São Paulo é a cidade com mais ciclovias no Brasil
Mas essa marca só foi conquistada com muitas negociações e até protestos. Veja como chegamos até aqui e inspire-se para mudar também sua cidade
De acordo com a Prefeitura da capital paulista, São Paulo é a cidade que tem a maior malha cicloviária do país nesse momento, com 681 km de extensão. Esse malha inclui ciclovias segregadas, ciclofaixas permanentes e alguns quilômetros de ciclorrotas.
Após quase três anos de estagnação e de algumas remoções de ciclovias, a malha cicloviária da cidade voltou a crescer desde dezembro de 2019, com o lançamento do Plano Cicloviário do então prefeito Bruno Covas (PSDB). Atualmente, a capital paulista está sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB), iniciada após o falecimento de Bruno Covas.
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) informa que o plano de ampliação da rede cicloviária “leva em consideração o crescimento do uso do modal nos últimos anos e a tendência de crescimento no futuro próximo, sempre em prol da segurança de todos, especialmente aqueles que ficam mais vulneráveis no compartilhamento das ruas”.
Avanços
O Plano de Metas 2021/2024 prevê um incremento de mais 300 km, o que levaria a cidade a ter quase 1000 km de estrutura de proteção para quem usa a bicicleta. O objetivo, segundo a prefeitura, é “tornar a bicicleta uma alternativa de transporte viável, segura e saudável para toda a população, seja como único meio de locomoção em trajetos curtos e médios ou como possibilidade de se integrar aos demais meios de transporte como ônibus, trem e metrô”.
No último ano e meio foram entregues 177 km de estrutura de proteção, entre ciclovias e ciclofaixas, priorizando a interconexão da rede cicloviária da cidade. Também foram requalificados 321 km das estruturas já existentes.
Dentre as vias que receberam estruturas recentemente estão Av Baronesa de Muritiba e Av. Cassandoca, na zona leste; Av. Nossa Senhora do Sabará, na zona sul; Av. Conceição e R. Ataliba Vieira, na zona norte; e Av. dos Semaneiros na zona oeste.
Retrocessos
Apesar do aumento de quilometragem, nem tudo são flores. Algumas ciclovias foram removidas arbitrariamente, como é o caso da estrutura da Av. Metalúrgicos, na Cidade Tiradentes, zona leste da capital.
Houve forte pressão de comerciantes para a remoção dessa estrutura em 2017, mas ela havia sido arduamente defendida em audiência pública. Também foi feito um estudo pela Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) que, além de comprovar sua utilização, atestou sua importância para a proteção de idosos e crianças da região. Nas audiências públicas sobre o Plano Cicloviário, em 2019, foi apontado pelos participantes que a sinalização para proteção de ciclistas diminuiu os acidentes no local.
Apesar de tudo isso, a ciclofaixa foi removida por um recapeamento na avenida em agosto de 2020 e não mais retornou.
Questionados sobre a remoção, representantes do poder público justificaram recentemente à Câmara Temática da Bicicleta – espaço oficial de diálogo dos ciclistas com a prefeitura – que a estrutura retornaria “em até 45 dias”. Isso depois de quase um ano expondo a risco viário quem usa a bicicleta nessa via.
Entretanto, a informação que temos é que parte do trajeto será colocado sobre a calçada, diminuindo o espaço de circulação de pedestres. Muito provavelmente para garantir que os motoristas tenham lugar cômodo para estacionar, usando para isso o espaço público que deveria se destinar à circulação e à proteção à vida.
Impedindo conclusão de obra
Outro exemplo de flagrante retrocesso é a ciclofaixa que estava sendo implantada na R. Luis Góis, na Vila Mariana. As obras foram iniciadas em janeiro de 2021 e, apesar de já estarem avançadas, foram interrompidas depois de alguns dias.
Passados cinco meses, as obras não só continuam suspensas como, por iniciativa de comerciantes e com o apoio de um vereador, segue em andamento uma mobilização para que a ciclofaixa seja desfeita e o espaço de proteção aos ciclistas se transforme em vagas de estacionamento.
O Vá de Bike fez uma reportagem bem completa sobre a situação, mas infelizmente a situação ainda não evoluiu um milímetro. Vale a pena ler (ou assistir) para entender o caso.
Novo padrão
Tanto os trechos novos quanto os que passaram por reforma receberam novo padrão de sinalização: apesar de não terem mais a cor vermelha em toda sua extensão, as ciclofaixas agora têm tachões a cada metro, para inibir a invasão de motoristas e motociclistas.
A pintura em vermelho fica somente na proximidade dos cruzamentos, áreas em que há intersecção com o fluxo motorizado, mantendo um alerta visual tanto para quem está de bicicleta quanto quem conduz um veículo automotor. Sempre que necessário, são feitos o recapeamento da área onde as bicicletas circularão e a reforma de guias e sarjetas.
Pintura vermelha foi descartada
O padrão vermelho em toda a área das ciclofaixas, que foi abandonado já na gestão João Dória (PSDB), havia sido adotado na gestão Fernando Haddad (PT). A justificativa oficial para a não aplicação da tinta vermelha é melhorar a aderência das bicicletas, principalmente em dias de chuva.
O Vá de Bike é favorável a que toda a área de uma ciclofaixa seja sinalizada em vermelho, deixando claríssimo aos motoristas que não é permitido parar ali nem “por um minutinho”. Mas apesar da tinta vermelha anterior ter sido feita com pintura “a quente”, visando aumentar durabilidade e aderência, alguns ciclistas realmente reclamavam quando o pavimento estava molhado.
