ou fizesse qualquer outra coisa, para devolver a ação pro juiz anterior? Ele manteve a decisão e acho que agora ele deve ser chamado a responder por isso.”
A fala de Fernanda está a partir de 1:44:20 do vídeo. Para entender profundamente o aspecto jurídico desse caso, assista também a fala de Eduardo Feliciano, a partir dos 2:03:00, contando todo o histórico processual da descida a Santos ao longo dos anos.
Nas considerações finais, os deputados propuseram levar o caso ao presidente do Tribunal de Justiça (TJ).
Que esses pontos fiquem para reflexão, sobretudo para os que ainda culpam os ciclistas pelo impedimento e repressão que eles próprios sofreram.
Acostamentos vêm sendo removidos
Casé Oliveira, habituado ao cicloturismo levantou um ponto bastante importante em sua fala curta, mas direta: os acostamentos vêm sendo sistematicamente removidos em trechos das rodovias, por todas as concessionárias mas especialmente pelo grupo EcoRodovias. “Eu não consigo ir pra Arujá mais pela Ayrton Senna porque não tem mais acostamento. Eu não consigo ir pra Itaquaquecetuba porque não tem acostamento. Alguém tem que fazer alguma coisa, alguém tem que frear isso!”
Essa retirada de acostamentos não apenas coloca ciclistas, pedestres e mesmo motoristas em risco (quando têm uma pane e precisam parar na rodovia), como também acaba servindo de argumento para coibir o uso da bicicleta por uma suposta “falta de segurança” – criada pelas próprias concessionárias, que têm obrigação legal de garanti-la.
“Cadê a pizza?”
Com essa frase, Renata Falzoni iniciou sua fala. “Aqui só tem gente que concorda que o que aconteceu foi um absurdo. Vai acabar em pizza?”, indignou-se. Ela contou que descia para Santos desde a década de 70, inicialmente pela Estrada Velha e usando a Calçada do Lorena, para apontar que “a gente vem perdendo os acessos ao mar, os acessos ao interior, o acesso às estradas repetidamente e há muitos anos.”
Falzoni relatou que participou de duas reuniões onde estavam presentes o Secretário de Transportes, Artesp, Ecovias, Dersa, Polícia Rodoviária e outros, e nessas reuniões a “outra parte” só focava no problema, sem o menor interesse em propor soluções. “Eles literalmente riram da nossa cara, porque não existe da parte desses órgãos, que deveriam estar aqui presentes, qualquer tipo de sinal de que vão mudar a postura. Aí eu pergunto: vai ter diálogo? Eu não tô vendo nenhum diálogo, nenhum interesse, absolutamente nada. A gente tem que lembrar que a Ecovias herdou uma estrada construída com nossos impostos, herdou de mão beijada duas estradas e o contrato foi super mal feito porque eu tenho certeza que ela não herdou a obrigatoriedade de promover a mobilidade ativa.”
Renata ainda brincou que deveríamos começar a chamar a viagem de “romaria”, porque romaria sempre pode fazer uso de qualquer estrada, sem questionamentos. Willian sugeriu que se levasse uma santa à frente, a “Nossa Senhora da Bicicletinha”, para abrir os caminhos.
Na sequência, a deputada Beth Sahão alertou que o órgão que deveria mediar os interesses de ambos os lados, a Artesp, “na verdade tem lado, que é sempre a defesa das empresas concessionárias das rodovias paulistas. Não só nesse episódio, mas em tantos outros que a gente se depara aqui nessa casa.”
Propostas de solução
Algumas propostas surgiram durante a discussão. Uma delas seria a colocação da descida a Santos no calendário turístico oficial do estado. “Se estiver constando no calendário oficial”, explicou Beth Sahão, “não tem mais necessidade de ordem judicial” e o estado terá a responsabilidade e o compromisso de cumprir. Para isso, deve ser criado um PL (Projeto de Lei) pelos deputados, que em última análise precisará ser sancionado pelo governo do estado.
