Ciclistas da periferia de São Paulo publicam manifesto
Com preocupante situação de remoção de ciclovias pela qual passa a cidade São Paulo, a periferia também estão se mobilizando. Leia o manifesto.
Com preocupante situação de remoção de ciclovias pela qual passa a cidade São Paulo, ciclistas das regiões periféricas também estão se mobilizando.
Em um Manifesto, divulgado nessa sexta-feira (17) pelas redes sociais, quem pedala nas áreas externas ao chamado “centro expandido” (portanto além do limite do anel cicloviário proposto pela gestão Bruno Covas), esclarece como é pedalar fora da região onde ficam os olhos e registros da imprensa e como essa política de desmonte prejudica suas vidas, numa medida ainda maior do que quem tem o privilégio de morar nas regiões centrais e mais bem servidas de estrutura cicloviária.
Um texto para ser lido, digerido e compartilhado.
Manifesto dos Invisibilizados
Nós existimos, mas não nos veem. Ora somos silenciosos, ora gritamos, mas não importa, não nos ouvem. Pois estamos longe, somos periféricos.
As periferias enfrentam tantas carências que nossas dores a muitos parecem menores. Mas somos muitos e cada vez em número maior, e no mais das vezes não por escolha, mas por pura necessidade, pois o transporte custa cada vez mais, e economizamos ao pedalar.
Nem sempre temos dinheiro para usar luzes no nosso pedalar na madrugada. Nem sempre fazemos os trajetos que saem na mídia, mas os que ligam nossas moradias com os locais de trabalho, percorrendo distâncias que podem ser de mais de 20 quilômetros apenas para bater o ponto às 4 horas da manhã ou às 22 horas, para turnos de 8, 10 ou 12 horas. Somos alguns de nós que fazemos o pão vendido cedo nas padarias…
Nossas bicicletas são baratas e simples. São as bicicletas que podemos ter, não as que desejamos. Nossos caminhos são os possíveis, não os desejados. Nossos bairros possuem pouca ou nenhuma estrutura cicloviária, e se existe, em péssimo estado. Nossas localidades raramente aparecem na mídia. E mais, morremos sem sequer sermos citados na imprensa. Invisíveis durante a vida, invisibilizados na morte.
Somos a ampla maioria dos números de mortes de ciclistas nesta cidade áspera. Estamos muito além dos rios, na Zona Sul, na Zona Norte, na Zona Leste, na Zona Oeste. Dividimos espaço com os ônibus que alimentam os distantes terminais. Enchemos os poucos bicicletários das estações de trem. Às vezes, muitas vezes, moramos além das fronteiras da cidade. Mas sempre além dos rios, cujas pontes atravessamos há tanto tempo, muito antes que poucas delas tivessem alguma ciclovia ou ciclofaixa.
Convivemos com a precariedade de forma permanente. Às vezes, tão calejados, acostumamos a ela. Às vezes, tão sofridos, acreditamos que seja assim mesmo. Nunca temos tempo de dormir o suficiente, muitas vezes não nos sobra tempo pra pensar em nossa situação. Mas dor sempre sentimos.
E somos em número cada vez maior. Pois apra quem não recebe nem vale-transporte, ir de bicicleta pode economizar, no mínimo, pelo menos umas 45 passagens de ônibus por mês. E isso vira leite ou roupa para os filhos. Vira cimento pra bater laje. Paga conta de luz.
A pouca estrutura cicloviária que nos atende não tem nenhuma manutenção. Somos tão invisibilizados que somos esquecidos nessas discussões. As ligações necessárias nas periferias não foram e não estão sendo construídas. Não há qualquer discussão sobre isso. Apenas a tinta se apaga, o cimento se desfaz. Ninguém lembra de nós em nenhuma reunião.
O pouco que foi feito se desmancha. Nas ciclovias de canteiro central de avenidas o cimento se desfaz. As faixas pintadas estão sendo apagadas pelo tempo, e não se ligam às centralidades às quais nos dirigimos, pois as ligações necessárias não foram feitas. Os caminhos para bicicletas desaparecem… E carros e caminhões invadem esse espaço.
E nada se discute sobre isso. Como sempre isso não ocupa as discussões, pois não somos ouvidos e nem vistos. Para muitos não existimos.
Aliás, se o prefeito Bruno Covas compara estrutura cicloviária a temperos numa pizza, talvez confunda com ketchup o nosso sangue que escorre pelo asfalto. Somos a maioria do aumento das mortes de ciclistas apontadas pelo Infosiga.
Somos nós que nos pontos distantes dividimos espaço com os ônibus, uma vez que ciclofaixas e ciclovias não foram construídas. Somos nós que atravessamos pontes onde não há ciclovias e pedalamos pelas avenidas de fundo de vale de bairros distantes, com suas pistas rápidas e quase sempre sem calçadas. Somos nós que pedalamos muito até chegar na estação Grajaú ou São Miguel Paulista. E por mais que gritemos, ninguém nos ouve. Ninguém quer nos ver. Ninguém se importa. Não valemos nada.
É isso? Nossas vidas não valem nada pois somos periféricos? Nosso sangue que corre nas veias é mero tempero? Nossos filhos podem ficar desamparados? Nossas mães devem carregar esse luto injusto? Apenas por que usamos o transporte mais barato e menos danoso? Somos menos cidadãos por consumirmos menos?
Mas somos cidadãos como todos os demais. Nossa vida de esforço e trabalho deve valer tanto quanto a de qualquer outro paulistano. Devemos ser lembrados nas políticas públicas de mobilidade. Nossas vidas importam! Nosso sangue não é tempero! Que se construam as ligações para a estrutura já existente, que deve também ter manutenção periódica!
Pois nossas vidas importam! Sejamos nós periféricos ou não, nossas vidas importam! Portanto, deixe o poder público de fechar os olhos e nos enxergue! Nossas vidas importam!”
Texto de autoria dos coletivos Bike Zona Leste, Bike Zona Sul e Ciclo ZN
Por falar em CET, temos que ter o hábito de chamar eles por qualquer infração cometida, carro parado na ciclovia, circulando por elea. Não adianta reclamar que não tem, se não há ninguém reportando ocorrência. Pela minha experiência, não é perfeito, nem mesmo no centro expandido. Se houver reclamação e reporte em quantidade, não há como ignorarem.
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Na mosca. Fora do centro expandido não tem CET, não tem fiscalização, ônibus joga pra cima de ciclista e por aí vai. Fora do centro expandido São Paulo é outra cidade.
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