A melhor solução seria utilizar asfalto pigmentado, como é feito na Holanda, mas para isso será necessário vencer uma grande barreira de entendimento tanto do poder público quanto da população: dinheiro utilizado em estrutura cicloviária não é gasto, é investimento.
Houve planos para se adotar asfalto pigmentado em 2014, durante a gestão Haddad, mas aparentemente a ideia foi abandonada pelo poder público ainda naquela administração, que se encerrou em 2016 sem que esse tipo de pavimento fosse implantado.
Como chegamos a esse número
O tamanho da cidade ajuda a ter a maior quilometragem do país. Afinal, são 20 mil km de vias, o que faz com que apenas 3,4% de ruas e avenidas com estrutura cicloviária representem esses 681 km. Mas essa extensão só foi possível com mobilização e vontade política.
Até 2014 as ciclovias eram poucas, desconectadas, em péssimo estado de conservação e feitas exclusivamente para lazer ou para tirar os ciclistas da frente dos carros. Esse entendimento começou a mudar durante a gestão de Fernando Haddad, especificamente depois do atropelamento de David dos Santos na Avenida Paulista – episódio em que o ciclista perdeu um braço.
Influência de cicloativistas
As manifestações que se seguiram fizeram com que o prefeito recebesse cicloativistas e entidades para ouvir suas demandas e entender os riscos viários que a cidade apresentava a quem pedala. Foram abertos espaços de participação popular e as conversas com o prefeito e o secretário de transportes se tornaram mensais naquela gestão.
Como resultado, uma rede estrutural de proteção ao ciclista começou a ser implantada rapidamente. Em dois anos, 400 km de ciclovias e ciclofaixas foram implantados.
Muito dessa estrutura foi desenhada ou posteriormente corrigida por influência direta ou indireta dos cicloativistas. O maior exemplo é a ciclovia da Avenida Paulista, que além de surgir por demanda direta dos ciclistas, foi instalada na avenida principal e não como um “binário” nas paralelas, o que evidentemente não solucionaria o problema dos atropelamentos na avenida.
“Participamos de reuniões públicas mensais com a Prefeitura nas quais não arredamos o pé na defesa dos processos participativos e das demandas justas de ciclistas”, conta Sasha Hart, membro da Câmara Temática da Bicicleta. “Tivemos de combater retiradas, inclusive provando que as ciclovias salvaram vidas em todos os lugares que foram instaladas. Foram também muitos diálogos construtivos para ajudar a planejar a expansão da rede cicloviária, identificando vias prioritárias, dando sugestões sobre o novo Plano Cicloviário. Na fase de execução de obras, informamos sobre eventuais correções necessárias, como larguras ou sinalizações inadequadas, por vezes corrigidas”, completa.
Estagnação e tentativas de remoção
Após crescer 400 km ao longo da administração de Fernando Haddad, a rede cicloviária da cidade ficou praticamente estagnada durante o período de um ano e quatro meses da gestão João Doria, bem como nos primeiros 20 meses de Bruno Covas como prefeito. Como se não bastasse, foram várias as tentativas de remoção de ciclovias.
Apesar disso, o cicloativismo paulistano conseguiu barrar boa parte desses retrocessos com grandes manifestações e negociações constantes. Aos poucos, reestabeleceu-se a evolução da rede cicloviária.
Retomada
Em agosto de 2018 surgia uma primeira proposta de Plano Cicloviário, por parte do então prefeito Bruno Covas. Mas essa primeira versão sofreu fortes críticas pela sua inadequação e, felizmente, não seguiu adiante – ao menos naquele formato.
Ao longo de 2019, várias estruturas começaram a passar por reforma, a chamada requalificação, que em muitos casos incluiu recapeamento e reforma de sarjetas. E então, depois de mais de um ano de reformulação, surge em dezembro de 2019 a versão definitiva do Plano Cicloviário, com a promessa de 173 km de ciclovias até o final de 2020.
Se essa recuperação do crescimento da rede cicloviária continuar na gestão Ricardo Nunes, a malha existente continuará recebendo melhorias e se expandindo, protegendo cada vez mais vidas. Nosso desejo é que a capital paulista sirva de exemplo para outras cidades brasileiras, talvez até estimulando uma competição saudável, em que os cidadãos só terão a ganhar.
“Precisamos que os políticos dediquem mais recursos para que as manutenções sejam periódicas, muitas novas infraestruturas sejam instaladas e as velocidades dos automotores sejam compatíveis e fiscalizadas”, reforça Hart. “Deve-se priorizar a proteção à vida e o combate às desigualdades. Ainda temos mais de 19 mil km de vias em São Paulo sem infra cicloviária, com maior carência exatamente aonde moram a maioria dos ciclistas: fora do Centro Expandido, separadas por avenidas e pontes que oferecem pouca segurança.”
Não gosto dessas ciclofaixas pintadas no asfalto. Parece apenas que é um espaço emprestado do asfalto mas que ainda pertence aos carros. Veja Sevilha por exemplo, deixaram as ciclovias todas no mesmo nível da calçada. Isso passa uma mensagem bem mais clara de separação entre bicicletas e carros, além de dificultar que a ciclovia seja ‘retomada’ por pessoas que por algum motivo não querem a ciclovia ali. Aposto que teríamos muito mais usuários se todas seguissem esse padrão. Isso era o mínimo para incentivar mais o uso de bicicletas.
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Concordo, William! Mas há muitos locais com entradas e saídas de garagem, que inviabilizam uma ciclovia elevada em relação à avenida. Nesses, a ciclofaixa continua sendo a melhor opção – acompanhada de redução de velocidade da via. Esse formato de estrutura é muito utilizado em vários países, até mesmo na Holanda, dependendo é claro do tipo da via.
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