Há um aspecto interessante nessa proposta, pois sendo um evento apoiado pelo estado (em vez de coibido) atrairá muito mais pessoas, tornando-se um evento de projeção nacional e até internacional. Mas por outro lado pode criar argumentos para que a concessionária queira restringir a circulação de ciclistas apenas ao dia do evento.
Outra proposta, apresentada por Andre Pasqualini, sugere a criação de um trecho de ciclovia ao lado da rodovia e uma passarela para cruzar a interligação, com parte do caminho seguindo pro trilha até chegar à Estrada de Manutenção. Em nossa opinião, essa proposta tem dois potenciais efeitos colaterais bastante indesejáveis: 1) usarem isso como um “cala a boca” para dizer que resolveram, implantando de qualquer jeito (ainda que bem ruim) e proibindo/reprimindo com ainda menos pudor e mais violência quem não quiser/puder/conseguir usar o caminho proposto; 2) usarem isso como precedente para convencer o executivo e o judiciário de que bicicletas na estrada são um perigo e que só podem ser permitidas se houver estrutura específica, sendo um passo para proibirem de vez o uso dos acostamentos por ciclistas.
Por essas razões, as iniciativas acima não podem se antecipar aos encaminhamentos da Audiência Pública, para não serem tomadas pelos órgãos públicos e concessionária como solução única e definitiva para a questão da descida a Santos.
“O evento no calendário é excelente, é muito bacana ter um dia por ano, onde o estado forneça uma estrutura necessária para milhares de pessoas ao mesmo tempo. Eles vão se surpreender com a quantidade de gente que vai, porque se esse ano, do jeito que foi, tinha três mil, na hora em que isso for divulgado como evento oficial vai ter muita gente, vai vir gente até de outros estados. Mas temos que garantir o direito no dia a dia. Não podemos perder o direito de usar o acostamento em hipótese alguma, porque isso está previsto em lei e isso está sendo negado”, resumiu Willian Cruz.
Rene Fernandes também pontuou bem esse aspecto. “A gente quer usar não só naquele dia do passeio, mas usar a bicicleta nas rodovias estaduais todos os dias. E a gente tem relatos de não cumprimento dessa liberdade no Sistema Anchieta Imigrantes, como vocês viram, mas também casos de apreensão de bicicletas na Mogi-Bertioga, a gente tem relatos de gente pegando a Ayrton Senna, indo para Aparecida do Norte, com a bicicleta apreendida, a gente vê a Rodovia Castelo Branco com uma proibição muito forte do uso do acostamento, com várias placas proibindo o trânsito de bicicletas.”
Autoridades serão convocadas a prestar esclarecimentos
Como principal encaminhamento, serão convocadas as seguintes pessoas para dar explicações sobre o acontecido em 10 de dezembro:
- Coronel Nivaldo Cesar Restivo, Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo;
- Ricardo Volpi, Superintendente do DER;
- Laurence Casagrande Lourenço, Secretário estadual de Logística e Transporte;
- Giovanni Pengue Filho, Diretor Geral da Artesp;
- Marcelino Rafart de Seras, diretor presidente da EcoRodovias.
O deputado Enio Tatto relatou que, já no dia seguinte à descida (11/12), protocolou na comissão de Transportes essas convocações, e que os convocados serão obrigados a vir. Isso deve ocorrer em fevereiro, após o recesso da Assembleia Legislativa. “E no dia em que eles vierem, a gente vai convidar vocês, para terem direito ao uso da palavra e questioná-los pessoalmente sobre o ocorrido”, garantiu o deputado.
Baseado nesse fato ocorrido que estou organizando com o Parque Estadual da Serra do Mar, uma descida turística pela estrada velha.
Procuro ONG s ou empresas ou pessoas ligadas a eventos para me auxiliar a realização desse passeio.
0 0
Muito obrigado Willian e a todos que compareceram. Há mais motivos por trás disso, não é possível que estejam só “preocupados com nossa segurança”.
Comentário bem votado! 9 0
E o Ministério Publico? Não deve obrigar a Ecovias a seguir as leis de garantir a segurança de todos os usuários? Além de investigar a estreita relação com a Polícia Rodoviária que esquece do CTB quando é conveniente para a concessionária?
Comentário bem votado! 9 0